Dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas; Dia 21 de abril, dia de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; Dia 22 de abril, dia do “Descobrimento do Brasil”. A sequência de efemérides se deu evidentemente em momentos muito distintos da história moderna e contemporânea. Contudo, guardam uma interessante relação entre elas.
O 22 de Abril
No famigerado 22 de abril de 1500, os Portugueses, cuja intenção primeira era a carreira da Índia, avistam um monte no que hoje é a região sul do Estado da Bahia, “Terra à vista!”, era o início do processo de conquista e colonização de parte do território que depois chamaríamos de Brasil.
Ora, do ponto de vista da geopolítica da expansão comercial e ultramarina europeia, que ao longo da História Moderna (1453–1789) conquistou e colonizou vastos territórios, o termo “descobrimento” não significa que necessariamente os portugueses pensavam que chegaram primeiro que outros povos.
De fato, em função das viagens de Colombo a partir de 1492, o Reino de Portugal e seus experientes navegadores sabiam da existência de terras ao sul do Equador, e sabiam das possibilidades de encontro com os povos nativos da região.
Contudo, o que nos interessa aqui é pensar que a palavra “descobrimento” foi sendo ressignificada ao longo da História e serviu, principalmente nos séculos 19 e 20, para justificar o colonialismo, o racismo e imperialismo dos brancos europeus sobre o resto do mundo.
As palavras e a linguagem tem um poder brutal! Desconstruir o termo “descobrimento” é primeiro constatar que o processo de construção do país que hoje chamamos de Brasil foi um processo que se deu em função da expansão do comércio europeu e de uma visão de mundo que simplesmente ao não compreender o outro, preferiu aniquilá-lo.
Vale dizer, o Brasil foi forjado nas guerras constantes contra os povos indígenas, que nas estimativas mais tímidas eram mais de 3,5 milhões de pessoas nas terras baixas da América do Sul.
Soma-se ao processo violento de conquista, catequização e extermínio dos povos indígenas, o tráfico de africanos escravizados ao longo de 350 anos! Como já é público e notório nas pesquisas mais recentes (veja o site interativo “slave voyage”), dos 12 milhões de africanos escravizados entre 1550 e 1850, quase 5 milhões vieram para os portos da costa atlântica do Brasil, notadamente Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.
Vale dizer que poucos lugares do mundo foram tão violentos ao longo da História quanto a formação do Brasil no Atlântico Sul. Ao mesmo tempo, talvez caiba dizer, qual lugar do mundo não foi alvo de tamanha violência ao longo da expansão do colonialismo capitalista?
Em todo caso, o Brasil sempre guarda suas peculiaridades e ensina ao mundo o que é matar, esganar, trucidar e fingir que está tudo bem.
O 21 de Abril
Séculos depois, já no final do século 18 (1701–1800), o Brasil já era uma colônia portuguesa (América Portuguesa) bastante consolidada. Era na verdade a grande “galinha dos ovos de ouro” de um Império português decadente.
Império que não hesitou, mesmo diante das reformas ilustradas do Marquês de Pombal, em massacrar revoltas e insurreições por toda parte. Foi assim contra a tentativa dos mineiros que — inspirados pelas ideias iluministas e pela independência das Treze Colônias (1776–1783) — ousaram conspirar e tentar se separar de Portugal, na conhecida “Conjuração Mineira” em 1789.
“Primo mais pobre” da conspiração, o impetuoso alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi condenado à forca e esquartejado, exemplo brutal de como a Coroa Portuguesa tratava seus súditos lá e cá. Sobretudo os mais pobres, claro.
Muita gente ainda acha que Tiradentes se tornou um herói de imediato naquele Brasil de 21 de abril de 1792, quando foi executado. Mas não se iludam. A monarquia portuguesa e depois a monarquia brasileira (1822–1889) trataram Tiradentes como traidor, pária, aniquilaram sua memória rebelde.
Tempos depois, no início da História Republicana (1889), carentes de heróis e tentando se livrar da herança monarquista, os republicanos “inventam” o herói Tiradentes e instituem o 21 de abril como data de celebração do “mártir.”
O 19 de Abril
Data mais recente entre as anteriores, o 19 de abril foi estabelecido como Dia dos Povos Indígenas, de celebração à pluralidade e diversidade das etnias indígenas.
A escolha do dia remonta à realização do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que aconteceu em abril de 1940, no México. Naquele momento, os representantes dos países americanos se reuniram para discutir políticas públicas voltadas aos povos originários.
Na esteira das políticas de valorização da cultura indígena, mas ainda numa estrutura racista e colonialista na sua concepção, Getúlio Vargas assina o Decreto do “Dia do Índio” em 1943. A despeito da “homenagem”, a data sempre foi questionada e contestada, principalmente porque a elite colonialista do Brasil nunca deixou de massacrar os povos originários, como vimos no caso de mais um massacre dos garimpos ilegais contra os ianomâmis.
Em 2022, o termo estereotipado e carregado de tons pejorativos, “índio”, se tornou “Dia dos Povos Indígenas.” Com o início do terceiro Governo Lula (2023–2026), pela primeira vez na História do Brasil se instituiu um “Ministério dos Povos Indígenas”, conduzido pela Ministra Sônia Guajajara.
Três datas de sonho, massacre, sangue e América do Sul
Depois dos fatos mais básicos elencados acima, não fica difícil perceber que a formação do “Brasil” é uma história contínua — como diria a poeta — de tiro, porrada, escravização, sangue e bomba.
Os indígenas e afro-brasileiros sabem disso há muito tempo e há tempos lutam e resistem para estabelecer os direitos mais básicos. Em mais um suposto aniversário desses “Brasis” (19, 21 e 22 de abril), cabe a provocação: de qual lado você está na trincheira dessa guerra interminável?
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