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Por Cleber Lourenço
A X Brasil, responsável pela operação do antigo Twitter, respondeu ao Judiciário brasileiro em relação à decisão do ministro Alexandre de Moraes no Inquérito 4970. A empresa entregou os dados solicitados, mas deixou claro o desconforto com o que considera uma ampliação indevida do escopo da medida judicial. A manifestação, enviada ao Supremo Tribunal Federal no dia 28 de março, destaca que o período exigido para fornecimento de conteúdo — de junho de 2024 a fevereiro de 2025 — ultrapassaria o prazo original de preservação determinado em decisão anterior.
Na resposta, a empresa afirma ter enviado dois arquivos diretamente à Polícia Federal, conforme autorizado por Moraes: um com as publicações do perfil @allanconta preservadas entre junho e julho de 2024, e outro com o que ainda estava disponível até fevereiro de 2025.
No entanto, os advogados da X ponderam que “não foram apresentados fundamentos que justificassem a preservação e fornecimento de novos conteúdos, em período distinto daquele que foi originalmente preservado”. A empresa reforça que a ordem de julho de 2024 era clara quanto ao período de retenção e que, portanto, qualquer extensão exigiria nova fundamentação legal.
Além disso, a plataforma alega que “o Marco Civil da Internet não impôs aos provedores de aplicação de Internet qualquer obrigação de guarda e/ou preservação de conteúdo, muito menos daquele que tenha sido deletado”, destacando que sua obrigação legal restringe-se à manutenção dos chamados “registros de acesso a aplicações de internet”, como data, hora e IP de acesso.
Apesar de confirmar que entregou o material solicitado ao delegado da Polícia Federal Fabio Fajngold, da Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores, a X Brasil ressalta que o conteúdo entregue diz respeito apenas ao que estava disponível nos seus servidores. Ou seja, não há garantia de que o material represente a totalidade das postagens originalmente feitas pelo perfil @allanconta.
A crítica, ainda que em tom técnico e respeitoso, marca mais um capítulo da relação tensa entre o Judiciário brasileiro, com o STF em destaque, e as plataformas digitais em investigações que envolvem desinformação, milícias digitais e ataques à democracia. A X, sob comando global de Elon Musk desde 2022, já protagonizou embates públicos com o Supremo, chegando a contestar bloqueios de contas e se recusar, em alguns episódios, a cumprir integralmente ordens do Judiciário brasileiro.
Judiciário brasileiro e as big techs
A postura da X expõe uma fissura crescente entre as expectativas do Judiciário brasileiro e os limites operacionais e legais alegados pelas big techs. Embora o fornecimento de dados tenha sido formalmente cumprido, a empresa deixa implícito que medidas dessa natureza podem gerar precedentes problemáticos se não forem acompanhadas de fundamentação jurídica específica e tempestiva.
O Inquérito 4970, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, foi instaurado a partir de uma representação da jornalista Juliana Dal Piva contra Allan dos Santos, influenciador bolsonarista investigado por ameaças e difamações. A apuração no Judiciário envolve a disseminação de conteúdos que atacam instituições públicas, como a Polícia Federal e o próprio STF, e possíveis tentativas de obstrução de investigações em curso.
O caso está no STF por conexão com outros inquéritos sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que apuram a atuação de milícias digitais. As condutas atribuídas a Allan dos Santos têm repercussão nacional e integram um contexto de ataques coordenados ao Estado Democrático de Direito, o que justifica a atuação direta da Corte.
Procurada pelo ICL Notícias, a defesa da jornalista Juliana Dal Piva destacou que “de fato o Marco Civil estabelece que os provedores de aplicações de internet devem armazenar os registros de acesso a essas aplicações pelo prazo de seis meses (artigo 15)” e reconheceu que a legislação “não impõe a obrigação de preservar o conteúdo das comunicações privadas ou postagens dos usuários, especialmente se já foram deletados”.
Contudo, afirmou que “ordens judiciais específicas podem determinar a guarda de determinados conteúdos por períodos além dos previstos na lei. Nesses casos, os provedores devem cumprir tais determinações judiciais”. Segundo a defesa, ao ser determinada a abertura do inquérito, o STF também determinou a preservação de todos os dados do blogueiro Allan dos Santos no perfil que gerou os ataques. “Assim, acredito que está em conformidade com os princípios constitucionais e legais vigentes”, conclui.
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