Por Gabriel Gomes
Uma das vozes críticas ao massacre promovido por Israel contra palestinos na Faixa de Gaza, o Programa San Tiago Dantas de Pós-graduação em Relações Internacionais pode ter a parceria público-privada com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) encerrada. A questão ocorre após diversos casos de perseguição e ataques a professores e alunos árabes e pró-Palestina.
O programa de pós-graduação é fruto de uma parceria entre a Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da PUC, a Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). O convênio ocorre há 23 anos. A Fundasp não assinou, até hoje, a renovação do convênio, que está na mesa da instituição desde agosto do ano passado, após passar pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação da PUC. Mesmo sem a assinatura, a pós continuará a ser oferecida pelas universidades públicas.
Em novembro, o professor Reginaldo Nasser, coordenador do programa e alvo de ataques xenófobos na universidade pela descendência árabe, conseguiu uma reunião com o padre José Rodolpho Perazzolo, diretor-executivo da Fundação São Paulo (Fundasp). O padre chegou a dizer que o curso estava em “extrema-unção”.
“Eu pensei que extrema-unção gera morte, mas entendi que não era só morte porque ele disse que tinha uma chance de sobrevivência, que era para procurar a nova reitoria, que estava entrando, explicar academicamente e ver o que ia fazer. Não teve resposta nenhuma. Até hoje não teve resposta”, relata Reginaldo Nasser ao ICL Notícias.
Após a reunião, alunos de mestrado e doutorado vinculados à PUC se surpreenderam ao descobrir que seus nomes não constavam mais no sistema da universidade.
Convênio com a PUC
A argumentação da Fundação São Paulo (Fundasp) dada a Nasser é de que o programa tinha um alto custo e dava prejuízo. Em 2024, a PUC registrou um superávit de 33 milhões de reais, valor 5,7% maior que o do ano anterior, segundo dados divulgados pela Fundasp ao Conselho Universitário.
No programa de pós-graduação em RI, a universidade tem 22 pesquisadores isentos do pagamento de mensalidades, assim como os demais alunos das universidades públicas parceiras. O programa possui 5 (máximo) na Capes.

Fundasp, mantenedora da PUC, não assinou, até hoje, a renovação do convênio, que está com a instituição desde agosto. (Foto: Reprodução)
Segundo o professor Nasser, o curso de Relações Internacionais é a segunda graduação mais procurada da PUC, sendo um dos principais motivos a possibilidade de continuação no programa da pós. Apenas dez estudantes dos 584 da graduação bancam todo o custo da pós, de acordo com o Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP.
O professor Reginaldo Nasser segue dando aulas e orientações aos alunos da pós-graduação. Recentemente, porém, ele foi informado pelo RH da Pontifícia que o contrato estava sendo reduzido porque essas atividades “não estavam autorizadas”.
“O argumento é ridículo. Tem a seguinte pergunta: durante 23 anos manteve e por que exatamente agora, no primeiro semestre de 2025, é que vem a argumentação de que dá prejuízo, no momento em que a PUC está tendo superávit? Não bate muito bem… É difícil acreditar em outro argumento que não seja a questão política”, argumenta o professor.
Ao mesmo tempo, a PUC-SP prorrogou o contrato de um instituto liderado pelo filósofo de direita, Luiz Felipe Pondé, com 30 horas de dedicação. O instituto não possui alunos e nem vínculo com os cursos.
Estudantes se manifestam
O Centro Acadêmico de Relações Internacionais da PUC-SP e o Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais se posicionaram, nas redes sociais, contrários ao fim do convênio. “O programa de pós-graduação em RI tem se tornado umas das vozes mais críticas a Israel”, diz o post. “Por que a PUC-SP está se aliando à extrema-direita?”, questionam.
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Parlamentares cobram explicações
A Vereadora Luna Zarattini (PT-SP), o Deputado Federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), a Deputada Federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), a Deputada Estadual Ediane Maria (PSOL-SP) e o Deputado Estadual Carlos Gianazzi (PSOL-SP) oficiaram a Fundação São Paulo, a Reitoria da PUC-SP e a Promotoria de Justiça de Fundações apresentando preocupação com a decisão da Fundasp de cancelar o convênio com o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas.
Perseguições e ataques
Em outubro do ano passado, dois professores do departamento foram alvo de uma denúncia anônima por supostas práticas antissemitas: Reginaldo Nasser, de origem árabe, e Bruno Huberman, que é judeu. “Eu fiquei lá durante uma hora respondendo coisas como ‘você apoia o Hamas’, não havia nada, só perguntas gerais. E o Bruno também, o inquérito foi concluído em fevereiro, dizendo que não havia nada que constatasse qualquer questão relacionada a antissemitismo”, relata Nasser.
Após o caso, a Fundasp decidiu publicar um novo “Protocolo Antidiscriminatório” para a universidade, com uma menção específica à prática do antissemitismo. A definição de antissemitismo, porém, foi alvo de críticas, considerando como “as manifestações contra o Estado de Israel, enquanto coletividade judaica”.
“Essa definição, só para ter uma ideia, aqui em São Paulo, foi adotada pela Prefeitura e pelo governo do Estado e pela PUC, só. Dois governos bolsonaristas e a PUC”, ressalta o professor Reinaldo Nasser.
Há duas semanas, o banheiro da universidade foi pichado com as frases: “Hora de limpar RI (Relações Internacionais). PUC não é para árabe. A PUC é nossa. A reitoria é nossa”, escreveram. “Árabe sou eu”, diz o professor Nasser.

Pichação no banheiro da PUC-SP. (Foto: Reprodução)
O que diz a PUC?
O ICL Notícias procurou a PUC-SP para que se posicione sobre o caso e até o fechamento da reportagem, não obteve resposta. O espaço segue aberto.
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