Por Valter Mattos da Costa*
Ao se analisar as recentes medidas anunciadas pelo governo federal para a valorização dos professores, é possível antever que elas possam gerar frustração entre os profissionais da educação. Embora o discurso oficial enfatize ações de incentivo, como bolsas para atuação em áreas carentes e programas de formação continuada, é evidente que, para a maioria esmagadora dos professores, especialmente aqueles que já estão em sala de aula, os ganhos reais continuam sendo inexistentes. E isso é um problema que vai além das promessas e afeta diretamente a dignidade de uma das categorias mais importantes para o futuro do país.
O piso nacional do magistério, fixado por lei federal em R$ 4.867,77, para se trabalhar 40 horas semanais, deveria ser um parâmetro mínimo para garantir condições dignas de trabalho e sobrevivência aos professores da educação básica. No entanto, sabemos que o cumprimento dessa regra está longe de ser universal. Estados e municípios encontram maneiras de burlar a legislação ou simplesmente a ignoram, perpetuando a desvalorização da profissão. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o piso salarial nacional sequer é pago, e os professores continuam recebendo salários que não condizem com a importância de sua atuação.
A ausência de políticas que garantam o cumprimento do piso é um reflexo do descaso histórico com a educação. O governo federal e a atual gestão do MEC, que se apresentam como defensores da valorização docente, deveriam concentrar seus esforços em pressionar os estados e municípios a cumprirem essa obrigação legal (e o Município do Rio aumentou a carga horária dos professores em sala de aula sem o respectivo aumento salarial).
Não adianta criar programas complementares e paliativos enquanto o básico — o salário justo — não é garantido. A bolsa de R$ 2.100 para professores que aceitarem atuar em áreas de difícil acesso, por exemplo, é válida, mas restrita a uma pequena parcela dos profissionais. E o que acontece com a maioria, que já está em sala de aula e não tem a opção de se deslocar para outro município? Esses continuam sendo ignorados.
A realidade é dura: o professor brasileiro trabalha em condições precárias, muitas vezes em escolas mal estruturadas, com excesso de alunos por sala e recursos didáticos insuficientes. E, ao final do mês, o salário que recebe mal cobre as despesas básicas. Como exigir qualidade no ensino se sequer conseguimos oferecer condições dignas para quem ensina? A valorização da educação, tão proclamada em discursos políticos, deve começar pela valorização de quem está na linha de frente, e isso significa cumprir o piso salarial e garantir aumentos reais, alinhados ao custo de vida.
Há um problema estrutural e político que não pode ser ignorado. Enquanto o financiamento da educação básica depender da vontade e da capacidade de estados e municípios, o cumprimento de políticas nacionais, como o piso salarial, continuará sendo tratado como um “luxo” em vez de um direito. O governo federal precisa exercer um papel mais ativo, criando mecanismos de fiscalização e penalidades para os gestores que não cumprirem a lei. Deixar essa responsabilidade exclusivamente nas mãos de estados em crise financeira, como o Rio de Janeiro, ou de governos com uma postura autoritária em relação aos profissionais da educação, como o de São Paulo, é perpetuar a desigualdade e a precarização da carreira docente.
O discurso oficial, por mais bem-intencionado que pareça, não resolve o problema central: o salário. Sem um aumento real e o cumprimento de um piso mínimo em todo o território brasileiro, os professores continuarão lutando para sobreviver, enquanto o país permanece distante de qualquer transformação significativa na educação. É hora de parar de maquiar o problema e atacar a raiz da questão: a dignidade do professor, que começa pelo básico, a remuneração justa. Sem isso, falar em valorização docente é apenas retórica vazia — pode até conquistar novos professores, mas a carreira continuará distante de ser atraente.
*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, e doutor em História Econômica pela USP
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