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Das 10 cidades com maiores taxas de violência policial, metade está na Bahia

Estado bateu recorde com 1.699 vítimas em 2023, um aumento de 15,8% em relação ao ano anterior
18/07/2024 | 11h21

Por Jeniffer Mendonça — Ponte Jornalismo 

Das 10 cidades com mais de 100 mil habitantes que têm as maiores taxas de mortes praticadas pelas polícias estaduais, metade está localizada na Bahia. É o que revela a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado nesta quinta-feira (18/7). O estado, sob a gestão Jerônimo Rodrigues (PT), mais uma vez, bate recorde com 1.699 vítimas da letalidade policial em 2023, um aumento de 15,8% em relação ao ano anterior.

Jequié, que fica no interior baiano, lidera a taxa de mais violenta: 46,6 mortes pela polícia por 100 mil habitantes, o que representa 15 vezes a média nacional de 3,1 mortos. Além disso, as polícias foram responsáveis por mais mortes (55,2%) no município do que aquelas decorrentes de crime: homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, as chamas mortes violentas intencionais. Para se ter uma ideia, a proporção nacional ficou em 13,8% e na Bahia 25,8%.

Jequié também está entre as 10 cidades com as maiores taxas de mortes violentas intencionais: 84,4, em terceiro lugar, atrás apenas de Camaçari (BA) e Santana (AP). “Jequié tem algumas especificidades que têm a ver com a posição, com a geografia do local em relação as BRs [rodovias]”, explica David Marques, que é coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Do ponto de vista logístico, principalmente para analisar mortes violentas intencionais como um todo, da chegada da influência tanto do PCC [Primeiro Comando da Capital] quanto do Comando Vermelho, que vão fazer alianças com grupos locais, tem ali o tempero de um conflito com facções previamente existentes, com grupos criminosos previamente existentes, e com uma resposta muito violenta por parte da Polícia Militar com relação a essa dinâmica criminal”.

Marques avalia que existe um discurso de “pretexto de combate à criminalidade” para legitimar a violência policial. “Num cenário de uma sensação de insegurança, esse é um discurso linha-dura facilmente mobilizado, geralmente pelos governadores, e isso acaba gerando taxas mais altas de letalidade policial, embora a gente saiba que esse tipo de atuação não tem efeito concreto com relação ao controle do crime organizado, da redução da violência ou de redução do tráfico de drogas. O que a gente tem na verdade é um cenário de crescimento nos casos das mortes violentas intencionais em geral.”

O segundo semestre de 2023 na Bahia também foi palco de chacinas policiais quando, em cinco dias, 19 mortes ocorreram durante ações e operações policiais, entre 28 de julho e 1º de agosto, nas cidades de Salvador, Itatim e Camaçari. Com o pretexto de combate às facções criminosas, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e a Superintendência Regional da Polícia Federal implantaram em 11 de agosto a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) — denominação já usada pela Polícia Federal em outras ações pelo país com viés parecido.

É neste contexto, já com a Ficco em andamento, que ocorreu a morte do agente federal Lucas Caribé Monteiro de Almeida, 42 anos, no dia 15 de setembro no bairro Valéria, em Salvador. Ele participava da Operação Fauda quando foi atingido. Outros dois policiais (um federal e um civil) ficaram feridos e mais quatro pessoas, apontadas como suspeitas de assasinarem o agente, morreram. Após o assassinato, o governo desencadeou uma série de operações policiais tidas como vingança. Em setembro, foram computadas 41 das 72 mortes em meio a essas ações.

Na ocasião, após pressão de movimentos sociais, o governo estadual publicou a Portaria nº 198 de 05 de setembro de 2023, a fim de instituir um grupo de trabalho (GT) para elaboração de um Plano Estadual de Redução da Letalidade Policial em 30 dias (cujo prazo foi prorrogado por mais 30 dias em novembro).

O grupo de trabalho criado pelo governo da Bahia em 2023 não incluiu membros da sociedade civil com função deliberativa. Foto: Divulgação/ SSP-BA

O grupo não contém nenhum membro da sociedade civil com participação deliberativa, o que fez a Defensoria Pública, o Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos (CEPDH) e o Ministério Público estadual convocarem uma audiência pública, em outubro, para ouvir e reunir propostas do público para o plano e para que o governo prestasse esclarecimentos. Em junho deste ano, a Defensoria, em conjunto com outras entidades, entregou um Plano de Redução da Letalidade Policial com 55 propostas para melhorar a segurança pública.

Após idas e vindas, a PM baiana passou a utilizar câmeras nas fardas em maio. Segundo o comunicado da secretaria, numa primeira etapa, 448 câmeras estão sendo usadas em Companhias Independentes da Polícia Militar (CIPM) localizadas nos bairros de Pirajá, Tancredo Neves e Liberdade, todos na capital Salvador. O critério informado é que essas unidades têm “maior número de atendimentos de ocorrência”, sem especificar que tipos são.

A Bahia já estava em destaque no quesito letalidade policial quando da divulgação do 17º Anuário feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado, com dados referentes a 2022. O estado computou 1.457 mortes decorrentes de intervenção policial, sendo o mais letal em números absolutos, ultrapassando pela primeira vez o Rio de Janeiro (1.330) — estado que, em 2023, puxou a queda de letalidade nacional com uma redução de 34,5%.

Por isso, em âmbito nacional, houve uma redução de 1% na letalidade policial de 2022 para 2023. Apesar disso, nos últimos 10 anos, o aumento foi de 188,9%.

Em resposta à divulgação dos dados do Anuário na época, a SSP-BA emitiu nota dizendo que os mortos “em confrontos” com as polícias são “homicidas, traficantes, estupradores, assaltantes, entre outros criminosos”. Por esse motivo, justificou a pasta no mesmo texto, não computava esses óbitos junto com os dados de “morte praticada contra um inocente”. Até hoje a secretaria não divulga esses dados no seu site.

O pesquisador do Fórum aponta que as informações são levantadas do próprio governo baiano e o que o intuito é contribuir para o debate de segurança pública. “Se você acompanha o noticiário local, o noticiário baiano, em Salvador e em outras cidades, é possível facilmente perceber que existe o reconhecimento que tem um problema de segurança pública lá. A discussão nas eleições municipais tem sido bastante pautada pela questão da segurança pública, embora frequentemente as pessoas não associem tanto a atuação da prefeitura com a segurança pública, apesar de municípios terem responsabilidades também no tema.”

O que diz o governo da Bahia?

A Ponte procurou a assessoria da Secretaria da Segurança Pública da Bahia sobre os indicadores e aguarda resposta.

SAIBA MAIS:

Polícia Civil de SP recomenda que policiais possam enquadrar quem quiserem

 

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