Por Jessé Souza
Um dos fatos mais perturbadores relativo ao desastre climático no Rio Grande do Sul é a proliferação de fake news, dificultando os resgates e perturbando o salvamento de vidas e de propriedades.
Muito se perguntam: quem pode ser tão mau e perverso para aumentar o sofrimento de uma população desesperada?
Uma parte dessa culpa tem a ver com a disputa política entre o lulismo e o bolsonarismo, tentando evitar a inevitável comparação entre a atitude proativa de Lula no desastre e a atitude de total desinteresse de Bolsonaro em situações semelhantes. Mas este ainda não é ponto principal. O problema é estrutural e não conjuntural.
A estratégia das fake news visa atingir o principal objetivo da extrema direita mundial e nacional, o qual está dirigido a sabotar todos os acordos civilizatórios dos últimos milênios de cultura ocidental.
Passamos, enquanto espécie, por vários milênios de aprendizado que nos afastaram da barbárie em favor de um processo civilizatório e de aprendizado moral que muitos imaginavam ser uma conquista irreversível. Estamos vendo que não é.
A extrema direita americana, de onde nasce a extrema direita global, em um contexto de imperialismo e dominação material e simbólica americana, está dirigida, antes de tudo, a quebrar todos os acordos que a Filosofia, a Ciência, as Artes, as revoluções, a Política e a moralidade lograram construir sob o custo de muito sangue e sofrimento de muitos.
Esses acordos são tão básicos e fundamentais como a distinção entre verdade e mentira, entre justo e injusto, o Direito e o não Direito, o belo e o feio, o bom e o mau, de modo a destruir toda a memória de moralidade e civilidade entre as pessoas. O “instinto de morte”, do qual Freud falava, preside toda a atividade da extrema direita.
Como ela sabe que seu projeto predatório — do qual Elon Musk é o melhor retrato — não pode ser aplicado por meio do convencimento e das boas razões — já que dirigido à destruição completa da natureza e a exploração ilimitada dos oprimidos —, então a estratégia é confundir o público com mentiras repetidas, que se tornam verdade para muitos.
Em meio a perguntas fundamentais não respondidas, como ‘quem é responsável pelo meu sofrimento e empobrecimento’, em um contexto de mídia privatizada e mancomunada com os interesses dos ricos e poderosos, surge a necessidade existencial por uma explicação, que todos nós humanos possuímos.
Essa demanda cria o contexto perfeito para a proliferação de fake news produzidas com precisão de alfaiate, para canalizar a insatisfação da população sofredora. Isso só é possível por eles não saberem por que sofrem.
A privatização da mídia em escala industrial nos anos 1990 e a proliferação nefasta de redes sociais, propriedade destas mesmas pessoas, contribuem para esse cenário.
O que estamos vendo no RS é precisamente isso: impossibilitar que a onda de solidariedade construída pela inundação do RS, tenha efeitos que levem a uma maior consciência democrática e solidária no nosso país.
Para a elite de extrema direita, quanto pior, melhor. Afinal, quando ninguém pode se defender, os lucros e o poder relativo das elites nacional e mundial aumentam exponencialmente.
Obviamente, o impulso apenas destrutivo é típico de sistemas que estão apodrecendo, precisamente pela sabotagem da verdade. No entanto, não sabemos quando este contexto irá acabar. Essa fase final pode durar décadas, ou séculos. Enquanto isso temos que viver neste mundo.
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