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Após estrear no comando do Athletico PR com uma goleada de 6 a 0 sobre o Londrina nas quartas de final do Campeonato Paranaense, Cuca fez um pronunciamento sobre a condenação por ato sexual com menor e coação, que foi anulada pelo Tribunal Regional de Berna-Mittelland, na Suiça, no começo deste ano.

Leia a íntegra do pronunciamento de Cuca

“Confesso para vocês que estou nervoso. É um tema muito sério, muito importante.
Escrevi para não correr o risco de errar, porque não sou bom com palavras, sou muito ‘boleirão’. Queria falar sobre os últimos meses que eu tenho vivido. Há quase um ano eu saí do Corinthians e vocês podem imaginar o que estou passando e o quanto estou refletindo. Antes de falar, precisei escutar minha esposa, minhas filhas. Escrevi esse texto com a ajuda delas. Porque ainda não me sinto com conhecimento suficiente para falar sobre algo tão forte. Por elas e por todas eu escrevi e não quero errar.

Tenho escutado as opiniões e tentado entender o meu papel. No começo do ano li uma coluna da Milly Lacombe, da UOL, em que ela disse que isso não era sobre mim. Eu entendi o que ela quis dizer. Não é SÓ sobre mim, mas é sobre mim também. Eu escolhi me recolher durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada, carrega o impacto para sempre. Eu consegui seguir minha vida. O mundo do futebol e o mundo dos homens nunca tinha me cobrado nada, mas o mundo está mudando e eu acho que é para melhor.

Não adianta eu ser um grande treinador, esposo, pai, avô, irmão, se eu não entender que o mundo é mais do que o futebol e que eu faço parte dessas coisas. Eu enxergava os problemas, mas me calei porque a sociedade permitia que eu, como homem, me calasse. Hoje entendo que o silêncio soa como covardia. Tenho buscado ouvir mais, entender mais, aprender mais.

Não posso mudar o passado. Muitos homens agora me escutam e são capazes de olhar para o passado para rever suas atitudes. Sabemos que o mundo é um lugar diferente para os homens e mulheres, e quando enxergamos isso podemos até resistir, mas as coisas começam a mudar. Só que mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras.

Técnico Cuca, do Athletico PR

A realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar mais seguro para as mulheres. O mundo do futebol ainda é um mundo de muito preconceito. Entendi que quando me cobram não é só sobre mim, é sobre a forma como tratamos as mulheres. Não estou falando isso como fala isolada para agradar alguém, ou da boca para fora. Se fosse assim teria me manifestado antes. Falo isso de coração.

Quero e me comprometo a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar.

Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol. Sucesso repentino é desafio. Muitos se perdem pelo caminho com fama e dinheiro. Somos levados a acreditar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres. Precisamos dar aos mais novos a oportunidade de não errarem como tantos de nós erramos. É ali que podemos sensibilizar, colocar para pensar, orientar. Sucesso, dinheiro e fama não servem para nada se você se perder no caminho.

Eu pensei que eu estava livre da minha angústia quando solucionei meu problema com a anulação do processo e a indenização. Mas entendi que não acabou porque não dependia apenas da decisão judicial, mas que eu precisava entender o que a sociedade esperava de mim. O que vocês vão ver de mim daqui para frente não serão palavras, serão atitudes. Mas obrigado por me ouvirem hoje.”

Veja nesse vídeo a fala de Cuca sobre o assunto a partir dos 43 minutos:

Entenda o caso

No ano de 1987, quando ainda era jogador de futebol, Cuca se envolveu em um caso de abuso sexual de uma menor de idade, na Suíca. Em janeiro deste ano, o Tribunal Regional de Berna-Mittellan, na país europeu, anulou o julgamento por falhas processuais.

O julgamento não entrou no mérito da acusação. A anulação do julgamento não trata nem da culpa, nem da inocência de Cuca. O treinador, no entanto, está livre de condenação.

“Escândalo de Berna”

O caso ficou conhecido como “Escândalo de Berna”. Cuca era jogador do Grêmio e ficou hospedado na cidade de Berna, na Suíça. A jovem Sandra Pfäffli, que tinha 13 anos na época, e mais dois amigos, ao saberem disso, bateram na porta do quarto dos jogadores no hotel para pedir camisas.

De acordo com depoimentos da época, os dois garotos relataram que os jogadores seguraram a jovem no local. Logo após, a jovem menor de idade foi à recepção do hotel e disse ter sido estuprada. Cuca, Henrique Etges, Eduardo Hamester e Fernando Castoldi foram detidos e passaram aproximadamente um mês na prisão.

Sandra Pfäffli chegou a ser procurada pela Justiça recentemente, porém ela morreu 15 anos depois de ter sido vítima de abuso sexual. A causa da morte não foi revelada.

Dois anos depois do ocorrido, em 1989, os jogadores foram julgados e condenados. A decisão recente da Justiça não se trata de uma revisão desse julgamento, mas sim de uma anulação.

Milly Lacombe: ‘É sobre uma vida que está acabada’

Na última semana, a jornalista Milly Lacombe, podcast Fim de Papo do UOL, comentou sobre o caso e reforçou que a vítima do crime, Sandra Pfäffli, faleceu cerca de 15 anos depois do ocorrido.

“O Cuca nunca percebeu que isso não é sobre ele. Os defensores do Cuca, igualmente. Isso é sobre uma vida que está acabada. O Cuca pode não ter feito, mas alguém morreu”, lamentou Milly Lacombe.

“Mesmo que a gente não morra, a gente nunca mais vive. Uma mulher abusada, estuprada, assediada, acaba um pouco no ato”, completou.

A jornalista, à época, afirmou que Cuca não compreendeu o acontecido e que não precisaria ele se justificar sobre o crime. Milly sugeriu, ainda, que o treinador se engaje em causas sociais como campanhas contra o estupro e assédio às mulheres, além de investir seu patrimônio em ações da Lei Maria da Penha.

“Eu garanto pra vocês que as torcedoras do Athletico Paranaense não se manifestariam. A gente precisa de aliados. O Cuca seria um grande aliado. Ele nunca entendeu que não é sobre ele. Ele continua falando dele. Não é sobre ele, é sobre a gente… A gente precisa de ajuda porque a gente tá morrendo todos os dias, simbólica ou literalmente”, afirmou.

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