O Movimento de Educação Popular para combater as desigualdades da classe trabalhadora, negra e periférica no acesso à educação pública e comunitária, no território das favelas do Chapéu Mangueira e Babilônia, no bairro do Leme (Rio de Janeiro), encontrou na Igreja Batista local uma parceira.
O Pré-Vestibular Popular do Chapéu Mangueira/Babilônia é um núcleo do Movimento SOS Educação Popular e tem por objetivo ser um espaço/coletivo que estimule a emancipação da juventude periférica.
Esses jovens cresceram identificando portas entreabertas, mesmo as portas dos portais públicos que deveriam estar escancaradas. Seria inadmissível que constatassem que locais de culto também praticam a política de portas semiabertas.
A utilização do espaço da igreja é importante e estratégica para captar alunos de baixa renda que residem no bairro do Leme e, especialmente, alunos da Babilônia, que poderiam enfrentar algum tipo de resistência para assistir às aulas que antes eram realizadas no território do Chapéu Mangueira.
A igreja fica na ladeira Ary Barroso, compartilhada pelos que querem acessar tanto o Chapéu Mangueira quanto a Babilônia. Somos a igreja nas bifurcações favela/asfalto e Chapéu/Babilônia.
Aos sábados, entre 8h e 17h, as dependências da igreja ficam ao dispor para realização das aulas. O movimento tem outras unidades no Rio de Janeiro, sempre com muito esforço para encontrar locais disponíveis.
O fato de a igreja ceder o espaço não determina qualquer tipo de ingerência sobre os conteúdos ou formato. O projeto do pré-vestibular é gratuito, laico e popular.
Os professores são voluntários não remunerados, mas, eventualmente, dependendo das parcerias, recebem uma ajuda de custos. Foram recrutados nas universidades e no entorno das respectivas comunidades. Existem casos de ex-alunos do projeto que depois de formados nas Universidades Públicas retornam na condição de professores voluntários.
Sábado ensolarado, passando pela orla de Copacabana até chegar ao charmoso cantinho conhecido como Praia do Leme. Turistas aos montes, banhistas chegando e os trabalhadores montando suas barracas na areia na expectativa de boas vendas. Deixei o calçadão e subi a ladeira para entrar em outra realidade.
Quando cheguei ao meu destino, o grupo já estava tomando um farto café da manhã antes da aula. Todos os sábados são servidas três refeições gratuitas: café da manhã, almoço e lanche da tarde. Contam com doações e parcerias públicas ou privadas para manter o projeto.
Uma parceria muito significativa é a do chef Carlos Fontes, popularmente conhecido como Nego Breu, morador do Chapéu Mangueira. A multiplicação dos pães diante dos nossos olhos.
Naturalizamos a escassez porque suspeitamos do milagre da partilha. Nego Breu é o criador do projeto social batizado como cozinha solidária, distribui regularmente centenas de quentinhas para pessoas em situação de rua.
Sobre os três coordenadores com quem conversei, compartilho alguns destaques.
Mariana Lisboa, 26 anos, Moradora do Chapéu Mangueira, estudante do curso de Ciências Sociais da UFRJ. Foi atleta de vôlei e não se via na Universidade Pública. A questão não era propriamente a falta do desejo, mas a falta de perspectiva.
Ainda que tenha boa altura e ótima impulsão, olhava de longe os muros das Universidades Públicas e pareciam altos demais, aparentemente intransponíveis. Algo que não lhe parecia estar acessível.
Mariana expressa que, antes mesmo de tornar os alunos do pré-vestibular competitivos para concorrer às vagas, o coletivo constrói a coragem para que os envolvidos persistam no caminho da cidadania que gera a emancipação. Como no vôlei, para vencer os bloqueios, os jovens periféricos perdem o medo de altura tentando superar o último impulso.
Vitória dos Santos Oliveira, 30 anos, moradora da Babilônia, assistente social cursando doutorado em Serviço Social na UERJ. Na nossa conversa, precisando domar o tempo e correr para buscar a filha, Vitória destacou a filosofia das aulas.
Igreja incentiva alunos a se apropriarem do espaço público
Tão importante quanto ensinar conteúdos que estarão na prova do vestibular é ajudar os alunos a entender que devem se apropriar dos espaços públicos enquanto direito. O vestibular é uma barreira e chegar numa Universidade Pública para eles, por qualquer ângulo pelo qual se olha, é extremamente desfavorável. Contudo, é possível.
A maior prova disso, segundo ela, são os alunos egressos do projeto que conseguiram entrar na universidade e retornam ao Pré-Vestibular Popular do Chapéu Mangueira/ Babilônia na condição de professores voluntários.
Anderson José Ribeiro, 42 anos, evangélico, atualmente membro da Igreja Batista do Leme, já foi pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Trabalha como mototáxi. Finaliza neste primeiro semestre o curso de Pedagogia na UFF e foi aprovado no vestibular para começar no segundo semestre, também na UFF, a graduação em Direito.
Foi o responsável em articular a parceria entre a Igreja Batista do Leme e o Pré-Vestibular Popular do Chapéu Mangueira/ Babilônia, núcleo do Movimento SOS Educação Popular.
Embora dependa do corre como mototáxi para manter a sua casa, mesmo sabendo que o sábado é um dia potencialmente lucrativo, ele chega para abrir a igreja às 8h e é o responsável por fechá-la às 17h. Não se ausenta do espaço da igreja, fica disponível numa sala próxima à sala de aula.
Neste longo intervalo, está aproveitando para escrever o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) cujo tema é: “Favela como espaço educativo”.
Existe um tipo de igreja evangélica no Brasil que boa parte dos ditos evangélicos progressistas nunca colocaram os pés. Existe um tipo de pobre no Brasil que boa parte dos ditos intelectuais de esquerda desconhecem por pura preguiça.
Fora do radar midiático e do surto bolsonarista, existem inúmeras igrejas e pastores nas bifurcações que jamais foram estranhas a Jesus. Falta de visibilidade não é o mesmo que falta de importância.
Fujamos das análises em que a interseccionalidade é usada como propriedade dos que olham do calçadão claro para o alto da ladeira escura.
Leia também
Alunos de colégio particular fazem vaquinha para criar biblioteca em favela do RJ
Vale das Ocupações: quadra poliesportiva e cozinha comunitária vão sair do papel
Deixe um comentário