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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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Na declaração de Lula sobre Gaza, cabe retratação (da imprensa)

Imprensa brasileira é expert em reivindicar autocrítica da esquerda, mas péssima em criticar a si própria
23/02/2024 | 10h56

Quase uma semana depois de Lula ter dito que os ataques do exército de Israel às mulheres e crianças de Gaza só seriam comparáveis ao que fez Hitler com os judeus, a tempestade diplomática prevista pela imprensa brasileira não aconteceu.

O chanceler israelense fez performances lamentáveis, expondo o embaixador brasileiro a humilhação e usou as redes sociais ao estilo Carluxo, com diatribes contra o presidente brasileiro. Netanyahu tornou Lula persona non grata e esperneou, como se esperava. Entidades de lobby pró-Israel também rebateram agressivamente — tudo dentro do previsto.

No âmbito interno, os radicais bolsonaristas, capitaneados pela impoluta Carla Zambelli (PL-SP), correram a recolher assinaturas para pedir impeachment de Lula, algo que, eles sabem, nunca sairá do papel. Para não perder o costume, ocuparam a tribuna e as redes sociais para disseminar mentiras, acusando o presidente de ser contra os judeus.

Nos primeiros dias de repercussão da fala de Lula, os grandes veículos de imprensa compraram a tese desses desqualificados, ocupando tempo e espaço do noticiário para criticar o petista. Mais: pelas palavras de seus jornalistas e entrevistados, sugeriram — alguns até exigiram — que o presidente se retratasse.

Provavelmente, as palavras mais pronunciadas e escritas no noticiário nacional nos últimos dias foram “desculpas” e “retratação”.

Bastante ilustrativa foi a cobertura do Jornal Nacional sobre a sessão do Senado em que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), teve a ousadia de dizer que Lula deveria se desculpar. Depois dessa fala, o noticiário da Globo mostrou a manifestação do líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), que também discordou de Lula. A mais efusiva intervenção, no entanto, foi a do senador Omar Aziz (PSD-AM), filho de um palestino, que apoiou integralmente a declaração de Lula e ainda deu uma bronca em Pacheco por sugerir retratação. Essa cena o JN não mostrou.

Apesar das previsões catastróficas e da certeza de muitos jornalistas de que o presidente seria execrado mundialmente, ocorreu o contrário. Nenhum governante de peso atendeu ao convite de Netanyahu, que pediu mobilização contra o governante brasileiro. Na mão inversa, líderes da União Europeia e dos Estados Unidos passaram a condenar mais fortemente o massacre que Israel impõe a Gaza. Muitos disseram que Lula tem o direito de criticar, embora alguns desses líderes não concordem com sua afirmação.

Um dos que repetiu esse refrão foi Anthony Blinken, secretário de Estado dos Estados Unidos. Convidado pela repórter do Jornal Nacional a criticar a declaração de Lula, não sem antes ser lembrado que é judeu e que tem padrasto que sofreu com o Holocauso, ele estragou a pauta. “Lula falou motivado pelo sofrimento dos palestinos, ele quer ver isso acabar, assim como nós”, respondeu. “Para nós, como eu disse, está muito claro que não há comparação [com o Holocausto] alguma”.

Da mesma forma que na famosa música do genial Assis Valente, popularizada por Carmen Miranda, “o mundo não se acabou”, apesar de todas as previsões de Apocalipse. Ou seja, a hecatombe política e diplomática se resumiu ao risível pedido de impeachment dos parlamentares terraplanistas e ao bate-boca com o governo de Israel.

Enquanto isso, o morticínio em Gaza nunca foi tão debatido por aqui como depois da fala de Lula.

A escabrosa história da Lava Jato demonstrou como a imprensa brasileira é expert em reivindicar autocrítica da esquerda, mas péssima em criticar a si própria.

Mesmo assim, não custa perguntar mais uma vez aos grandes veículos de comunicação: não seria o momento de pedir escusas?

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