Por Laura Kotscho
Juízes do Trabalho em todo o país se mobilizaram nesta quarta-feira (7) contra a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu todos os processos que discutem a “pejotização“. A paralisação atinge milhares de ações em curso.
A mobilização foi organizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com apoio da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT) e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e teve atos em Brasília, Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil.
De acordo com o juiz Rafael Pazos, diretor-adjunto do Prerrogativas e Direitos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra1), a decisão do STF tem consequências preocupantes: “A suspensão paralisa processos em que trabalhadores buscam o reconhecimento de vínculos de emprego. Eles ficam aguardando por uma definição sem prazo para que seus direitos sejam analisados”.
Receba nossa Newsletter
Pejotização e fraudes
A decisão do STF afeta casos de “pejotização”, situação em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) para disfarçar relações de emprego. De acordo com o juiz Pazos, nem toda “pejotização” é fraude — ela ocorre quando o trabalhador mantém vínculos de subordinação, mesmo com contrato de pessoa jurídica. “Se o trabalhador continua cumprindo horário, obedecendo ordens e sem poder mandar outra pessoa no lugar dele, isso é fraude”, afirma.
Ele ressalta que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece critérios para reconhecer a existência de vínculo empregatício: “A CLT continua em vigor, é uma lei cogente, obrigatória. E esses critérios continuam valendo”.

O juiz Rafael Pazos, diretor-adjunto do Prerrogativas e Direitos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra1), na mobilização nesta quarta-feira (7)
Esvaziamento da Justiça do Trabalho
Para a juíza Daniela Muller, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra1) , a decisão do STF tem gerado preocupação entre os juristas quanto à autonomia da Justiça do Trabalho, que possivelmente levaria a retrocessos na proteção social e traria prejuízos significativos ao próprio Estado, incluindo impactos fiscais. “Práticas fraudulentas afetam diretamente os recolhimentos que sustentam a Previdência e outras políticas públicas”, alerta.
Rafael Pazos esclarece que, historicamente, é de competência da Justiça do Trabalho julgar pedidos de vínculo empregatício: “Ao transferir esse tipo de análise para outra esfera, estamos fragilizando a Justiça do Trabalho e negando seu papel histórico na proteção de direitos trabalhistas”, afirma.
Precarização das relações de trabalho
Muller ressalta que a Justiça do Trabalho existe justamente para proteger trabalhadores, que, em sua maioria, se veem forçados a aceitar relações fraudulentas devido à necessidade de garantir sua sobrevivência.
Ela afirma que as questões envolvendo o trabalho humano devem ser analisadas “Através dos princípios da proteção e da primazia da realidade, como reconhecido pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos”, e que “No Brasil, o Judiciário competente para essa análise é, por definição constitucional, a Justiça do Trabalho, estruturada com base nesses fundamentos”.
A ampliação da “pejotização”, se admitida sem critérios claros, pode facilitar a precarização das relações de trabalho e até contribuir para o aumento de situações de exploração.
Para Rafael Pazos, a prática não tem nada de moderna — pelo contrário, remete às origens da exploração do trabalho humano. “A fraude ao Direito do Trabalho não tem nada de moderno. Ela remonta aos primórdios da civilização e da Revolução Industrial”, afirma. “Se a pejotização for aprovada de forma larga, sem nenhum critério, é uma possibilidade, sim, de que isso possa aumentar o alarmante número de trabalho análogo à escravidão”.

Juízes do Trabalho se mobilizam em todo o país contra decisão do STF sobre “pejotização” nesta quarta-feira (7)
Muller também endossa a preocupação com os processos de trabalho análogo à escravidão: “A maioria dos trabalhadores submetidos ao trabalho análogo à escravidão não tem vínculo formal reconhecido. Caso se mantenha a liminar do ministro Gilmar Mendes, esses processos serão retirados da Justiça do Trabalho — justamente o ramo do Judiciário que tem atuado com mais eficácia no combate a essas violações”.
Mobilização nacional
A mobilização em defesa da Justiça do Trabalho foi organizada em Brasília e teve caráter nacional. “Foi uma manifestação muito boa, com união de magistratura, Ministério Público, advocacia e servidores, todos em prol da reafirmação da competência da Justiça do Trabalho”, afirma Pazos.
Apesar disso, ele é cauteloso ao avaliar se a pressão pública pode influenciar diretamente o STF: “Não sei de que forma isso vai influenciar. O Supremo se pauta por critérios jurídicos. Nosso ato foi para mostrar que a Justiça do Trabalho continua firme em seu dever institucional de preservar as garantias constitucionais.”
Pergunte ao Chat ICL
Relacionados
Baptista Jr. confirma ao STF trama golpista e que Freire Gomes disse que poderia prender Bolsonaro
Tenente-brigadeiro é testemunha de acusação da PGR na ação penal que apura tentativa de golpe de Estado
STF ouve testemunhas indicadas por Mauro Cid em processo sobre tentativa de golpe
As audiências marcam o início da fase de defesa, após a conclusão dos depoimentos das testemunhas de acusação
Motta é cobrado por Nikolas e diz que anistia não vai passar à força na Câmara
Presidente da Casa afirma ainda que está cansado de ser cobrado sobre tema e que texto será declarado inconstitucional pelo STF