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A trilogia que desafia o passado e transformará o futuro da luta afro-brasileira

Trilogia revela como o audiovisual é uma força poderosa na luta por justiça e igualdade no Brasil
02/11/2024 | 07h47

Por Rollo*

As trilogias no cinema têm um talento especial para nos cativar, transportando-nos para diferentes realidades com histórias que se desdobram como boas conversas entre amigos. Filmes clássicos como “O Senhor dos Anéis” e “Star Wars” vão além do entretenimento; eles nos inserem em universos ricos, repletos de personagens complexos e temas fundamentais como amor, amizade e sacrifício.

Essa tradição se reflete em trilogias de grande sucesso, como “Matrix” e “Batman”: o primeiro vai além da luta contra a opressão, oferecendo uma profunda reflexão sobre o que é a realidade e nossas escolhas. Já a trilogia do Homem-Morcego, especialmente sob a direção de Christopher Nolan, apresenta um herói vulnerável, mostrando que a batalha entre o bem e o mal está ligada a um processo pessoal de autodescoberta.

No Brasil, a incrível combinação de “Malês”, “Kasa Branca” e “Medida Provisória” surgiu sem a intenção de criar uma trilogia. Aclamados em festivais como o Festival do Rio e o Encontro do Cinema Negro Zózimo Bulbul, cada filme, à sua maneira, mergulha na rica e complexa história da população negra, abordando diferentes épocas e realidades. Essa conexão inesperada destaca a continuidade das lutas e da resistência, convidando o público a refletir sobre as experiências vividas pela comunidade afro-brasileira.

  • “Malês” (2023): dirigido por Antônio Pitanga, nos transporta para 1835, durante a Revolta dos Malês em Salvador. Este evento marca um capítulo significativo da resistência afro-brasileira, onde muçulmanos escravizados se levantaram contra a opressão. O filme destaca a força desses lutadores e resgata a resistência cultural em um período esquecido, instigando a reflexão sobre identidade e ancestralidade.
  • “Kasa Branca (2024)”: de Luciano Vidigal, o filme mergulha na vida nas periferias cariocas. Aqui, acompanhamos um grupo de amigos que enfrentam a violência e a exclusão social, encontrando no bar Kasa Branca um símbolo de esperança e solidariedade em meio aos desafios diários. O filme toca nas dinâmicas sociais das comunidades, ressaltando a importância da união e do apoio mútuo.
  • “Medida Provisória” (2020): de Lázaro Ramos, apresenta uma visão distópica alarmante, onde um governo decreta o retorno dos cidadãos negros à África sob a falsa justificativa de reparação histórica. Os protagonistas lutam por dignidade e liberdade, refletindo os desafios contemporâneos da comunidade negra no Brasil. Essa narrativa instiga discussões cruciais sobre identidade e igualdade, lembrando que, mesmo em um contexto supostamente pós-escravidão, as batalhas por direitos estão longe de terminar.

As três obras cinematográficas interagem de forma rica, explorando a experiência negra no Brasil, desde a resistência armada do século 19 até as lutas modernas por dignidade e inclusão social. Eles não apenas celebram a cultura afro-brasileira, mas também destacam a importância de dar voz a quem foi silenciado por séculos.

“Malês”, filme de Antonio Pitanga

Assistir a “Malês”, “Kasa Branca” e “Medida Provisória” proporciona mais do que uma simples experiência cinematográfica — é uma verdadeira imersão na história afro-brasileira. Este convite à empatia se alinha perfeitamente à Lei 9457/21, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história dos povos africanos e indígenas nas escolas públicas e privadas, promovendo a inclusão de aulas de campo. Cada um desses filmes amplifica vozes da resistência, instigando apoio à liberdade e à igualdade, inspirando futuras gerações a prosseguir na luta por um mundo mais justo.

Essa trilogia involuntária ressoa com a grandiosidade das maiores sagas cinematográficas, ressaltando que cada história traz à tona lutas que transcendem o tempo. Assim, o cinema brasileiro reafirma seu compromisso com a verdade e a representação, transformando essas obras em oportunidades para reflexão e ação em prol de um futuro mais inclusivo.

A força desses filmes está na forma como cada um dialoga com questões vitais de nossa condição humana, enfrentando as adversidades com coragem e esperança. Essa tradição cinematográfica nos ensina que, não importa quão desafiadoras sejam as circunstâncias, sempre haverá espaço para a resistência.

Ao optar por assistir “Malês”, “Kasa Branca” e “Medida Provisória”, convidamos o público a ampliar seus horizontes e a abraçar narrativas que moldam e definem a nossa sociedade. A história da resistência negra no Brasil é fundamental para a identidade nacional e merece ser celebrada com a mesma reverência que as grandes obras do cinema mundial. Não apenas elevam a visibilidade das lutas históricas e contemporâneas, mas também transformam o cinema em um poderoso instrumento de mudança e conscientização. Ao nos depararmos com essas histórias, somos desafiados a considerar nosso papel na sociedade e o impacto que podemos ter na busca pela igualdade.

Seja ao apreciar uma trilogia clássica do cinema mundial ou ao explorar as profundas narrativas do cinema brasileiro através destas três obras, a verdade é que todos estamos conectados por histórias que nos ensinam sobre resiliência e humanidade. Portanto, na hora de escolher o que assistir, opte por filmes que não apenas entretêm, mas que também educam, provocam e inspiram. As trilogias têm esse poder, e, no contexto do cinema brasileiro, cada filme é um passo a mais em direção a um entendimento mais profundo da sociedade e de nós mesmos. Vamos juntos celebrar e apoiar essas vozes que continuam a nos guiar em nossa luta por um futuro mais justo e igualitário!

 

* Ator negro de 59 anos, formado no Bacharelado de Artes Cênicas da Faculdade da CAL e atualmente está Conselheiro do Audiovisual no Conselho Estadual de Política Cultural do RJ.

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