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Lindener Pareto

Professor e Historiador. Mestre e Doutor pela USP. Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Apresentador do “Provocação Histórica", programa semanal de divulgação de História, Cultura e Arte nos canais do ICL.

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O luto e a luta das guerras sem fim

No início era a guerra, no fim a guerra mais uma vez. Não nos iludamos, estamos em guerra, guerras.
27/10/2023 | 05h01

Algum tempo hesitei se começaria esta coluna pelo início ou pelo fim. Observando as duas pontas, início e fim, lembrei que o Instituto Conhecimento Liberta (que nesse mês de outubro celebra 3 anos!) foi inaugurado em 15 de outubro de 2020, no auspicioso dia dos professores e professoras.

Estávamos, nesse início, alunos e alunas do Brasil, professores e professoras desse mundão chamado Brasil, numa avalanche mundial sem precedentes. A covid 19 havia ceifado, só na Terra Brasilis, mais de 152 mil vidas. Só no dia 15 de outubro de 2020, mais de 734 brasileiros haviam tombado no campo de batalha do coronavírus.

Os números davam a dimensão da tragédia e do luto coletivo que a humanidade pranteou de forma praticamente ininterrupta até a criação das primeiras vacinas. Angela Merkel, então Chanceler alemã, num discurso contundente, alertou seus iguais que seria o momento mais difícil da Alemanha desde a catástrofe nazista, entre 1933 e 1945.

Não havia exagero em seu tom, seria o momento mais difícil para todo o conjunto das nações do mundo. Ao fim e ao cabo, praticamente 7 milhões de pessoas morreram no mundo todo.

Diante das subnotificações, intencionais ou não, algumas estimativas elevam esse número para mais de 15 milhões de humanos, demasiadamente humanos. Número assustador comparável com as estatísticas da Primeira e Segunda Guerras Mundiais. O fato é que, no início havia o luto. O ICL começava suas atividades e cursos diante de um luto brutal.

Enlutados estávamos pela covid, pela gestão genocida do governo necropolítico de Jair Messias, pela linguagem de morte que dominava então a arquitetura e economia do Planalto Central. Sem medo de exagerar, o Brasil parecia ensinar ao mundo a dança macabra da morte e da indiferença. “Sobreviventes do ódio” (e do luto), para lembrar aqui a nossa Cris Serra, mal vencíamos a covid, o mundo voltava a se enlutar pela guerra brutal do autoritário Vladimir Putin contra a Ucrânia do controvertido Volodymyr Zelensky.

Milhões de refugiados, milhares de soldados russos e ucranianos mortos numa guerra fratricida, inflação, sanções, ameaças nucleares, vivíamos o “tempo do fim.” Nós, os humanos, parecíamos saídos das páginas mais sombrias da Guerra Fria (1945-1991).

Mais uma vez (e sempre) pranteávamos um luto coletivo global, atônitos com uma possível Terceira Guerra e, sobretudo, preocupados com o preço do petróleo e do trigo. Quando mal nos “acostumávamos” com as bravatas de Putin e Zelensky – que junto à OTAN e aos EUA são ainda os Senhores da Guerra – fomos arrebatados pelos acontecimentos de 7 de outubro em Israel.

Numa operação terrorista macabra e cinematográfica, o Hamas desferiu um ataque sem precedentes ao Estado de Israel e seus cidadãos. Sequestros, assassinatos de jovens em festa, o terror, o horror. Mais de 1400 israelenses mortos. Estourava mais um capítulo da guerra de décadas entre a Palestina e o Estado de Israel. A retaliação de Israel, com recursos militares de última geração e com o apoio dos EUA, já ceifou a vida de mais de 8 mil palestinos, entre eles, milhares de crianças.

A carnificina de ambos os lados reacendeu o luto coletivo no mundo. Diante do imediatismo e discurso de ódio das redes sociais, as imagens da guerra configuram espetáculo macabro e televisionado que divide o mundo entre apoiadores de Israel e apoiadores da causa palestina. A pequena e bombardeada Faixa de Gaza é ferida aberta que dói no mundo todo e alimenta, mais uma vez, o luto coletivo global. No início era o luto, no fim o luto mais uma vez.

No início era a guerra, no fim a guerra mais uma vez. Não nos iludamos, estamos em guerra, guerras constantes, a história contemporânea é a guerra permanente entre os Estados Nacionais, é a guerra permanente dos donos do poder contra os direitos do povo, é a guerra permanente do Capital para mercantilizar tudo aquilo que reluz no mundo. De fato, o mundo se abre (e se fecha) num grande luto, numa grande perda. Do latim “luctus”, que significa “dor”, “mágoa”, “lástima”, luto é o conceito, e a dor, que move o mundo, afeto avassalador que nos repõe na imensa máquina do mundo e que continua a nos perguntar: por que sofremos? Por que criamos sofrimento? Respondo aqui com as palavras de Sigmund Freud diante dos traumas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em carta à sua amiga Lou Andreas-Salomé, diz o enlutado –  e cheio de mal-estar – Dr. Freud:

“Não tenho dúvidas de que a humanidade sobreviverá até mesmo a esta guerra, mas tenho certeza de que para mim e meus contemporâneos o mundo jamais será novamente um lugar feliz. Ele é demasiado horrendo.”

Dr. Freud já sabia, os Senhores da Guerra não gostam de crianças.

***

Desde outubro de 2020, como um dos primeiros professores do ICL, tenho narrado a História do Brasil e do mundo numa tentativa de expurgar os traumas do passado e reinventar o presente. Amando e tentando mudar as coisas, encontrei no ICL um lugar no mundo para narrar, amar e lutar! Três anos de esperança! Dedico esta primeira coluna aqui a todos os alunos e alunas que desde outubro de 2020 sonham o sonho impossível, agora transmutado em realidade possível! Dedico esta primeira coluna aos amigos e colegas do ICL, minha gratidão profunda. Brava gente brasileira que do luto também fizeram a luta! Vida longa ao ICL! Viva!

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