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BC nega informações sobre Relatório Focus após suspeita de manipulação da Selic

Eduardo Moreira apontou possibilidade de manipulação em prognósticos feitos por bancos sob anonimato
26/06/2024 | 06h15

Após denúncias feitas por Eduardo Moreira tanto no portal quanto no programa ICL Notícias sobre a possibilidade de manipulação da taxa Selic pelo Relatório Focus, o site Brasil de Fato solicitou ao Banco Central (BC) acesso às previsões dos bancos que baseiam o levantamento. Mesmo feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), o pedido foi negado pelo BC. O ICL fez solicitação semelhante e ainda não teve resposta.

No dia 24 de maio, no ICL Notícias — 1ª Edição, Eduardo chamou atenção para o problema. Um dos componentes usados para definir a taxa de juros do Comitê de Política Monetária (Copom) é a expectativa do mercado em relação à inflação. Em casos de expectativa de inflação alta, a prática mais comum é não baixar ou até subir os juros. E vice-versa.

Essa expectativa de mercado é medida por um levantamento que se chama Relatório Focus, ou Boletim Focus, feito por questionário enviado aos bancos e agentes financeiros para que respondam qual a previsão do mercado. Os participantes ficam no anonimato, só Banco Central sabe quem respondeu e qual resposta deu.

Usando esse mecanismo, o Copom justificou a decisão de manter a taxa básica de juros em 10,5% ao ano tomada na última quarta-feira (19). A informação consta da ata da última reunião do comitê, divulgada nesta terça-feira (25).

Segundo o texto, membros do comitê entenderam que a taxa Selic não deveria ser reduzida porque as expectativas de inflação dos agentes econômicos do país já estariam apontando para uma tendência de aumento de preços. Neste contexto, manter os juros num patamar elevado ajudaria a conter uma eventual alta da inflação.

“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, diz o órgão, justificando sua decisão.

De acordo com o próprio Copom, as expectativas de inflação consideradas para a decisão são medidas por meio do Boletim Focus — justamente o instrumento denunciado por Eduardo Moreira como suscetível de manipulação e alvo de representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), que pediu ao tribunal a apuração da influência de bancos na Selic.

BC sonega informação

Após a divulgação das suspeitas sobre o Focus, o Brasil de Fato questionou o BC sobre o assunto e solicitou uma verificação sobre que banco (ou bancos) teria informado uma previsão de inflação tão alta. Como informa o jornalista Vinicius Konchinski, o BC não comentou e nem repassou qualquer informação.

O BdF, então, protocolou um pedido ao BC baseado na LAI solicitando acesso à base completa de previsões enviadas por bancos que basearam todas as edições do Boletim Focus em 2024. O órgão negou acesso aos dados argumentando que eles são “informação passível de gerar vantagem competitiva a outros agentes econômicos”.

Segundo o BC, dados como esses não podem ser divulgados. Isso, inclusive, está previsto no decreto que regulamentou a LAI (Decreto 7.724, de 2012).

O BdF recorreu da decisão questionando como as previsões dos bancos poderiam “gerar vantagem competitiva”. O BC argumentou que os dados são produzidos por profissionais, com apoio de estudos e pesquisas desenvolvidos nessas instituições. “Dar publicidade a esses dados pode ter implicações diversas, que podem resultar em vantagens/desvantagens competitivas para as instituições participantes ou outras, concorrentes. Esses dados constituem propriedade intelectual, que possibilita a quem a detém auferir eventuais benefícios, diretos ou indiretos.”

O BC, aliás, divulga periodicamente um ranking dos cinco bancos que mais acertaram previsões enviadas para o Focus. O BdF pediu acesso ao ranking completo, considerando que o banco (ou bancos) que exagerou propositalmente em sua previsão poderia aparecer nas últimas colocações.

O BC negou acesso. “O ranking Top 5, tal como foi concebido, pressupõe a divulgação das instituições que obtiveram melhores resultados com as suas projeções. Os participantes estão cientes e de acordo e não há, portanto, quebra de confidencialidade quando o BC faz a divulgação”, argumentou. “A divulgação dos rankings completos traria impactos bastante diferentes. Esse tipo de exposição não foi previsto pelos participantes, que não autorizaram a divulgação de seu resultado nessas condições.”

Críticas

Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o BC não poderia impor sigilo sobre as informações do Focus. “Os dados são usados para basear uma política pública, a política monetária. Não há motivo para que eles não sejam públicos.”

O economista ainda ressaltou que, ao mantê-los sob sigilo, o BC não só dificulta qualquer apuração sobre eventuais manipulações e fraudes como as facilita. “A proteção dos dados sobre o boletim acaba avalizando a possibilidade de fraude.”

Roncaglia lembrou que a eventual manipulação do Boletim Focus não seria um caso isolado. Em 2016, a Justiça de Nova Iorque condenou executivos de grandes bancos por manipulação da chamada taxa Libor, usada para remunerar investimentos. Por conta da fraude constatada, a taxa acabou sendo extinta.

Procurado para comentar o fato de o Copom usar informações sob suspeita de manipulação e sendo investigadas pelo MP-TCU para decidir a Selic, o Banco Central não se pronunciou. Também não comentou o que tem feito para minimizar a possibilidade de fraude nas informações que baseiam o Boletim Focus.

 

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