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Venda de refinarias da Petrobras contribuiu para criar monopólios locais e aumentar os preços dos combustíveis

Na Bahia e no Amazonas, após venda de refinarias da estatal à iniciativa privada, os preços dos combustíveis passaram a superar a média nacional, derrubando o argumento de que a entrada de agentes privados beneficiaria os consumidores
02/03/2023 | 20h20

A venda de duas refinarias da Petrobras para a iniciativa privada tiveram fortes impactos nos preços dos combustíveis no país. Depois que a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e a Refinaria Isaac Sabbá (REMAN), no Amazonas, foram privatizadas, em 2021 e 2022, respectivamente, os preços dos combustíveis dispararam nas regiões onde estão situadas, provocando muitas distorções nos mercados locais.

Em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, na última segunda-feira (27), o economista Eric Gil Dantas, do Ibeps (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais) e do OSP (Observatório Social do Petróleo), faz uma análise do impacto da privatização dessas refinarias.

No caso da RLAM, esta foi criada em 1950, no Recôncavo Baiano, e hoje é a segunda maior refinaria do país, com 15,6% do total da capacidade de refino em solo brasileiro. Foi a primeira refinaria a ser privatizada, sendo comprada em 2021 pelo fundo Mubadala Capital, subsidiária de gestão de ativos da Mubadala Investment Company, dos Emirados Árabes. Na nova gestão privada, a partir da empresa Acelen, a empresa foi rebatizada de Refinaria Mataripe.

Conforme o artigo do economista, um ano antes da privatização até o fim da operação estatal, a RLAM vendia gasolina sempre um pouco abaixo do restante das refinarias da Petrobras, mais especificamente 0,9% mais barato, se levada em conta a média de todo o período.

Contudo, após a privatização, Mataripe passou a cobrar em 74% dos dias um preço acima do praticado pela petroleira brasileira. “Em média, a gasolina da refinaria privatizada ficou 5,6% mais cara do que o da estatal no mesmo período”, diz o economista no artigo.

Em relação ao preço do diesel S-10, a diferença é um pouco maior. A RLAM vendeu, em média, o diesel 2,5% mais barato do que o restante da Petrobras no ano que antecedeu a sua privatização. Por outro lado, após a privatização, passou a cobrar na maior parte do tempo preços acima dos praticados pela petroleira. “Mais especificamente, 57% dos dias desde o início da série histórica, o preço do diesel ficou, em média, 1,94% mais caro do que a Petrobras”, diz ele no artigo.

Com o GLP a situação foi mais ou menos a mesma. O preço praticado pela RLAM era praticamente igual ao do restante das refinarias antes da privatização. Porém, após sua venda, passou a cobrar, em média, 7,2% a mais pelo GLP se comparado à Petrobras.

No ano passado, o próprio Gil Dantas já vinha alertando sobre o impacto das privatizações sobre os preços dos combustíveis no país. À época, ele mostrou que não era verdadeiro o argumento de que a venda das unidades de refino traria maior competição ao setor, fazendo cair os preços. Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostravam que Mataripe, até maio de 2022, já havia aumentado a gasolina em 48%. No diesel, o aumento chegou a 58%. Em comparação, os preços da gasolina e do diesel na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, ainda sob controle da Petrobras, subiram 37% e 45%, respectivamente.

Refinarias da Petrobras: REAM, no Amazonas, também passou a vender combustíveis mais caro após a privatização

Com a REMAN, refinaria criada em 1956 para abastecer a região norte e que detém 2,6% da capacidade de refino do país, a situação é parecida com o que ocorreu com a Mataripe. Vendida em 2022 para o grupo ATEM, empresa de distribuição de combustíveis sediada em Manaus, ela foi rebatizada de Refinaria de Manaus (REAM), operando de forma privada desde 1º de dezembro de 2022.

Antes da privatização, a REAM cobrava preços 2% abaixo aos praticados pelas outras refinarias da Petrobras, no ano anterior à sua privatização. Após a venda, no entanto, passou a vender gasolina em média 2,8% mais cara do que a estatal brasileira.

Com o diesel S-10, o produto era vendido a um preço 1,3% inferior ao do restante das refinarias da Petrobras antes da privatização. Após a venda, o diesel S-10 foi comercializado com valores 4,4% maiores do que a Petrobras.

O GLP vendido pela REAM no último ano antes da privatização tinha basicamente o mesmo preço que o restante das refinarias da Petrobras. Após a privatização, a REAM passou a vender o GLP muito mais caro do que a estatal. Em média, o GLP passou a ser vendido 31,4% mais caro que o da Petrobras.

Nas palavras do economista, o efeito no caso do GLP da REAM “foi o mais gritante de todos”. “A região norte, que tinha o GLP mais barato do país, passou a ter o mais caro”.

Por fim, ele salienta que, como muitos analistas já vinham alertando, a privatização de refinarias da Petrobras seria ruim para a economia brasileira, devido aos seus efeitos nos preços dos combustíveis. Segundo Gil Dantas, isso ocorreu basicamente por duas razões: primeiro, a Petrobras, por ser empresa estatal, consegue praticar preços mais baixos que os das concorrentes e deseja praticá-los, pois há pressão da opinião pública e do governo, seu acionista majoritário; o segundo aspecto é que a privatização da duas refinarias criou monopólios privados no norte e na Bahia, e obviamente esses monopólios visam a maximizar seus lucros.

Além disso, conforme ele pontua, “a única concorrência que atinge essas regiões é com produtos importados, que estão muito caros desde o início de 2021”.

FUP celebra suspensão de privatizações da Petrobras

A propósito, de 2015 para cá, a Petrobras tem vendido uma série de ativos e desinvestido em projetos voltados à produção de energia limpa, indo, portanto, na contramão de outras petroleiras no mundo. Dados do Observatório Social do Petróleo, citados por Dantas em seu artigo no Estadão, mostram que a soma de privatizações chegou ao valor de R$ 280 bilhões somente no ano passado.

Entre os ativos vendidos nos últimos anos estão BR Distribuidora, NTS e TAG (empresas de gasodutos), Liquigás, Gaspetro, polos e campos de petróleo e gás. As privatizações, que ganharam corpo depois do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, serviram a múltiplos propósitos. Grupos privados adquiriram ativos estratégicos a preços bem abaixo dos seus valores de mercado.

Mas essa situação vem mudando. Atendendo a uma de suas promessas de campanha, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) suspendeu temporariamente as privatizações da Petrobras, fato que tem sido comemorado pela FUP (Federação Única dos Petroleiros).

O Ministério de Minas e Energia (MME) determinou a suspensão por 90 dias da venda de ativos da companhia. E justificou a decisão em razão da reavaliação da atual PNE (Política Energética Nacional) e da nova composição do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).

Para o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, a decisão mostra que a eleição do presidente Lula e a pressão da categoria petroleira começam a “surtir efeito”. Mas ele afirmou que é preciso ir além, suspendendo definitivamente as privatizações em curso. Também defendeu o “cancelamento” das vendas de ativos nos últimos anos.

Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo e da Rede Brasil Atual

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