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Por Heloisa Villela

A fila em torno do galpão que a prefeitura de Canoas, no Rio Grande do Sul, ocupou dava uma volta quase completa no quarteirão. Ali o município está recebendo e distribuindo gêneros de primeira necessidade, roupas, água, travesseiros, comida, sapatos, e outros produtos básicos aos milhares de moradores que perderam tudo ou estão com a casa lotada de parentes e conhecidos que precisam de ajuda.

Quarta-feira, 8, foi o primeiro dia em que o centro de distribuição funcionou o dia inteiro. Às 7 da manhã, Viviana Rodrigues Velasques já estava na fila para alimentar e vestir as cinco famílias abrigadas na casa do irmão dela.

Viviana também perdeu tudo na enchente e estava revoltada de ver que a prefeitura concentrou toda a distribuição em um único ponto da cidade.

“Eu agradeço muito as pessoas, as doações. Mas não tem mais pontos de distribuição e fica esse monte de fila. A gente perde muito tempo”, disse.

Cauana Vargas (Heloisa Villela)

Cauana Vargas acomodou 20 pessoas em sua casa e ficou inconformada ao ver crianças e idosos esperando na fila. Foto: Heloisa Villela

Foram no mínimo três horas para cada pessoa chegar ao depósito e recolher o que precisava.

Mulheres grávidas, idosos, adultos com bebês de colo não tiveram prioridade. Esperaram três horas ou mais como todo mundo.

Cauana Vargas acomodou 20 pessoas na casa dela e olhava incrédula para a fila.

“Crianças e idosos não deveriam estar aqui esperando. A gente vai aos colégios e eles não dão ajuda para quem está em casa com família, trancam tudo. Essa distribuição podia ter pontos em cada bairro”, sugeriu.

Dentro do galpão, as famílias recolheram o que é possível, nesse primeiro dia, enquanto lidam com o trauma, o medo e as incertezas que a água trouxe aos borbotões. Seu Valdecir Pires Leal foi buscar comida, colchão e roupas no galpão.

“Saímos com uma muda de roupa só. Passamos o maior sufoco. Saímos com 60 centímetros de água. Ficamos de sexta-feira até domingo presos com 57 pessoas na igreja. Crianças chorando de fome…”, diz.

E aí ele transborda: “Não posso falar nisso. É complicado. Só me lembro das crianças chorando, pedindo comida para os pais. Aquilo não me sai dos ouvidos, fica martelando na minha cabeça, as crianças pedindo comida”.

As crianças são um capítulo à parte nesta tragédia adulta. Eliane Gonçalves dos Santos tem 4 filhos, mas também está ajudando a cuidar da sobrinha de 2. E contou que a menina acorda tremendo no meio da noite, gritando que não quer entrar no barco.

A menina, a irmã e a mãe ficaram ilhadas dois dias. A mãe não dormia, gritava com medo de morrer.

Eliane Gonçalves, moradora de Canoas, passou dois dias ilhada com seus 4 filhos à espera de resgate (Heloisa Villela)

Eliane Gonçalves, moradora de Canoas, passou dois dias ilhada com seus 4 filhos à espera de resgate. Foto: Heloisa Villela

“Nós tivemos que pagar para tirar ela de lá”, diz Eliane.

A área em que elas moravam é dominada por uma facção criminosa. Por isso, afirmou, os barcos não queriam parar por ali. Elas contrataram um barqueiro que veio direto até a casa para socorrer a mãe e as filhas.

Agora, quando alguém fala que pode ser que chova um pouco mais, a menorzinha já pergunta aflita: “vamos ter que mudar de lugar de novo”?

Homem é resgatado por bombeiros em meio a enchente na região oeste de Canoas (RS) - Renan Mattos / Reuters

Homem é resgatado por bombeiros durante enchente na região oeste de Canoas–RS. Foto: Renan Mattos/ Reuters

Fila é só um dos problemas

Esse é apenas o começo do problema gigantesco que todas essas pessoas vão enfrentar. Aqui em Canoas, onde 150 mil pessoas foram atingidas pela tragédia, e no restante do estado. São apenas os primeiros dias e a gente sente a tensão nos abrigos. Até mesmo nos mais estruturados e melhor organizados.

Na universidade de Ulbra, por exemplo, não falta roupa, colchão, nem comida. Até água encanada para os banhos eles têm. Mas o reitor pediu reforço das patrulhas porque os ânimos se exaltam com facilidade. As brigas explodem por qualquer motivo.

A prefeitura estima que até a água acumulada baixar serão 45 a 60 dias. Só então começará o trabalho de limpeza, onde for possível limpar. A dolorosa remoção dos destroços, a descoberta concreta de que não sobrou nada. E a dúvida sobre a possibilidade de futuro em uma área que estará cada vez mais sujeita a alagamentos como esse.

 

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