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Por Fábio Pannunzio
O governo Trump acaba de decretar a cobrança de uma sobretaxa de 25% sobre as importações de veículos e autopeças produzidos no exterior para venda no mercado americano. A medida foi fortemente criticada e provocou movimentos drásticos nos mercados acionários de todo o mundo.
Justificada com o argumento de que pretende trazer de volta aos EUA as fábricas levadas para outros países pela globalização, a adoção de uma política aparentemente tão deletéria, especialmente para os consumidores estadunidenses, pode ter um sentido que vai muito além da retórica oficial.
Basta olhar os gráficos que brotam das bolsas de valores em todo o planeta para entender que apenas uma única empresa se beneficia, ainda que indiretamente, das medidas restritivas que afetam toda a economia global: a Tesla, indústria que pertence ao secretário informal Elon Musk, o segundo homem mais poderoso do entrópico império americano.
Anunciada nesta quarta-feira depois do fechamento dos pregões, a sobretaxa começou a mexer com as cotações já no chamado after market das bolsas. Como era de se prever, as empresas mais afetadas são aquelas que mais importam carros para venda no mercado dos EUA.
Entre elas estão montadoras tradicionais americanas que acreditaram que o tratado de livre comércio entre Canadá, México e Estados Unidos instituído pelo próprio Trump em 2017 era para valer. Empresas como Ford, Stellantis e GM construíram plantas nos dois vizinhos, onde os custos e a disponibilidade de mão de obra são mais favoráveis do que nos Estados Unidos.
Estima-se que essas montadoras gerem cerca de um milhão de empregos diretos e mais três milhões indiretos nos países do continente americano em que se instalaram. Outras centenas de milhares de empregos são alocados por montadoras situadas na Europa, China, Coreia do Sul e Japão que exportam para o mercado americano. São essas vagas de trabalho que Trump quer fazer retornar aos EUA.
Os Estados Unidos, por sua vez, vivem uma situação virtual de pleno emprego. Hoje, o índice de desemprego está abaixo de 4%, e as empresas enfrentam dificuldades severas para contratar trabalhadores especializados. A pergunta é inevitável: será que a economia dos Estados Unidos precisa mesmo desses empregos? Será que o custo enorme da aplicação de sobretaxas draconianas será compensado pelos benefícios prometidos pela administração Trump, caso eles venham efetivamente a se concretizar?
À primeira vista, um único beneficiário surgiu no horizonte imediato — a Tesla de Elon Musk. É a única das montadoras que viu suas ações serem valorizadas a partir de quarta passada. Todas as demais têm operações no exterior. De cada 2 carros vendidos nos EUA pela Stellantis e GM, por exemplo, um foi produzido no México ou no Canadá.
Essas foram as mais impactadas pelas medidas, que entrarão em vigor no próximo dia 2 de abril (automóveis) e 3 de maio (autopeças). As da GM, que importa 50% do que vende ao consumidor estadunidense, caíram 7%; as da Ford, 3,9%. As montadoras europeias também estão sofrendo nas bolsas de valores ao redor do planeta: Volks e BMW, por exemplo, tiveram seu valor de mercado reduzido entre 2% e 2,5%.
Ao contrário dos acionistas dessas companhias, que não pouparam críticas à guerra comercial, o maior acionista da Tesla anda feliz da vida. Elon Musk vinha acumulando reveses em escala industrial desde que se meteu a participar de convescotes neonazistas na Europa e a torpedear democracias nos dois lados do Atlântico. As vendas da Tesla caíram 59,5% na Alemanha e 63% na França.

Lojas e fábricas da Tesla, empresa de carro elétrico de Elon Musk, tem sido alvo de ataques e protestos nos EUA
Nos Estados Unidos, as lojas da marca passaram a sofrer piquetes de consumidores enfurecidos e dezenas de carros foram incendiados na mesma medida em que Musk consolidava o conceito de homem mais odiado do mundo. As ações, que abriram 2025 cotadas a US$ 500 na NASDAQ, perderam metade do seu valor, chegando a US$ 273 na semana passada.
Nesta semana, assim que a caneta dura de Trump assinou o decreto da sobretaxa, as ações da Tesla tiveram uma súbita valorização. Ela é a única montadora que produz tudo o que vende em duas fábricas nos EUA. O percentual de nacionalização das peças e componentes supera os 80%. Assim, os carros da marca ficarão livres de (quase) todo o impacto da guerra fiscal movida por Trump.
Na NASDAQ, a valorização foi imediata. As ações da Tesla, que terminaram a terça cotadas a US$ 245, amanheceram na quinta valendo US$ 274 e superaram o patamar dos US$ 290 no dia 27. Essa valorização pode não impulsionar vendas de veículos, mas bota mais alguns bilhões na conta dos acionistas. Até então, o valor patrimonial do conglomerado de Musk já havia perdido US$ 700 milhões com a depreciação de seus ativos.
O movimento induzido nos mercados pela iniciativa de Trump não foi o único ato em benefício da companhia nos últimos dias. No dia 12 de fevereiro, na ausência de coisa melhor para fazer, o presidente dos EUA promoveu um desfile de carros da Tesla no jardim da Casa Branca. O próprio Trump comprou um carro pagando o preço da tabela cheia. E deixou-se filmar e fotografar como se fosse uma merchandete — aquelas garotas que fazem propaganda dentro dos programas de televisão.
No Brasil, uma empreitada dessa natureza poderia valer o impeachment do presidente da República. É impensável, por exemplo, que Lula ou qualquer outro em seu lugar venha a promover produtos ou empresas que estão no foco de seu interesse ideológico ou comercial. Nosso Código Penal trata esse tipo de conduta como crime de advocacia administrativa. O Art. 351 é claro ao tipificá-lo: “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”, sujeitaria a autoridade a uma pena de detenção de 1 a 3 meses ou multa.
Pena que o nosso código não vigore nos Estados Unidos!
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