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As plataformas de conteúdo nas redes sociais seguem disseminando vídeos que divulgam apostas online, apesar da portaria da Fazenda publicada na quinta-feira (1º). Levantamento da Folha mostra mais de 3.500 vídeos no YouTube que fazem propagandas positivas para jogos de cassino online, informa reportagem de Pedro S. Teixeira e Laura Intrieri.

A portaria do ministério da Fazenda de quinta-feira (1) define as responsabilidades jurídicas de toda cadeia de anunciantes, coíbe propaganda enganosa e estabelece normas para o jogo responsável. Ainda assim, plataformas como YouTube, TikTok e Google trazem vídeos e links que fazem propaganda positivas de jogos virtuais de azar.

Em mais de 3.500 vídeos encontrados no YouTube, foram detectados robôs que usam IA para prever resultados, plataformas “bugadas” que dão mais chances ao apostador, horários secretos para melhores lances e dicas de inteligência emocional para gerir bancas.

YouTube diz que regras não permitem apostas

Os vídeos no YouTube foram publicados até julho de 2024, depois da aprovação da lei que abriu caminho para a regularização dos caça-níqueis virtuais. Os dados foram extraídos com auxílio de automação e passaram por uma análise amostral, feita com inteligência artificial. Os resultados tiveram revisão e checagem humana.

Especialistas ouvidos pela reportagem avisam que não existem estratégias ou sistemas que garantam as chances de ganho. Os vídeos geralmente encobrem a divulgação de links de programas de afiliados, que são como revendedores terceirizados de casas de aposta. A pessoa que publica o endereço de determinada casa de apostas recebe uma parte do dinheiro perdido pelos apostadores.

Os vídeos violam as regras de jogo responsável publicadas na quinta-feira (1). Associam sucesso no jogo a habilidade, fazem propaganda enganosa de ganhos, promovem o “jogo do tigrinho” e semelhantes como alternativa de investimento e não trazem os alertas de que apostas são vedadas para menores de idade.

(Foto: Freepik)

Marketing de afiliados

Além disso, o marketing de afiliados é o ramo da publicidade que, hoje, concentra o maior número de queixas no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

“Todas as grandes mudanças no ritmo de moderação que vimos se deu por questões políticas ou de regulamentação. Se somos capazes de encontrar vídeos que ferem a legislação com tanta facilidade, então o [dono do YouTube] Google, uma das maiores empresas do mundo, que emprega milhares dos melhores programadores, também consegue”, diz Guilherme Felitti, sócio da Novelo Data.

Em suas normas de uso, o YouTube proíbe divulgação de apostas sem autorização prévia, embora existam milhares de links de afiliados circulando nos vídeos encontrados.afirma que usa uma combinação de pessoas e aprendizado de máquina para identificar e remover em escala conteúdo que viole regras da rede: “Somente de janeiro a março de 2024 foram removidos 8.295.304 vídeos da plataforma. A detecção automatizada de conteúdo em desacordo com as diretrizes foi de 96%, com 6.861.224 dos vídeos removidos atingindo 10 ou menos visualizações.”

A norma do governo, que entra em vigor 2025, diz que as empresas que oferecem serviço de publicidade na internet — como as redes sociais, plataformas de streaming e buscadores — terão de excluir anúncios, após notificação de irregularidade pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA). Provedores de internet também deverão bloquear sites ou excluir aplicativos, mediante notificação.

Será a obrigação da secretaria manter um canal de denúncias e promover fiscalizações ativas. No mercado regulado, as casas de apostas terão responsabilidade jurídica pelo cumprimento das regras e estarão sob fiscalização da SPA, ligada ao Ministério da Fazenda. E responderão legalmente pela mensagem de seus afiliados. Influenciadores que divulgarem as casas de apostas compartilharão da responsabilidade. A Fazenda espera coibir a propaganda agressiva, responsabilizando toda a cadeia de publicidade.

Nas novas regras, qualquer publicidade sobre apostas tem de seguir as normas de jogo responsável e adotar linguagem clara, que destaque a proteção dos menores de idade. Também fica proibida a sugestão de obtenção de lucro fácil, frases convocatórias, que estabeleça elo entre sucesso pessoal e financeiro e associadas a informações enganosas.

Embora o MCI (Marco Civil da Internet) determine a obrigatoriedade de remoção de conteúdo só em caso de decisão judicial, o advogado André Santa Ritta afirma que a possibilidade de remoção via ato administrativo criada na regulação das apostas é legal. “As normas do Ministério da Fazenda devem prevalecer sobre uma norma genérica do Marco Civil”, diz.

Meta não comenta portaria da Fazenda

A concentração das decisões de notificação da SPA dá mais segurança às plataformas, segundo Paulo Rená da Silva Santarém, pesquisador do IRIS (Instituto de Referência em Internet e Sociedade). “É uma decisão administrativa de origem bastante concentrada, e não uma notificação de usuário, empresa concorrente, Ministério Público ou delegado”, diz.

A Meta, empresa proprietária do YouTube, não comentou a portaria do Ministério da Fazenda. Em seus termos de uso, a Meta afirma exigir que os anunciantes solicitem autorização para fazer propaganda de jogos de azar. Quando questionada sobre erros na moderação, a Meta se limitou a dizer que trabalha “muito” para limitar a disseminação de spam no Facebook e no Instagram, porque não permite conteúdos que possam enganar os usuários.

O TikTok também não quis comentar a medida da Fazenda, mas proíbe que o acesso e a promoção a jogos de azar sejam estimulados dentro da plataforma. Na plataforma, porém, é fácil encontrar vídeos que ensinam supostas estratégias de vitória garantida no caça-níqueis.

O Google, que também trabalha com anúncios, também não respondeu. A plataforma de busca proíbe a divulgação de links de plataformas de aposta não autorizadas.

A popularização dos jogos e riscos correlatos a isso criam necessidade de uma tutela jurídica especial, como a para idosos, crianças e pessoas em situação de superendividamento, de acordo com Alexandre Jabra, advogado especialista em direito do consumidor. “A legislação vai na mesma linha do que alguns pontos já previstos no Código de Defesa do Consumidor”, diz.

Rená, do IRIS, alerta para risco de vício. “O vício pode levar a problemas individuais e coletivos, de saúde pública. A percepção é de que, pelo menos no papel, a regulamentação se mostra suficiente para imaginar que a sociedade brasileira lidará com essa modalidade de jogos online de forma responsável.”

 

SAIBA MAIS:

Fazenda publica portaria que determina regras para jogos de aposta online

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