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‘Selva’ e bate-boca de advogados de Bolsonaro; leia diálogos da investigação sobre joias

Ex-presidente é suspeito dos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato/apropriação de bem público
14/07/2024 | 08h33

Por Marcos Hermanson e Matheus Tupina

(Folhapress) — O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas foram indiciados pela Polícia Federal na investigação sobre a venda de joias recebidas como presente ao chefe de Estado durante sua gestão.

Em diálogos citados no relatório da PF, aliados tratam dos itens de luxo, de sua recuperação ou de sua venda, havendo inclusive exemplo de troca de mensagem com o ex-mandatário. Há também registro de um bate-boca entre dois dos advogados de Bolsonaro.

O ex-presidente é suspeito dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos).

Além do ex-presidente, alguns de seus aliados mais próximos foram indiciados. O ex-ajudante de ordens do ex-presidente Mauro Cid foi apontado como suspeito dos três crimes. Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, advogados de Bolsonaro, foram citados sob suspeita de lavagem e associação criminosa.

Também estão no rol de citados o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, que teria ajudado na venda das joias, e o ex-assessor de Bolsonaro Osmar Crivelatti.

Os demais indiciados pela PF foram o ex-ministro Bento Albuquerque, Marcelo da Silva Silveira e Marcos André dos Santos Soeira (apropriação e associação criminosa), Julio Cesar Vieira Gomes (pelos três crimes e por advocacia administrativa perante a administração fazendária) e o militar José Roberto Bueno Junior (pelos três crimes).

A defesa de Bolsonaro tem negado que houve crime. Seus advogados divulgaram nota na segunda-feira (8) em que disseram que o ex-presidente se apresentou espontaneamente para a entrega dos presentes, assim que a legalidade deles passou a ser questionada pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Jair Bolsonaro foi indiciado no inquérito das joias

Jair Bolsonaro foi indiciado no inquérito das joias

Veja alguns dos diálogos entre os investigados no inquérito das joias sauditas:

‘Avisou ao presidente que vamos recuperar os bens?’ — 31.dez.22

Após duas conversas do ex-chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, com Bolsonaro — uma em um encontro pessoal na primeira quinzena de dezembro de 2022, e outra em um telefonema em 27 de dezembro — o chefe do Fisco brasileiro afirmou a Mauro Cid que as joias seriam recuperadas da alfândega.

A investigação elencou diálogo mostrando atuação de Vieira Gomes para que os itens saíssem do aeroporto de Guarulhos, onde foram apreendidos após chegada do ministro Bento Albuquerque, em 2021. O titular da Receita pergunta no WhatsApp: “Cid, avisou ao presidente que vamos recuperar os bens?”

“Avisei!”, responde Cid, ao que Vieira Gomes envia uma figurinha dos Comandos Anfíbios, unidade de elite da Marinha do Brasil.

A defesa do ex-chefe da Receita afirma que ele não praticou qualquer crime e que isso já teria sido demonstrado à polícia.

‘Selva’ — 4.fev.23

A PF encontrou mensagens entre Mauro Cid e Bolsonaro em que o ex-ajudante de ordens envia ao ex-presidente o link de um item da casa de leilões Fortuna Auction, de Nova Iorque, onde, conforme documentos juntados pela PF ao inquérito, estava o chamado kit ouro rosé — um conjunto de itens masculinos da marca suíça Chopard, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (masbaha) e um relógio.

Bolsonaro responde Cid com a palavra “selva”, brado militar difundido no Exército brasileiro como uma maneira de expressar determinação e compromisso com a missão e com os companheiros de farda.

Cid também enviou links da página no Facebook da Fortuna Auction, empresa de leilão de itens de luxo, com a descrição “watch/ fortunaauction”, que a polícia suspeita ser a transmissão de leilão das joias.

Em seguida ao envio do link, o militar diz que “daqui a pouco é o kit”, o que significaria, segundo a PF, que o item estaria próximo de ser anunciado na transmissão ao vivo.

‘Estamos falando de 120 mil dólares’ — 13.fev.23

Em fevereiro de 2023, um mês antes da reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelando a tentativa de reaver joias retidas, Cid afirma a Marcelo Câmara, outro ajudante de ordens de Bolsonaro, que desistiu do leilão do kit ouro rosé e que tinha pedido a devolução dos bens.

Diz a Câmara para ligar, segundo a PF, para Marcelo da Silva Vieira, ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência. “Ele tinha me falado, ele me garantiu que poderia, que o presidente poderia fazer o que quisesse porque isso são itens personalíssimos”, disse Cid.

“Inclusive se ele quiser dar pro senhor, ele pode dar pro senhor. É dele. Diferente dos outros produtos”, reiterou o aliado de Bolsonaro.

