Por Yuri Eiras e Italo Nogueira
(Folhapress) — O promotor Fábio Vieira defendeu nesta quinta-feira (31) a formação do Tribunal do Júri do caso Marielle Franco (PSOL) apenas com homens brancos de meia-idade.
Durante a sustentação oral do Ministério Público, ele afirmou que as mulheres sorteadas foram dispensadas do julgamento.
“Achei muito interessante a composição do júri: pessoas de meia-idade, de pele clara. As mulheres sorteadas foram dispensadas. Muitas pessoas podem pensar: ‘Olha só. Esse júri não está heterogêneo. Ele não está mostrando uma democracia de cor, de raça, de qualquer coisa’. Eu falo o contrário. Digo o seguinte: ‘Qualquer pessoa, independente de raça, de religião, de partido, vai sentar, vai ver esse processo e chegar a mesma conclusão'”, afirmou ele.
“É importante mostrar para o povo que não preciso escolher pessoas para analisar essa causa. Não preciso estudar quem seja simpático à vida das pessoas que estão no contexto desse processo para precisar de um resultado ou facilitar meu resultado.”
Problema do júri
Havia 21 pessoas disponíveis para a seleção do júri, sendo 12 mulheres. As defesas e a acusação poderiam dispensar três pessoas sorteadas cada. Foram dispensados três homens e duas mulheres, essas todas pelas defesas dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Apenas os envolvidos no processo podem ver os jurados.
A reportagem apurou que a formação do júri foi alvo de críticas entre membros da Defensoria Pública, que atuam como assistente de acusação representando a família de Marielle.
Em sua manifestação, a defensora pública Daniele Silva, negra, retomou o tema racial, sem fazer referência direta ao perfil dos jurados e a fala de Vieira.
“Somos pessoas como eu, Marielle, como a Audrey [Castro, promotora negra que também atua no caso], que precisamos racializar sempre o debate. Precisamos sempre, sempre, sempre, demonstrar o quanto esse corpo preto que aqui vos fala é indesejado”, disse ela.
“Gostaria mesmo que todas as pessoas negras desse país não precisasse estar sempre falando de racismo, né Anielle [Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle que acompanha o julgamento]. Seria tão bom. Se a gente não fala, quem vai falar? Chega desse mito da democracia racial, chega dessa invisibilidade.”
Os jurados estão incomunicáveis e dormiram dentro do Tribunal de Justiça de quarta-feira (30) para esta quinta, quando o julgamento foi retomado. O Ministério Público e os assistentes de acusação terão, ao todo, 2h30 para expor as alegações finais. As defesas, depois, terão o mesmo prazo.
Vieira também disse que se sente incomodado com a interpretação de que o crime foi cometido por ideologia.
“Esse processo aqui mostra. A gente vê a beleza da Marielle. Mas ela não é uma potência, uma beleza, porque escolheu a esquerda. Porque se ela escolhesse a direita ela também seria uma beleza, seria uma potência. É uma mulher que acredita. São pessoas, dentro das escolhas que fizeram, que resolveram fazer o certo”, disse o promotor.
“O que eu vejo aqui, na minha experiência desses anos todos no Tribunal do Júri, que muitas vezes a gente tem crime de ódio. A pessoa mata o homossexual por conta da escolha dele. A pessoa mata uma outra por conta da sua cor, por suas opções políticas. Isso existe. Mas na maior parte das vezes, as pessoas matam as outras por sentimentos primários, ilícitos, desprovidos de valor. É isso que a gente enxerga.”
A declaração contraria as pesquisas feitas por Lessa antes do crime. A quebra telemática da conta do ex-PM no Google mostra pesquisas com termos de ódio contra a esquerda, como “morte ao PSOL” e “marcelo freixo enforcado”.
A promotora Audrey Castro, por sua vez, disse que diversos promotores desistiram de concorrer à vaga da Promotoria na 4º Tribunal do Júri em razão do caso Marielle, que corre nesta corte.
“Em 2021 eu era promotora de Justiça titular de Madureira. Me inscrevi [para a Promotoria do 4º Tribunal do Júri]. Mesmo tendo quase 20 anos de Ministério Público, eu estava lá no final da fila de inscrição e vi, aos poucos, que meus colegas foram desistindo. Eu me perguntei: “Por quê? O que tem lá?’. Fui me informar com meus colegas. Muito desistiram por causa desse processo. Muitos me diziam: ‘É a Vara do processo da Marielle’. Pensei, me convenci, e decidi: ‘Não vou me acovardar'”, disse ela.
Lessa, preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e Élcio, no Centro de Inclusão e Reabilitação em Brasília, foram ouvidos na quarta por videoconferência. Os dois firmaram acordo de delação e confessaram o crime.
O Ministério Público do Rio vai pedir pena máxima aos réus, que pode chegar a 84 anos de prisão. O acordo de Lessa prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037. A reunião das penas nos 12 processos a que ele responde será feita pelo juízo de execução penal. Os detalhes do contrato de Élcio não são de conhecimento público.
Os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão e o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa são réus no STF (Supremo Tribunal Federal), sob acusação de planejarem a morte da vereadora. Eles foram apontados como mandantes na delação de Lessa. Todos negam o crime.
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