Por Jorge Abreu
(Folhapress) — Os incêndios florestais que assolam o Mato Grosso agravaram mais os conflitos entre o governo de Mauro Mendes (União Brasil) e os povos indígenas locais. Além de disputas quanto à responsabilização pelas queimadas, as partes travam embates em meio à sanção da lei estadual que libera pecuária em áreas de preservação do pantanal e a construção da Ferrogrão.
Em entrevista à Rádio Bandeirantes no último dia 12, o governador afirmou que há “um percentual alto das queimadas” nas reservas indígenas, mas não citou dados. “Os casos estão sendo investigados. Há muitas suspeitas. Eu estava acompanhando aqui e tem outra causa que representa um percentual alto das queimadas que são nossas reservas indígenas”, disse.
Em outra entrevista, dessa vez na TV Bandeirantes, na última quinta (19), Mendes rebateu os dados do Ministério do Meio Ambiente sobre as queimadas. Em julho, a ministra Marina Silva disse que 85% dos incêndios no Pantanal ocorreram em propriedades privadas.
Em resposta a perguntas de jornalistas sobre a responsabilidade pelas queimadas, o governador afirmou que os proprietários rurais não têm parte nos incêndios. Ele falou, ainda, em “ação política” na raiz do fogo criminoso, porém sem deixar claro quem seriam os suspeitos.
Em nota, povos de 44 etnias repudiaram as falas de Mendes no sentido de responsabilizar os indígenas pelas queimadas. A carta também traz críticas sobre a falta de assistência à comunidade, principalmente para crianças e idosos, diante de “uma crise de acesso à água potável e problemas de saúde — como dificuldades respiratórias, desidratação e diarreia” — como consequência.
“Essa afirmação é não apenas infundada, mas também cruel e desonesta, pois ignora a realidade enfrentada pelos povos indígenas de Mato Grosso e deslegitima nossa luta pela proteção da terra e o nosso reconhecimento pela Organização das Nações Unidas (ONU) como os verdadeiros guardiões da biodiversidade brasileira, o que inclui os três biomas do estado”, diz trecho da nota.
À reportagem, o governo de MT negou insinuação de responsabilidade ou discriminação por parte de Mendes.
Mara Barreto, liderança do povo xavante, relata que o fogo na região ainda não foi extinto e atingiu 28 aldeias pertencentes ao território do Xingu. Ela diz que o enfrentamento das autoridades não demonstrou eficiência, o que gerou sensação de desamparo e negligência.
“A nossa situação é muito triste e revoltante. O cerrado está pegando fogo e nenhuma providência foi tomada, e chegou na nossa comunidade. O fogo criminoso veio de uma distância muito grande e passou por diversas aldeias até chegar aqui”, frisou Barreto.
Discriminação contra indígenas
Em julho deste ano, o MPF (Ministério Público Federal) notificou o governador para prestar esclarecimentos sobre possível fala discriminatória contra indígenas da etnia Boe Bororo durante entrevista concedida em janeiro à Rádio Jovem Pan.
Na ocasião, Mendes falou que a comunidade da Terra Indígena (TI) Tadarimana, em Rondonópolis (MT), “inventou” um corredor espiritual com a intenção de impedir a construção de uma ferrovia. O empreendimento a ser construído pretende ligar o município ao médio norte do estado.
Os indígenas boe bororo, por sua vez, consideraram que a conduta desrespeita a honra, a dignidade, a moral e a ética de seu povo e, principalmente, seu sentimento quanto a sua cultura ancestral e espiritual.
Além de uma retratação pública, os representantes buscam, com a atuação do MPF, o reconhecimento das terras do povo Boe Bororo e a condenação de Mendes ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
Sobre esta entrevista e a notificação do MPF, Mendes não respondeu à reportagem.
Defensor da Ferrogrão, o governador ataca ambientalistas que consideram polêmico o projeto do governo Lula, apelidado de “nova Belo Monte”. A construção está envolta em um impasse jurídico, e a continuidade depende de decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ao cortar a amazônia, a ferrovia quer ligar o Mato Grosso ao Pará. O projeto, contudo, é alvo de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pelo PSOL, e a União entregou uma manifestação para afastar uma das principais críticas, de que o trajeto passaria pelo Parque Nacional Jamanxim.
O plano da Ferrogrão é apoiado por agricultores e comerciantes de grãos que afirmam que a via reduziria a dependência em estradas e diminuiria os custos do transporte de soja de MT aos portos fluviais na bacia amazônica para exportação.
Comunidades indígenas dizem que não foram consultadas sobre o projeto, que afetará o meio ambiente e levará ao desmatamento. Para ambientalistas, trata-se de um dos empreendimentos de maior potencial de impacto no país, junto à exploração de petróleo na margem equatorial.
Outra questão é a lei que libera atividades pecuárias em APPs (áreas de preservação permanente) da bacia do Alto Paraguai. A região, que compõe o pantanal mato-grossense, fica a 219 km de Cuiabá.
Em meio a um dos piores cenários de queimadas da história do país, a lei sancionada pela gestão Mendes admite o acesso à área para a pecuária extensiva e a prática de roçada. O texto defende a medida para “a redução de biomassa vegetal combustível e os riscos de incêndios florestais”.
Ambientalistas, no entanto, criticam a medida pelo risco de devastação de áreas importantes para a conservação do Pantanal. O uso de fogo para abrir pastagens é um dos temores.
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