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Governo de SC é condenado a indenizar vítima de abordagem policial sem câmera corporal

Estudo mostra que uso de câmeras colabora para queda do número de mortes em operações policiais
25/10/2024 | 07h03

Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo

O governo de Santa Catarina, que em setembro anunciou o recolhimento e baixa de todas as câmeras corporais que acompanhavam o efetivo da sua Polícia Militar, foi condenado a indenizar em R$ 10 mil um cidadão em Chapecó, vítima de abordagem com uso de força e spray de pimenta na presença de três filhos. O estado foi pioneiro na implantação dos dispositivos e mantinha 2.245 câmeras em funcionamento desde 2019.

Por dois votos a um, a 3ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado decidiu seguir o voto divergente do juiz Jefferson Zanini, que registrou na sentença “a inexistência de imagens captadas por câmeras” em uma ocorrência de 2022, quando o projeto ainda estava em vigor, mas a utilização das câmeras não era obrigatória. “As imagens, se existentes, poderiam esclarecer a dinâmica do fato, auxiliando na elucidação da ação policial”, ponderou na decisão.

O magistrado também lembra que a PM do Estado de Santa Catarina optou por dispensar o uso de câmeras individuais por seus integrantes e que “não pode a decisão política redundar em prejuízo do cidadão”. E complementou citando, inclusive, o baixo custo do investimento: “As câmeras individuais são de fácil aquisição, notadamente quando o Poder Judiciário de Santa Catarina, no ano de 2018, repassou R$ 6.200.000,00 àquela instituição para a compra de duas mil câmeras corporais”.

A decisão sobre a suspensão do uso das câmeras corporais foi anunciada oficialmente em setembro, como parte de um “estudo para novas soluções tecnológicas”. A PM iniciou o movimento na contramão de um projeto do Ministério da Justiça, do governo federal, que estimula a aquisição e incorporação dos equipamentos junto às forças de segurança e anunciou projetos em 16 estados que manifestaram interesse em aderir à ferramenta.

Uso de câmeras por PMs é eficaz

Recentemente, o Ministério da Justiça também divulgou um estudo sobre as câmeras, em parceria com o pesquisador Pedro Souza. A análise comprova que, “nos países em que a tecnologia foi adotada, houve queda do número de mortes em operações policiais, redução da interação negativa nas abordagens e maior eficiência com o cumprimento dos protocolos treinados pelos agentes”.

Uma das fontes do estudo é justamente o caso de Santa Catarina, em que  todos os policiais, em turno de serviço, deveriam utilizar o equipamento até à nova decisão tomada sob o governo do bolsonarista Jorginho Mello (PL). A pesquisa reforça a recomendação de que, “por terem efeitos comprovados sobre a redução de uso de força e letalidade na ação policial, câmeras corporais policiais devem ser adotadas pelas polícias do país”.

O estudo ainda lista que, em Santa Catarina, as câmeras resultaram em “notável redução na subnotificação de casos de violência doméstica”. Isso porque, na presença de câmeras, policiais passaram a reportar esse tipo infracional em 69%, indicando uma consequência importante dos dispositivos “sobre grupos com particular vulnerabilidade, como em situações de vitimização da mulher”.

Governador Jorginho Mello abandonou uso de câmeras por PMs

Homem teve lesões e família foi tratada com gás de pimenta

A indenização que o Estado deverá pagar a um cidadão catarinense se refere a uma ocorrência registrada em dezembro de 2022. Antes, portanto, do anúncio da suspensão na utilização do equipamento.

A vítima dirigia um carro popular com três filhos, sendo um adulto e duas crianças, quando recebeu ordem de parada que foi cumprida, seguida de uma abordagem descrita no processo: “os policiais, de forma rude e arrogante, determinaram que saíssem do veículo, começaram a gritar, mandando-os pôr as mãos na cabeça e passando a revistar o veículo; os policiais começaram a espirrar spray de pimenta no autor e inclusive nos seus filhos menores; algemaram o autor, bem como passaram a desferir ‘coices’ no mesmo, derrubando o mesmo no chão, tendo inclusive quebrado o braço do autor; por conta da agressão, quebrou o braço esquerdo (diáfise do úmero) e passou por procedimento cirúrgico, medicações e internamentos”.

A Justiça recusou o pedido de indenização na primeira instância, mas acatou o recurso do homem que sofreu a abordagem. Na primeira sentença, considera que “restou demonstrada postura afrontosa, agressiva e desobediente do autor, que provocou injustamente a atuação dos policiais militares”. Além disso, considerou que não havia “elementos probatórios suficientes a indicar o excesso da atuação policial e que estes tenham ocasionado a queda do autor e consequente fratura no braço”.

Constituição foi citada em sentença

O artigo 37 da Constituição Federal foi citado na sentença que obriga o Estado a indenizar o homem pela violência policial. O texto lembra que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

O juiz afirma que “as palavras dos policiais militares não são dignas de credibilidade”, evidenciando que, nas situações em que se apura a ocorrência de excesso policial, “transparece evidente o interesse dos envolvidos no desfecho da controvérsia”. Ele ainda considera óbvio que “esses policiais vão sempre legitimar o uso da força física, especialmente para afastar a possibilidade de serem denunciados pela prática do crime de abuso de autoridade”.

A sentença reforça que o Estado de Santa Catarina não  conseguiu comprovar que os policiais militares agiram no exercício regular de um direito, lembrando que é da parte demandada o ônus da prova: “Não se comprovou a legalidade do ato policial desde o seu limiar”.

O juiz também lembra que, sem que houvesse a ação policial violenta, a parte autora não teria sofrido a fratura no braço. “Era previsível aos policiais militares que o emprego de força física desnecessária poderia acarretar na parte autora uma lesão corporal”. O efeito da decisão pode acarretar outras indenizações a serem pagas pelos cofres públicos por conta da ausência do equipamento, reconhecido também por dar mais segurança aos próprios policiais. Por meio da assessoria de imprensa, a PM informou que não comenta nenhuma decisão judicial, respeitando sempre as prerrogativas do Poder Judiciário.

 

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