Por Gustavo Cabral
As doenças infecciosas emergentes continuam sendo uma ameaça significativa à saúde pública global. A pandemia de Covid-19 evidenciou o impacto devastador que esses agentes infecciosos podem causar, afetando não apenas sistemas de saúde, mas também estruturas econômicas e sociais.
Em anos recentes, surtos de doenças como Mpox (Monkeypox), Ebola e o contínuo desafio representado pelo HIV demonstram que o enfrentamento de novas epidemias e pandemias exige vigilância constante e investimentos em ciência e tecnologia.

Testagem de Mpox
De forma semelhante, arboviroses (doenças virais transmitidas principalmente por artrópodes, como mosquitos) como a dengue têm se intensificado em países tropicais como o Brasil, trazendo desafios persistentes para o controle vetorial e o tratamento das complicações clínicas.
Nesse contexto, o vírus Zika se destaca como uma arbovirose emergente com relevantes implicações para a saúde pública. O Brasil vivenciou há uma década um expressivo surto da doença entre os anos de 2015 e 2016, período em que foi registrado um aumento significativo nos casos de microcefalia entre recém-nascidos cujas mães foram infectadas durante a gestação.
Embora a infecção pelo vírus Zika possa ser assintomática ou manifestar sintomas leves, há evidências de que, em situações mais graves, pode provocar complicações neurológicas, como a microcefalia em fetos e a Síndrome de Guillain-Barré (condição em que o sistema imunológico ataca os nervos, levando à fraqueza muscular e, às vezes, à paralisia) em adultos. Pesquisas recentes têm ampliado o entendimento sobre a patogênese do vírus, apontando também para possíveis danos testiculares como consequência da infecção.

Faculdade de Medicina da USP (Foto: Reprodução)
Nova vacina
Diante desse desafio, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) desenvolveram uma vacina experimental baseada em partículas semelhantes a vírus (VLPs, do inglês virus-like particles), que demonstrou ser capaz de prevenir camundongos transgênicos da infecção pelo vírus Zika, assim como de proteger contra danos neurológicos e reprodutivos.
O estudo, desenvolvido por esse grupo de pesquisa que coordeno e publicado na revista Nature pj Vaccines (leia aqui), representa um avanço relevante no desenvolvimento de vacinas eficazes, seguras e acessíveis.
A vacina testada mostrou ser capaz de induzir uma resposta imune robusta, especialmente por meio da ativação de células T específicas contra o ZIKV. Além disso, os animais imunizados produziram anticorpos neutralizantes que conferiram proteção eficaz após serem desafiados com o vírus.
Achados do estudo que são notáveis são a prevenção de lesões cerebrais e testiculares em camundongos machos vacinados, evidenciando a abrangência protetiva da vacina, pela capacidade abrangente de indução da resposta imunológica.
Outro ponto de destaque é a ausência de adjuvantes (substância usada em vacinas para reforçar a resposta do sistema imunológico) na formulação vacinal, o que reduz custos, tornando a vacina uma alternativa mais viável para aplicação em larga escala, sobretudo em contextos de recursos limitados.
Essa tecnologia também tem se mostrado versátil: o mesmo grupo de pesquisa aplicou a plataforma de VLPs no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19, igualmente promissora, conforme publicado no artigo científico “A self-adjuvanted VLPs-based Covid-19 vaccine proven versatile, safe, and highly protective“, também na revista Nature, mas neste caso, na Scientific Report.
Esses avanços científicos reforçam o papel fundamental da pesquisa nacional no enfrentamento de desafios globais em saúde. Apesar das recorrentes limitações de financiamento e da pouca visibilidade que muitos grupos de pesquisa enfrentam, os resultados obtidos demonstram a capacidade da ciência brasileira de desenvolver soluções inovadoras, com potencial impacto internacional.
É importante ressaltar que esses estudos só foram possíveis graças ao apoio de instituições de fomento à pesquisa, em especial a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que investiu de forma decisiva no projeto aqui apresentado (FAPESP 19/14526-0).
O desenvolvimento da vacina contra o vírus Zika — e a versatilidade dessa plataforma tecnológica para outras viroses emergentes — evidencia a importância de fortalecer a infraestrutura científica no Brasil. Valorizar e apoiar de forma contínua os pesquisadores comprometidos com a promoção da saúde pública é essencial para que o país possa responder com eficiência a ameaças sanitárias presentes e futuras.
*Imunologista PhD pela USP, pós-doutor pelo Instituto Jenner da Universidade de Oxford, Inglaterra e pós-doutor sênior pelo Hospital Universitário de Bern, Suíça.
Atualmente é coordenador de Pesquisa para o Desenvolvimento Tecnológico de Vacinas no Departamento de Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP.
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