Por Bruno Ribeiro
(Folhapress) — O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) aumentou em mais de 50%, em 2024, os gastos com o pagamento de benefícios adicionais, os chamados penduricalhos, a seus cerca de 380 desembargadores da ativa. Ao longo do ano passado, a remuneração média desses magistrados foi de R$ 75 mil por mês.
O salário-base da cúpula do TJ-SP é de R$ 37,6 mil e não sofreu reajustes em 2023. O valor está dentro do teto vigente em São Paulo, de 90,25% do salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Mas, com os pagamentos extras, o total recebido pelos desembargadores paulistas chegou a quase o dobro desse montante.
Em 2024, esses chamados penduricalhos aumentaram em 30% a remuneração dos desembargadores paulistas — em 2023, eles haviam recebido, em média, R$ 58 mil por mês.
Os dados analisados abrangem o período de janeiro a novembro, já que os números de dezembro ainda não foram divulgados.
Os pagamentos adicionais resultaram em uma despesa total de R$ 251 milhões no TJ-SP em 2024, um aumento de 54% em relação aos R$ 163 milhões gastos no ano anterior. No mesmo período, a inflação oficial do país, medida pelo IPCA, foi de 5,99%.
Os penduricalhos não são contabilizados para o cálculo do teto salarial do funcionalismo público. Eles incluem gratificações, indenizações e vantagens pessoais ou eventuais, todas permitidas pelo STF.
Entre os desembargadores paulistas, os dois principais itens que superam o teto são o abono de permanência, pago a quem já pode se aposentar, mas continua na ativa, e a parcela de irredutibilidade.
Essa parcela de irredutibilidade é um benefício que já dura quase duas décadas. Ela é paga a magistrados que, em 2007, recebiam mais do que 90,25% do salário dos ministros do STF. Naquele ano, foi aprovada uma lei complementar que fixou esse percentual como teto no estado de São Paulo.
Segundo o TJ-SP, o fator que mais contribuiu para o aumento dos gastos em 2024 foi o pagamento de valores atrasados, decorrentes de demandas judiciais feitas pelos próprios magistrados, que reivindicam direitos retroativos, incluindo diferenças salariais da década de 1990.
“O reconhecimento desses valores e o seu correspondente pagamento possuem respaldo em decisões do STF e do CNJ e incluem até mesmo férias não pagas”, informou o tribunal em nota. “O que houve foi exatamente o cumprimento da recomendação de pagamento de verbas em atraso, muitas vezes de anos, e que devem ser quitadas.”
Ainda segundo o TJ-SP, a quitação desses passivos é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça:
“É preciso observar que existe expressa recomendação do Conselho Nacional de Justiça para que o tribunal reduza o seu passivo, a fim de que o orçamento não seja onerado por serviço de dívida”.
TJ-SP: remuneração e benefícios para juízes é pauta central
A remuneração e demais benefícios para juízes e desembargadores foi um dos temas centrais na última eleição para a presidência do TJ-SP, em 2023.
Tanto o atual presidente, Fernando Antonio Torres Garcia, quanto seu adversário, Guilherme Strenger, prometeram priorizar benefícios adicionais à categoria e o pagamento de valores atrasados.
Torres Garcia recebeu R$ 774 mil em vantagens, gratificações e indenizações entre janeiro e novembro de 2024. Seus rendimentos líquidos no período somaram R$ 890 mil.
Entre os desembargadores, os maiores valores pagos foram para o ex-vice-presidente do órgão, Luis Soares Mello Neto (R$ 988,5 mil), para Alberto Anderson Filho (R$ 984,8 mil) e Fabio Monteiro Gouvea (R$ 956,4 mil). A reportagem solicitou ao tribunal entrevistas com os magistrados para ouvi-los sobre esses valores, mas o TJ informou que pagamentos e suas nomenclaturas estavam no site da corte.
Em meio a pressões por redução das despesas públicas, o governo federal propôs, no fim do ano passado, na PEC (proposta de Emenda à Constituição) do corte de gastos, a criação de uma lei complementar para regulamentar os penduricalhos e evitar supersalários no funcionalismo público.
Contudo o relator da PEC, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), cedeu à pressão de entidades de classe da magistratura e de outras categorias, retirando a proposta do texto final.
Dados do Atlas do Estado Brasileiro, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostram que o Judiciário é o Poder com melhor remuneração do país.
Em 2022 (dado mais recente), os 10% mais bem pagos do Judiciário, incluindo magistrados e servidores, tiveram rendimentos médios de R$ 26,2 mil, enquanto os 10% mais bem pagos do Executivo receberam R$ 9.300.
“O Judiciário desenvolveu uma expertise, eu diria avançada, em produzir esse tipo de burla [penduricalhos]. Não só produziu, como está lutando no Congresso Nacional, magistrados e outras carreiras jurídicas, para evitar que uma legislação que, enfim, torne isso mais rigoroso, seja aprovada”, afirma Felix Garcia Lopes, pesquisador do Ipea e professor da Fundação Getúlio Vargas.
Lopes cita estudos feito por colegas do instituto que mostram que, desde os anos 1990, o Judiciário vem ganhando maior autonomia orçamentária, o que contribuiu para o aumento de sua remuneração e para a institucionalização de benefícios adicionais acima de limites de remuneração.
Relacionados
Desembargador condenado por venda de decisões é preso em Fortaleza
Carlos Rodrigues Feitosa cumprirá pena por corrupção passiva pela venda de liminares nos plantões do TJ do Ceará
Mulher de desembargador de SC entra na lista suja de trabalho escravo
Ana Cristina Gayotto de Borba entrou na lista mas seu marido, o desembargador Jorge Borba, não
Penduricalhos alavancam remunerações no Ministério Público a até R$ 376 mil
Contracheques são inflados por retroativos, indenizações e remunerações temporárias