A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco fundamental na história cultural brasileira. Mesmo que o evento tenha ocorrido por apenas quatro dias, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, seus efeitos e repercussões continuaram a inspirar gerações de artistas depois.
Organizado por um grupo de artistas e intelectuais insatisfeitos com a estagnação artística e cultural do país no ano do centenário da Independência, a Semana de Arte Moderna representou uma ruptura com o passado e inaugurou uma nova era de criatividade e expressão artística no Brasil com a ebulição de obras que foram criadas depois disso.
O contexto histórico da Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna ocorreu em um momento de grandes transformações no Brasil. Em 1922, o país passava por um processo de industrialização e urbanização acelerados, impulsionados pela riqueza da produção cafeeira e que trazia novas realidades sociais e culturais.
Além da crise e dos impactos políticos e econômicos causados pela Primeira Guerra Mundial, a Grande Guerra daquela geração, temos a fundação do Partido Comunista Brasileiro, no Rio de Janeiro, e a ebulição intelectual em torno do primeiro século da independência de Portugal.
O mundo fervilha com a criatividade do Modernismo, um movimento artístico que desafiou as normas e convenções, se propondo a romper com o academicismo e os modelos clássicos e valorizando a experimentação. O Cubismo de Picasso e o Expressionismo de Van Gogh são duas de suas vertentes que combinavam uma expressão autêntica e que retratasse a identidade de suas próprias nações
E foi exatamente esse movimento que levou a elite intelectual brasileira a pensar em novas formas de expressar a realidade brasileira e de elaborar, artisticamente, o que significava ser brasileiro. Durante três dias, o Theatro Municipal de São Paulo foi o palco para obras tidas como ousadas demais para serem expostas ali.
O Modernismo e a busca por uma identidade nacional autêntica
A Semana de Arte Moderna foi pensada a partir de uma busca profunda por uma identidade cultural brasileira autêntica. A arte e a cultura brasileiras, até então, eram fortemente influenciadas pela Europa, reproduzindo padrões e estilos europeus, sem autenticidade, do Parnasianismo e Naturalismo.
Os artistas modernistas propuseram romper com essa influência e construir uma arte que expressasse a realidade brasileira, com suas próprias cores, temas e linguagens. No contexto de um país fortemente marcado por desigualdades sociais e políticas, a Semana de Arte Moderna representou um momento significativo para a construção de uma identidade nacional forte e representativa da diversidade brasileira.
A Semana de Arte Moderna reuniu artistas e intelectuais de diferentes áreas, como pintura, escultura, música, literatura e teatro, todos comprometidos com a busca por essa identidade artística nacional. Entre os principais participantes, destacam-se:
Tarsila do Amaral
Pioneira da pintura modernista brasileira, Tarsila do Amaral foi uma das artistas mais importantes da Semana de Arte Moderna. Suas obras se caracterizam pela exploração das cores vibrantes e pela temática brasileira – e há quem diga que ela foi a artista que melhor alcançou essas aspirações brasileiras de expressão. Entre suas obras mais famosas estão “Abaporu” (1928), “A Negra” (1923) e “Operários” (1933).
Anita Malfatti
Pintora e desenhista, Anita Malfatti é considerada a primeira das artistas modernistas no Brasil. Ela trabalhava com as correntes expressionistas europeias, como o cubismo e o futurismo, já que estudou na Alemanha e nos Estados Unidos antes da Semana de 1922.
Suas obras foram recebidas com choque e reprovação por parte de alguns críticos de arte da época, o que mostra que o Movimento Modernista Brasileiro queria romper com os padrões antigos. A exposição de 1917 foi criticada por Monteiro Lobato com um artigo no jornal O Estado de São Paulo por se afastar da arte tradicional.
Mário de Andrade
Escritor e poeta, Mário de Andrade foi um dos líderes do movimento modernista na literatura brasileira. Ele defendia a criação de uma língua brasileira própria, rompendo com as influências portuguesas e o padrão formal, para criar um estilo próprio e marcante.
Sua coleção de poemas “Pauliceia Desvairada” (1922) é a síntese do que ele pretendia criar e mostrar com a Semana de Arte Moderna. Já o livro “Macunaíma” (1928) é um marco do modernismo na literatura brasileira, apresentando o país a um heroi “sem nenhum caráter”.
Oswald de Andrade
Escritor, jornalista e poeta, Oswald de Andrade foi um dos principais intelectuais da Semana de Arte Moderna. Ele era um grande defensor da cultura brasileira e criticou ferrenhamente a influência europeia nas artes do país.
Menotti del Picchia
Escritor, crítico literário, advogado e jornalista, Menotti del Picchia foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Ele foi um dos principais articuladores da Semana de Arte Moderna e teceu críticas acerbas sobre o movimento, considerando-o uma manifestação de “anarquia estética” pelo rompimento com os padrões artísticos até então.
Graça Aranha
Diplomata, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna. Seu romance Canaã, de 1902, é considerado um dos marcos do nacionalismo e do pré-modernismo brasileiro.
Na abertura oficial do evento, proclama, para a confusão do público que estava no Theatro Municipal, o texto “A emoção estética da Arte Moderna”, o que marca o início do movimento modernista e da Semana de 1922.
Victor Brecheret
Escultor nascido na Itália e naturalizado brasileiro, é um dos artistas mais importantes do país, considerado o Rodin nacional. Próximo de Di Cavalcanti, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, participa da elaboração da Semana de Arte Moderna.
Em julho de 1920, expôs a maquete do Monumento às Bandeiras, que viria a ser considerada sua obra prima e foi pensada para concorrer como novo memorial da independência. No desenrolar da história brasileira, o monumento tornou-se palco de diversos protestos contra o racismo e a exaltação das figuras dos bandeirantes.
