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Política

A questão Alexandre de Moraes

O rito, os pecados e a anistia
16/08/2024 | 17h00

Por Leandro Demori

Caiu pesado ontem uma reportagem da Folha de S. Paulo assinada por Fábio Serapião e Glenn Greenwald: “Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo, revelam mensagens”

A reportagem rapidamente virou o assunto do dia na política brasileira. Em suma: o ministro Moraes teria cometido ilegalidades para investigar bolsonaristas e golpistas. Ilegalidades porque, segundo a Folha, as ordens que Moraes deu a seus subordinados foram “fora do rito”.

Esteticamente — por ser um vazamento de mensagens privadas sobre um juiz e por ter a assinatura do jornalista Glenn Greenwald — a comparação imediata é com a Vaza Jato.

Estamos diante de uma Vaza Jato?

Vamos a algumas coisas:

Sergio Moro orientou e deu ordens a pessoas que não eram seus subordinados: procuradores e delegados. Ofereceu testemunha à acusação (o Ministério Público Federal) contra um réu. Mandou apressar ou mudar fase de operações. Chegou ao ponto de ordenar vazamento de informações privadas para derrubar um governo estrangeiro.

Deltan e os seus pediram quebras de sigilo à Receita Federal via chat, sem decisão judicial. Deltan não tem subordinados na Receita. São órgãos distintos. Não há, em nenhum desses casos, defesa possível.

O caso de Moraes, pelo que se sabe até agora, não tem absolutamente nada a ver com isso. A comparação factual com a Vaza Jato só pode ser feita por aqueles que desejam criar o atalho mental para a luta política sobre o caso. Não têm nada a ver.

O debate sobre os atos de Moraes terem sido “fora do rito” pode rapidamente cair em uma zona cinza. Por quê? Porque a comunicação entre juiz e subordinados neste caso — Moraes era chefe de ambos em dois tribunais, de modo oficial e legal — não obedece a regras como o código de processo penal e outros códigos.

Não se trata de comunicação entre Judiciário e MP, por exemplo, como foi feito de modo ilegal por Moro e procuradores. Se trata de comunicação no mesmo ambiente de trabalho. Então de que “rito” estamos se falando? Onde estão as regras desse tipo de comunicação que as matérias denunciam? Qual o rito de comunicação entre TSE e STF sob as ordens do mesmo chefe que foi quebrado? É preciso apresentar a letra da norma (onde está escrito como se dá essa comunicação) ou isso vai virar um debate infinito e servir apenas para alimentar o embate político.

Preocupa, isso sim, alguns procedimentos específicos que foram tomados pelos personagens das reportagens, sobretudo pelo juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, um perito criminal que à época chefiava a AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE. Cito dois trechos de uma segunda reportagem publicada pela Folha nesta madrugada:

Aqui parece que há problemas, seja pelo fato de cogitarem alterar datas de requerimentos, seja pelo fato de “darem um jeito” para punir um site bolsonarista sem evidência de crime.

São pontos como esse que precisam ser analisados. Os responsáveis pelos procedimentos precisam ser confrontados. Em se tratando de ilegalidades, esses procedimentos precisam cair e, em decorrência disso, tudo o que se seguiu a partir deles. O “rito” aqui, ou a regra, me parece muito mais claro e objetivo.

É preciso verificar se essas conversas resultaram em ações concretas ou se foram apenas palavras ao vento. As reportagens não respondem a essa pergunta. De todo modo, no caso da revista Oeste, esse mero diálogo gera suspeita de perseguição. E então, novamente, esse procedimento precisa ser contestado.

Se o tribunal, o magistrado ou seus técnicos erraram, que os erros seja corrigidos, e que ninguém seja punido com provas contaminadas.

Lamentável a postura de muita gente atacando os jornalistas que assinam as reportagens. Me lembrou o imediato pós-Vaza Jato, passou na minha cabeça o mesmo filme. Ataques reputacionais, ameaças e mentiras. Que se debata as reportagens, os diálogos e suas consequências.

Há um jogo sendo jogado faz tempo e essas reportagens jogam lenha nessa fogueira (e com isso não estou dizendo que foram encomendadas para isso, apenas dando o contexto mais amplo): o jogo é o da anistia total dos criminosos do 8 de janeiro e de tudo o que veio antes daquele dia. Isso inclui Bolsonaro.

Quem presta atenção no que eu digo já sabe disso faz tempo.

Curiosamente, da entrevista do Nelson Jobim ao Poder 360 dois dias atrás (detonando Alexandre de Moraes) à operação Elon Musk (que veio ao Brasil pela mão de Fabio Faria, ministro das Comunicações do Governo Jair Bolsonaro entre 2020 e 2022, e depois começou ferozmente a atacar Moraes), todos esses personagens estão ligados ao BTG Pactual. O próprio Musk se encontrou com André Esteves, dono do banco, no Brasil. Qual o nome da mão que balança esse berço de coincidências? Que interesses movem? Tem gente se aproveitando da guerra política pra fazer negócios.

Dezenas de senadores estão dispostos a encarar o impeachment de Alexandre de Moraes no ano que vem, sob comando da Davi Alcolumbre. No Supremo há disposição pra enfrentar o Senado — entre ontem e hoje, Dino, Barroso e Gilmar se posicionaram ao lado de Moraes. Qual o jogo? Trocar a cabeça de Moraes (que pode sofrer impeachment pelo Senado) pela anistia geral e irrestrita de todos os bandidos da direita, inclusive o idiota-mor.

Insisto mais uma vez: há um grande jogo em campo com interesses distintos que vão dos negócios de banqueiros e magnatas às mais comezinhas vinganças de bandidos da extrema direita. Esse jogo vem sendo jogado há tempos, com “twitter files”, a gravação do Mauro Cid “sendo coagido” a mentir sobre Bolsonaro, movimentação no TCU pra melar o caso das joias e mais. Tudo conflui. O ideal seria limpar o campo, corrigir os problemas dos inquéritos e tentar seguir a vida. Mas esse tempo já passou. O que estamos vendo agora é uma guerra.

 

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