Ethel Rudnitzki — Aos Fatos
Laís Martins — The Intercept Brasil
Uma empresa que não faz parte da campanha de Pablo Marçal pagou por um anúncio no Google que promove o site oficial do candidato à Prefeitura de São Paulo — situação que configura crime eleitoral.
As normas da Justiça Eleitoral determinam que apenas CNPJs ligados às candidaturas podem pagar para impulsionar conteúdo eleitoral por meio de publicidade online.
O pagamento por um dos anúncios irregulares identificados foi feito por Talita Alves Trindade Vieira, que é maquiadora de Carol Marçal, mulher do candidato do PRTB, de acordo com apuração conjunta do Aos Fatos e do Intercept Brasil.
“Impulsionamento só pode o próprio [candidato] ou o partido”, explicou à reportagem a advogada Vânia Aieta, coordenadora-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Além de desrespeitar a legislação eleitoral, o anúncio pago pela maquiadora da mulher de Marçal também infringe as políticas do Google, que neste ano proibiu a promoção de conteúdo político-eleitoral no Brasil.
Ao menos quatro propagandas irregulares que promoviam o site da campanha de Marçal circularam entre os dias 16 e 20 de agosto. O Google não informa o custo ou o alcance dos anúncios. Até a eleição de 2022, quando anúncios político-eleitorais eram permitidos pela empresa, a plataforma de transparência informava o alcance e o custo estimado de cada peça.
Na prática, no entanto, a big tech permitiu impulsionar — isto é, pagar para que a postagem seja vista por mais pessoas — o anúncio, o que privilegia Marçal frente a todos os outros candidatos nas plataformas do Google. “O anúncio vem na frente. Ele é programado para o algoritmo entender que aquilo é mais relevante do que qualquer coisa e entregar várias vezes”, disse Marie Santini, diretora do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, ao Intercept Brasil.
Esta reportagem integra o projeto “Os Ilusionistas”, uma aliança jornalística coordenada pelo Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística) na qual repórteres e pesquisadores digitais de 15 organizações e veículos de mídia latino-americanos investigam, de forma colaborativa, a circulação de informações falsas e a manipulação de conversas públicas na mídia digital, durante este “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. No Brasil, participam do consórcio o ICL Notícias, Aos Fatos e The Intercept Brasil.
Como é o anúncio
O texto da peça publicitária paga por Vieira promove um curso oferecido por Marçal, mas redireciona para um site que divulga a candidatura à prefeitura paulistana.
Além de ser maquiadora da mulher do candidato, Vieira também participou de algumas de suas palestras, segundo registros publicados por ela nas redes.
O Aos Fatos e o Intercept Brasil conferiram o nome completo da maquiadora com as informações de registro da empresa dela. O número de WhatsApp disponível para agendamentos no Instagram é o mesmo que foi declarado no cadastro da Receita Federal, e o endereço e o e-mail informados no Facebook também batem com os dados oficiais.
No Instagram, Talita Alves Trindade Vieira publicou vídeos ao lado de Carol Marçal, como em dezembro passado, quando preparou a maquiagem dela para um casamento de família.
De acordo com a advogada especializada em direito eleitoral Paula Bernardelli, o caso pode se tornar mais crítico para a candidatura do ex-coach caso fique comprovado que ele agiu em conluio com a anunciante.
“Se houver algum indício de que as pessoas que estão fazendo isso recebem do candidato ou são orientadas pelo candidato, seria ainda mais grave”, disse ao Intercept Brasil.
Para Vânia Aieta, violações como essa são passíveis de multa, mas podem virar casos de abuso de poder de mídia, a depender da gravidade.
Além de pagar pelo anúncio de Marçal, Talita Vieira usou o Google Ads para anunciar seus serviços como maquiadora em Barueri (SP) e para divulgar cursos e mentorias de outras pessoas.
Os outros três anúncios que promoviam a campanha de Marçal foram veiculados pela anunciante Geana Rosa Martins, cuja conta foi verificada pelo Google. A reportagem identificou uma empresa de apicultura com esse mesmo nome em Andrelândia (MG), mas não foi possível descartar a possibilidade de se tratar de um homônimo. Também não foi possível estabelecer ligação entre Martins e Marçal.
Assim como a propaganda feita por Vieira, os anúncios veiculados por Martins parecem divulgar os cursos e mentorias de Pablo Marçal, mas na verdade direcionam para o site de sua campanha.
Violação de regras
A publicação de anúncios com descrições incompatíveis com o conteúdo do site para o qual redirecionam é uma estratégia usada para driblar o processo de moderação e análise de conteúdo do Google. As medidas, que também são usadas para promover golpes nas redes, são proibidas pela plataforma.
Segundo as regras, “o Google exige que os anúncios representem corretamente qual app ou site o usuário acessará ao clicar nele”.
Para Paula Bernardelli, o impulsionamento por meio de terceiros também pode ser uma forma de burlar a proibição de anúncios políticos do Google.
Aos Fatos questionou o Google sobre a veiculação das peças irregulares, mas a empresa retornou com uma resposta genérica sobre suas políticas para as eleições e em que diz agir “imediatamente” quando identifica violações.
Leia a íntegra da resposta:
“As eleições são importantes para o Google e, ao longo dos últimos anos, temos trabalhado incansavelmente para lançar novos produtos e serviços para apoiar candidatos e eleitores. Para as eleições brasileiras deste ano, atualizamos nossa política de conteúdo político do Google Ads para não mais permitir a veiculação de anúncios políticos no país. Essa atualização aconteceu em maio tendo em vista a entrada em vigor das resoluções eleitorais para 2024. Quando identificamos violações às nossas políticas, agimos imediatamente.”
A reportagem também procurou os anunciantes, mas não conseguiu contato.
Essa não foi a primeira vez que anúncios da candidatura de Pablo Marçal foram pagos por terceiros nas redes.
Em junho, o fisiculturista Renato Cariani — sócio de Marçal e réu por tráfico de drogas — infringiu as regras da Meta ao publicar cinco posts sem rótulo político que promoviam a pré-candidatura do ex-coach, como o Aos Fatos revelou.
Marçal também pode ter descumprido normas eleitorais ao prometer premiar seguidores que publicassem cortes de seus vídeos nas redes. Outra reportagem do Aos Fatos mostrou um áudio em que um funcionário do candidato explica o uso de intermediários para fazer pagamentos fora das contas da campanha.
No último sábado (17), o MPE (Ministério Público Eleitoral) pediu a suspensão do registro de candidatura de Marçal e a abertura de ação para apurar se houve abuso de poder econômico na pré-campanha. O caso ainda será julgado.
Uma investigação jornalística que busca desvendar a desinformação política no “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. Liderado pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (CLIP) em aliança com ICL Notícias, Aos Fatos y Intercept (Brasil), El Faro (El Salvador), Lab Ciudadano (Honduras), Animal Político e Mexicanos Contra la Corrupción (México), La Prensa y Foco Panamá (Panamá), IDL Reporteros y Ojo Público (Perú), Diario Libre (República Dominicana), El Observador (Uruguai), Fake News Hunters, Cocuyo Effect, ProBox, C-Informa e Medianalisis (Venezuela)
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