Di Cavalcanti
Pintor e caricaturista brasileiro, nascido Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Melo, foi um dos principais artistas a contribuir com as características exclusivas da arte brasileira, já que usava cores vibrantes, formas sinuosas e temas tipicamente nacionais, como o tropicalismo e o carnaval. Uma de suas obras mais famosas, ‘As mulatas à mesa’, está exposta no Palácio do Planalto e foi vandalizada na invasão terrorista do dia 8 de janeiro de 2023.
Heitor Villa-Lobos
O compositor e músico brasileiro é considerado o artista mais significativo da música clássica brasileira no século XX e é o compositor sul-americano mais conhecido de todos os tempos. Sua composição “Bachianas Brasileiras” misturam música folclórica nacional com elementos clássicos europeus.
Em sua apresentação na Semana de Arte Moderna, se apresenta com um pé calçando chinelo e outro sapato. Apesar do público entender a atitude como uma afronta, era apenas um problema de calo inflamado no pé.
O impacto da Semana de Arte Moderna na cultura brasileira
A Semana de Arte Moderna inaugurou uma nova era de criatividade artística e impulsionou o desenvolvimento das artes no país. Esse foi o início de um renascimento cultural no Brasil, rompendo com a estagnação artística e cultural da época. O movimento modernista trouxe novas ideias, novas formas de expressão artística e uma nova visão da realidade brasileira.
Pensar o que foi a Semana de Arte Moderna é analisar essa ruptura com o passado colonial e acadêmico das artes brasileiras e essa abertura ao novo, informal e curioso para construir uma arte brasileira autêntica, que refletisse a realidade do país e de seus povos.
Esse movimento modernista influenciou vários campos da cultura brasileira, incluindo a literatura, a música, o cinema, o teatro, a arquitetura, a escultura e as artes plásticas. As contribuições vão além e incluem a criação de uma cultura brasileira mais rica, diversa e vivaz, de iniciativas que se intitulam “pós-modernistas” e incluíram nomes como Clarice Lispector a ideias que, inspiradas no modernismo brasileiro, criaram algo totalmente novo.
Movimentos que se inspiraram na Semana de Arte Moderna de 1922
A Semana de Arte Moderna em si não teve um impacto tão grande quanto imaginado por seus idealizadores, mas é impossível negar que ela é um marco da história artística nacional, inspirando diversos movimentos artísticos e culturais posteriores.
O Movimento Antropofágico surgiu na década de 1920, com uma visão mais radical do modernismo brasileiro. O movimento defendia a assimilação e a devoração da cultura europeia pelo Brasil, transformando-a em algo novo e original. A antropofagia proposta por Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade pregava uma digestão das influências europeias para que produzissem algo totalmente brasileiro.
O Movimento Verde-Amarelo buscava a valorização da cultura popular brasileira, em contraponto à influência europeia e americana nas artes do país. O principal nome dessa vertente da Semana de Arte Moderna é Plínio Salgado, que depois ficou conhecido por suas ideias nacionalistas puras inspiradas no movimento fascista italiano.
A Bossa Nova, gênero musical resultante do samba carioca no final da década de 1950, também pode ser considerada uma consequência, ainda que mais tardia, da Semana de Arte Moderna. Sua simplificação do samba, tanto em ritmo quanto em instrumentos, e suas letras de temáticas leves, eram uma forma de expressão da vida na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
O Tropicalismo surgiu na década de 1960 buscando uma mistura de elementos da cultura brasileira com influências internacionais. Esse movimento retomou ideais do modernismo, valorizando a cultura popular e defendendo a criatividade e a inovação artística.
A Semana de Arte Moderna e seu legado em construção
A Semana de Arte Moderna marcou uma virada na história da cultura brasileira. Ao romper com as tradições do passado e inaugurar uma nova era de criatividade e expressão artística no país, o movimento modernista contribuiu para a construção de uma identidade cultural brasileira autêntica, e seus ideais continuam a inspirar artistas e intelectuais no Brasil e no mundo.
Apesar dos avanços e conquistas do movimento modernista, é importante reconhecer que a Semana de Arte Moderna foi marcada por limites e contradições. A maioria dos participantes eram brancos e de classe média alta, e não representavam a diversidade da cultura brasileira. A Semana de Arte Moderna não abordou questões de raça, classe social e gênero, questões que têm ganhado cada vez mais espaço no debate sobre a arte e a cultura no Brasil.
Porque sim, esse grupo de pessoas que queria romper com a burguesia da época também fazia parte dela e mesmo propondo mais diversidade, era uma reunião de homens brancos e alfabetizados em um país recém saído da escravidão e majoritariamente analfabeto.
Aliás, vale lembrar que apesar de colocar São Paulo como o grande epicentro cultural do país, o Modernismo brasileiro ignora o fato de que diversas manifestações culturais já aconteciam em outros estados antes disso. São Paulo “descobriu” um país que já existia há séculos.
E, mesmo reconhecendo as restrições e limitações do que foi pensado e proposto na Semana de Arte Moderna, não podemos desconsiderar todas as ideias propostas durante e depois desse evento e suas repercussões. A herança da Semana de 1922 é riquíssima e rende frutos até hoje, considerando que movimentos como o Tropicalismo e a Bossa Nova foram influenciados por aquele grupo de modernistas de São Paulo.
Ter um olhar crítico do legado da Semana de Arte Moderna é fundamental para construir uma cultura brasileira ainda mais justa, igualitária e inclusiva. É preciso reconhecer a diversidade de expressões artísticas e culturais no Brasil e combater as desigualdades socioeconômicas, de gênero e raça que permeiam a cultura brasileira e existem desde antes de 1922.
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