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Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

Abertura dos Jogos Olímpicos em Paris: qual foi a ofensa?

Enaltecer a inclusão e a diversidade não é pecado
30/07/2024 | 07h40

Drag, trans, gay, hétero, criança, branco, gorda, preto, migrante, pobre, neuroatípico, neurodivergente… Não poderiam estar à mesa na representação da Santa Ceia? Quem decide?

Entre tantos estímulos proporcionados pela magnifica abertura dos Jogos Olímpicos em Paris, a interpretação da Santa Ceia foi o assunto mais comentado. Parece que não notaram Dionísio, por mais que ele tentasse aparecer.

A propósito, Thomas Jolly, diretor artístico da cerimônia, esclareceu que a cena polêmica foi uma representação da celebração de Dionísio, deus do Olimpo. Mas não adiantou, a performance foi interpretada como uma parodia da Última Ceia de Cristo.

Que coisa estranha! Digo, não os marginalizados ao lado de Jesus, mas a grita dos religiosos que se sentem donos das 12 cadeiras da mesa da Santa Ceia. Creem realmente na ideia de lugar cativo.

Jesus demonstrou apreço especial pelos excêntricos (fora do centro). Quando contou a parábola do grande banquete mirava na hipocrisia religiosa dos que se consideravam com lugar marcado à mesa. Religiosos que se habituaram a empurrar para fora os marginalizados por medo do contágio ou pela repulsa sanitária.

Enaltecer a inclusão e a diversidade não é pecado.

A parábola do grande banquete (Lucas 14.15-24)

Um dos que estavam à mesa ouviu isso e disse para Jesus:

– Felizes os que irão sentar-se à mesa no Reino de Deus!

Então Jesus lhe disse:

– Certo homem convidou muita gente para uma festa que ia dar. Quando chegou a hora, mandou o seu empregado dizer aos convidados: “Venham, que tudo já está pronto!”

– Mas eles, um por um, começaram a dar desculpas. O primeiro disse ao empregado: “Comprei um sítio e tenho de dar uma olhada nele. Peço que me desculpe.”

– Outro disse: “Comprei cinco juntas de bois e preciso ver se trabalham bem. Peço que me desculpe.”

– E outro disse: “Acabei de casar e por isso não posso ir.”

– O empregado voltou e contou tudo ao patrão. Ele ficou com muita raiva e disse: “Vá depressa pelas ruas e pelos becos da cidade e traga os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos.”

– Mais tarde o empregado disse: “Patrão, já fiz o que o senhor mandou, mas ainda está sobrando lugar.”

– Aí o patrão respondeu: “Então vá pelas estradas e pelos caminhos e obrigue os que você encontrar ali a virem, a fim de que a minha casa fique cheia. Pois eu afirmo a vocês que nenhum dos que foram convidados provará o meu jantar!”

Excluídos convidados por Jesus para sentar-se à mesa

Na parábola contada pelo mestre, só aceitam o convite aqueles que entendem a sua urgência. Convém destacar que o convite foi feito com antecedência e, à hora da ceia, o dono da casa mandou o seu servo lembrar aos convidados.

Parece até, em termos nossos, que tinha a intenção de buscá-los em casa. Fica explícito o valor dado a cada um.

O dono da festa fazia questão da presença dos seus seletos convidados. Quem disse que tanta deferência obteve resposta positiva? Cada um a seu modo deu a sua desculpa. Os convidados originais alegaram motivos para não participar do grande banquete.

Imaginemos uma festa planejada com antecedência, casa devidamente arrumada, comida fartamente disposta, no entanto, frustradas as expectativas do idealizador do evento. Não existe banquete quando não há gente para comer. Para que música alegre se não há gente para dançar? Para que vestir roupa nova em casa se a visita não aparece?

Admirável que, mesmo depois de muitos entrarem no banquete, ainda haja lugar. Aos religiosos que se sentem seguros de que estarão bem situados na vigência da meritocracia divina, bom lembrar de que somos convidados e não os donos da casa. Portanto, sejamos gratos, porque, mesmo sem credenciais, entramos. Foi pela graça e não pelo mérito pessoal.

Na grande festa promovida não existe cadeira cativa. Portanto, meu irmão, cultive a humildade, dando sempre preferência ao outro. Assuma a sua condição de servo e não de merecedor de senha para área vip da festa.

Como sabemos que não há lugar marcado nem exclusão, minha irmã, aprenda a conviver com os diferentes. Misture-se e aventure-se, fazendo do estranho alguém familiar.

Por esses e outros motivos, chegamos à conclusão de que Deus não tem clientes, só convidados. Digo isso porque, nas igrejas cristãs, esse comportamento de clientela é muito recorrente. O sujeito se acomoda na cadeira e fica com aquela postura de que, se não gostar do que vê e ouve, ele se levanta e vai embora. É como se estivesse dando uma chance aos operadores do culto para lhe agradar e isso tem que ser rápido.

Ora, na parábola não há menção a bilhete de entrada paga. Nas grandes festas das igrejas, existem muitos clientes que pensam que quem está pagando tem direito de exigir bons serviços. Mas na dimensão do ensino do mestre, a conversa é diferente: convidados não exigem. Aqueles que foram lembrados desfrutam, gratos, do que foi carinhosamente preparado.

“Sai depressa para as ruas e becos da cidade!” Em diversas culturas existe um modo especial de vestir-se para participar de uma comemoração. Os banquetes são servidos com pompas e circunstâncias. Especificamente na nossa cultura, alguns convites impressos dizem qual o traje que deve ser observado. Para alguns, o traje a rigor gera constrangimento.

Existe a forte pressão social de vestir-se adequadamente para cada ocasião.

Para participar da grande ceia, alguns religiosos estabelecem os trajes a rigor. Geralmente as roupagens que eles vestem. Com isso, empurram para fora aqueles que foram convidados, mas, no entanto, não conhecem as etiquetas religiosas.

Na parábola, o Senhor manda chamar aqueles que se julgavam inadequados para desfilar naquele salão. Jesus rompe com a pompa religiosa e quebra o protocolo da festa uniformizada.

São típicos do esnobismo religioso os olhares que recriminam, os risos que ridicularizam e a força bruta que toma pelos braços e expulsa.

Entretanto, aprendemos com o ensino de Jesus sobre a novidade deste Reino que ele anuncia. “Sai depressa para as ruas e becos da cidade e obriga a todos a entrar.”

Jesus estende o seu convite aos que estão constrangidos por se julgarem inadequados. Jesus manda chamar para a sua grande ceia os que estão envergonhados. Também aqueles que se acham indignos foram lembrados.

Despedida no dia da abertura

Em post no X – Twitter, o jornalista Rafael Moro Martins (@rafaelmmartins) nos presenteou com a santa ceia interpretada nos traços da xilogravura nordestina do genial J. Borges, que morreu exatamente no dia da abertura oficial das Olimpiadas em Paris, na sexta-feira, 26 de julho de 2024. Bela maneira do pernambucano dizer a-Deus!

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