Está chegando a hora. No próximo dia 26 de julho boa parte do planeta vai parar para acompanhar a abertura dos Jogos Olímpicos de Verão, na icônica cidade de Paris. Tudo lindo e maravilhoso não fosse o fato de que dois bilhões de seres humanos no planeta Terra não possam se dar a este luxo porque estão envolvidos em conflitos armados. Estão, literalmente e sangrentamente, em guerra.
O Instituto norueguês Pesquisa Para a Paz atesta que nunca na história da humanidade aconteceram tantos conflitos simultâneos. O ano de 2023 contabilizou 59 guerras espalhadas por 34 países. Isso significa uma em cada quatro pessoas no mundo envolvida em ao menos uma delas. É sangue em cachoeira. É mar de hemácia. É membro mutilado e vida despedaçada em proporções homéricas, para citar a expressão nascida da obra do poeta grego provável autor de aventuras de grandes proporções como a Ilíada e da Odisseia.
No entanto, Homero e seus conterrâneos inventores destes jogos que simulam contendas e que tinham o poder — assim dizem —, de parar as guerras para que acontecessem, jamais poderiam imaginar nada nem próximo do que temos hoje.
O Barão Pierre de Coubertain e os criadores dos Jogos Olímpicos da era moderna também nunca poderiam projetar tal futuro distópico. Nem mesmo para o próprio evento, que alcançou número e proporções que lhe asseguram o pódio de ouro como o maior da Terra.
O Barão e seus amigos ricaços interessados em reviver a Grécia antiga, nem ao menos se importavam com o que acontecia em seu próprio tempo, fora do “umbigo do mundo” chamado Europa. O continente que retalhou nações africanas, drenou as riquezas e as forças de populações inteiras ao ponto de degringolar em crises migratórias (também em proporções inéditas) mais de um século depois. Não estavam nem aí para isso, quanto mais para pensar que não há como parar guerras motivadas por tanto ódio fundado em sentimentos nacionalistas atrofiados, interesses econômicos megalomaníacos, egos com traços de psicopatia e uma noção equivocada de que os recursos e o próprio planeta são infindáveis.
A quantidade de bombas atômicas disponível nos arsenais das nações que possuem esta tecnologia (Quase todas com equipes que desfilarão na cerimônia de abertura em Paris) é suficiente para arrasar este pequenino planeta pelo mesmo número de anos quantas são as pessoas afetadas pelas guerras: na casa dos bilhões. E não é exagero.
O historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, em artigo publicado em novembro do ano passado citou uma frase bem resumidora do momento atual do mundo: “Uma terceira guerra mundial aos pedaços”. Um conflito apocalítico fragmentado. É isso o que vivemos.
A nós, os mortais que nada podem contra os deuses da guerra, cabe a busca por vezes um tanto ingênua, bem-intencionada, mas ineficaz em conter o espírito bélico que está solto em cada esquina e, mais que isto, dentro de nós, pois estão lá também as “batalhas miúdas” e silenciosas do cotidiano. As violências em conta-gotas que são o adubo das gigantes.
Neste terreno, talvez entre o evento Olímpico, pois, ao tentar conter dentro das linhas dos campos, quadras, piscinas, raias, ringues… esta vontade de disputas e superação dos limites, sacie um pouco certa sede de dominação e em certa medida “vingue” injustiças por intermédio dos resultados inesperados.
A busca por excelência e superação dos próprio limites, a experimentação das possibilidades de performance do corpo humano, a beleza da celebração do corpo para além dos tabus, a superação das fronteiras pela convivência. Tudo isso e mais um pouco está lá, nos Jogos celebrados a cada quatro anos.
O show vai começar. Ele é fascinante, metafórico das nossas mazelas, mas principalmente das belezas.
Jogos Olímpicos fazem sonhar com um mundo que realmente seja capaz de perceber e que possa parar a guerra para, finalmente, conseguir celebrar a vida.
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