Câmara responde afirmando que seria necessário informar uma comissão de memória caso os bens fossem vendidos no exterior, e que um item, não especificado, “já sumiu um que foi com a dona Michelle”, em referência à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Afirmou ainda que não informaria essa comissão.

“Não vou informar nada. Eu prefiro não informar para não gerar estresse, entendeu? Já que não conseguiu vender, a gente guarda. E aí depois tenta vender em uma outra oportunidade”, disse Câmara.

Em seguida, afirma que seria melhor voltar com as joias ao Brasil para evitar a necessidade de avisar a citada comissão, e leiloá-las em território nacional, ao que Cid responde com “fechado!”.

“Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares, hahaaahaahah”, conclui Cid.

Joias à Flórida — 22.fev.23

Após a conversa com Marcelo Câmara, Mauro Cid pede à Fortuna Auction a devolução das joias: “O proprietário mudou de ideia, pois considerou o valor muito baixo”, escreveu.

Segundo a PF, ele já havia pedido antes a devolução, mas a empresa fez nova oferta pelos bens. “Caro Mauro, nós podemos reincluir o relógio em nosso leilão de 14 de março se houver algo que o proprietário possa considerar. Nos avise se isso funcionaria”, diz a empresa em e-mail.

“Olá! Infelizmente, não. O proprietário mudou de ideia, ele considerou o valor muito baixo. Podem enviar de volta?”, respondeu Cid, citando o endereço de Bolsonaro na Flórida.

Quando a casa de leilões pergunta quem receberá as joias, Cid responde: “Mr. Osmar Crivelatti”. Capitão do Exército, Crivelatti era assessor de Bolsonaro.

Briga de advogados — 21.mar.23

Em 21 de março, poucas semanas após a primeira reportagem sobre as joias, os advogados de Bolsonaro, Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, trocaram farpas por mensagens. Wassef afirmava, segundo a PF, que Wajngarten prejudicava o ex-presidente no caso das joias.

Wassef manda uma série de links e diz “parabéns” ao ex-ministro-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social), em tom de ironia. Em seguida, diz, novamente ironicamente, que Bolsonaro deve estar muito feliz. Ele diz ter pensado que o objetivo da devolução das joias era frear a imprensa e evitar que a temática contra o ex-presidente continuasse negativa.

“Para o Presidente não é bom que a ‘defesa’ fique vazando a conta-gotas coisas que não são absolutamente nada, a não ser o andamento de praxe de um inquérito, apenas para gerar matérias desnecessárias apenas para fazer marketing para o nome do advogado.”

“Enquanto os inimigos e comunistas são unidos e se fortalecem a ‘direita’ continua atirando nas costas dos próprios soldados”, conclui o advogado. Wajngarten responde com um novo link e afirma que Wassef está perdido e é injusto.

Wajngarten classificou em nota o indiciamento pela PF como uma decisão “arbitrária, injusta e persecutória”. Ele afirmou que o indiciamento se baseia em uma afronta legal por ele ter exercido o trabalho de advogado do ex-presidente. Disse que não há provas para incriminá-lo.

Já Wassef criticou em nota o que ele chamou de “vazamentos da PF” e disse que só está passando “por isso” porque advoga para Bolsonaro. “Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatório final, o que choca a todos, o vazamento à imprensa de peças processuais que estão em segredo de justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro”, afirmou.

O ministro Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório da PF por meio de decisão judicial –não houve vazamento para a imprensa

Wassef escondido atrás de poste na Flórida — 25.mar.23

Wassef viajou à Flórida em 11 de março, oito dias após a revelação do caso das joias pelo jornal e voltou ao Brasil em 29 de março. Neste ínterim, comprou de volta o relógio Rolex, um dos itens que teriam sido desviados após a saída de Bolsonaro da Presidência, por US$ 49 mil (equivalente a cerca de R$ 266 mil).

Na hora de recomprar o item, o advogado afirmou ter precisado se esconder de pessoas que queriam tirar fotos com ele. Ele disse que teve de ficar atrás de um poste para não ser visto no local.

“Bambi [apelido da namorada de Wassef, Thaís Moura], você não sabe… o constrangimento, a vergonha que eu passei aqui. A galera começou a me ver, se eu te falar o show que foi de nego querer vim pra fazer foto comigo e eu não querendo aparecer. […] Nossa! Assim, mas veio de multidão. Era assim: um bolinho de gente lá tirando foto com ele, outro bolo igual tirando foto comigo, foi a coisa mais louca que eu vi na minha vida, cara”, disse.

“Isso porque eu tava do outro lado da calçada. De escondidinho, atrás de um poste pra não ser visto, mas não teve jeito”, concluiu Wassef.

 

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