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Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) informa que o Exército concedeu licenças de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para condenados por crimes como homicídio, tráfico de drogas, pessoas com mandados de prisão em aberto e outras que podem ter sido usados como “laranjas” do crime organizado.

O documento de 139 páginas traz informações detalhadas sobre o controle de armas por parte dos militares entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, maior incentivador da emissão de carteirinhas de CACs.

Durante a era Bolsonaro na presidência, 5.235 pessoas em cumprimento de pena puderam obter, renovar ou manter os chamados certificados de registro (CR). Dessas, 1.504 tinham processos de execução penal ativos quando submeteram a documentação ao Exército, mas não foram barradas.

Os demais foram condenados após pedirem o CR, mas não tiveram a documentação cancelada. A Força também liberou armas de fogo a 2.690 pessoas com mandado de prisão em aberto, ou seja, eram foragidas da Justiça.

As informações são do repórter Tácio Lorran e Vinícius Valfré, do Estadão.

“A concessão, a revalidação e o não cancelamento de CRs vinculados a pessoas inidôneas possibilita o acesso delas a armas de fogo e munições, representando um risco à segurança pública”, afirma o relatório.

Procurado, o Exército disse que não daria detalhes em razão do caráter sigiloso do documento.

Pela Lei 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, apenas pessoas que comprovem serem idôneas, ou seja, que não estejam respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, poderiam ter acesso aos certificados. O relatório do TCU conclui que a legislação tem sido descumprida.

CACs e suas armas poderiam ser úteis em golpe

Antônio Cruz/Agência Brasil

Mauro Cid disse à Polícia Federal em sua delação premiada que CACs teriam papel no plano golpista como um “braço armado”. Antônio Cruz/ Agência Brasil

Um dos motivos apontados é a falta de uma declaração de antecedentes nacional e unificada. Um decreto de Bolsonaro, de 2019, restringiu a documentação ao local atual de domicílio de quem solicita o registro de CAC.

“A emissão delas [certidões de antecedentes] não é unificada a nível nacional, o que, por si só, representa uma debilidade na avaliação da idoneidade dos interessados em obter acesso a armas de fogo nos termos da Lei 10.826/2003. A forma como a matéria foi regulamentada em 2019 — ao restringir a comprovação de idoneidade à unidade federativa (UF) atual de domicílio —, pode ter exacerbado essa fragilidade, que não parece ter sido suficientemente mitigada na regulamentação emitida em 2023”, diz o relatório.

O documento elenca os crimes mais comuns que renderam condenações aos CACs. Entre eles, homicídio, tráfico de drogas, lesão corporal dolosa, direção sob efeito de álcool, roubo, receptação e ameaça.

“A gravidade das condutas, por si só, já reforça indicadores de criminalidade e abala a sensação de segurança, sobretudo daqueles impactados de algum modo pelos delitos. Contudo, quando se leva em consideração que parcela significativa desses indivíduos ainda possui CRs ativos e acesso a armas, entende-se haver disponibilidade de meios para: a reincidência de práticas criminosas; a progressão da gravidade das condutas — por exemplo, a ameaça evoluir para um homicídio ou a lesão corporal contra a mulher evoluir para um caso de feminicídio; e a obstrução das investigações ou dos processos criminais — afinal, a arma pode ser utilizada para fuga, intimidação ou assassinato de testemunhas, entre outros”, diz o TCU.

A auditoria alertou ainda para o risco de milhares de “laranjas” terem sido registrados como atiradores para providenciar armas ao crime organizado. Ao cruzar dados do Exército com a base de pessoas de baixa renda aptas a receber benefícios sociais, o levantamento encontrou 22.493 pessoas inscritas no Cadastro Único com pelo menos uma arma de fogo. O cadastro contempla pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo.

“A equipe de auditoria entende que o exame de pessoas com baixa renda proprietárias de armas de fogo, que possuem custo de aquisição elevado, pode compor uma tipologia de risco capaz de auxiliar na identificação de possíveis ‘laranjas’”, diz o documento. “São indivíduos potencialmente de baixa renda e que são proprietários de armas, alguns com quantidade elevada delas, suscitando questionamentos sobre a viabilidade de as aquisições dessas armas terem ocorrido com recursos próprios.”

Desde que Bolsonaro afrouxou critérios para acesso aos itens, inquéritos policiais vêm identificando intermediários da compra de armas para facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em São Paulo, um deles foi encontrado com arsenal avaliado em R$ 50 mil, apesar de renda declarada de R$ 2 mil.

“Eles (integrantes do PCC) pagavam de R$ 35 mil até R$ 59 mil num fuzil no mercado paralelo e agora pagam de R$ 12 mil a R$ 15 mil um (fuzil calibre) 556 com nota fiscal”, afirmou em uma entrevista ao Estadão o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, um dos maiores especialistas em combate ao crime organizado do País.

Curioso é que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, disse à Polícia Federal que aliados radicais de Jair Bolsonaro (PL) eram favoráveis à utilização de “um braço armado” para executar o plano golpista do ex-presidente. Em delação, o ex-ajudante de ordens informou que haveria apoio de CACs na tentativa de golpe de Estado.

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