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Verba do escritório da Apex chefiado por general Lourena Cid subiu 137% em 2022

Recursos destinados a escritório da Apex em Miami comandado por general passaram de R$ 10.862.300,00 em 2021 para R$ 25.822.521, 00 em 2022.
08/09/2023 | 14h54

Reportagem de Lúcio de Castro – Agência Sportlight

Miami foi o coração da estrutura montada por Jair Bolsonaro que movimentou milhões e operou o desvio de bens de alto valor. O lugar por onde passou todo o fluxo financeiro do que a Polícia Federal chamou de “organização criminosa”. E no olho desse furacão, na base de toda a operação, está o escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) na cidade. Sob o comando do general Mauro Lourena Cid, a representação nos Estados Unidos recebeu por parte do governo federal um aumento na verba de 137% no ano de 2022 em relação ao ano anterior.

O escritório recebeu U$ 2.172.460,00 (dois milhões, cento e setenta e dois mil e quatrocentos e sessenta dólares) em 2021, o equivalente a cerca de atuais R$ 10.862.300,00 (dez milhões, oitocentos e sessenta e dois mil e trezentos reais).

Já em 2022, ano eleitoral e último de mandato, Bolsonaro mais do que dobrou esse volume de recursos para o escritório de Miami da Apex e enviou U$ 4.822.521,00 (quatro milhões, oitocentos e vinte e dois mil, quinhentos e vinte dólares), atuais R$ 25.822.521, 00 (vinte e cinco milhões, oitocentos e vinte e dois mil, quinhentos e vinte um reais).

A verba da Apex para a representação nos Estados Unidos em 2022 superou o padrão dos demais anos do mandato de Bolsonaro, já que em 2019 a remessa foi de U$ 2.810.424,00, atuais R$ 14.052.120,00, e em 2020 a repartição na Florida recebeu U$ 1.858.880,00 (atuais R$ 9.294.400,00). A Apex é ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e foi criada em 2003 para auxiliar empresas brasileiras a realizar comércio com outros países.

Com Jair Bolsonaro, a Apex virou um puxadinho das forças armadas. Aparelhada pelo ex-presidente, todos os cargos de comando da instituição foram ocupados por militares entre 2019 e 2022.

Mauro Lourena Cid, íntimo do presidente Jair Bolsonaro e colega do presidente na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na turma que se formou em 1977, recebia salário de US$ 9,6 mil (cerca de R$ 48 mil) no comando da Apex em Miami e mais R$ 33.368,00 como general de exército na reserva, sem sofrer abate-teto. Total de R$ 81.368,00.

O diretor de gestão corporativa da Apex na gestão Bolsonaro, Roberto Escoto, que tem aposentadoria de R$ 29.351,66 como general de brigada na reserva, recebia integralmente o salário de R$ 46.168,02 como diretor da Apex.

Outros militares nomeados em cargos de gerência na Apex recebiam R$ 29.769,00 e mais o pagamento na reserva das forças armadas.

O gerente de TIC, Paulo Sergio Pagliusi, recebia mais R$ 22.787,00 como capitão de mar e guerra da reserva. O gerente de Integridade, Marcelo Barreto Rodrigues, tem renda de R$ 28.793,00 como vice-almirante da reserva. O gerente de Exposições Universais e Projetos Especiais, Elias Rodrigues Martins Filho, recebe R$ 28.876,00 como general de divisão da reserva.

VERBA DO GOVERNO BOLSONARO PARA O ESCRITÓRIO DA APEX EM MIAMI:

2019: U$ 2.810.424,00 =  R$ 14.052.120,00

2020: U$ 1.858.880,00 =  R$ 9.294.400,00

2021: U$ 2.172.460,00 = R$ 10.862.300,00

2022: U$ 4.822.521,00 = R$ 25.822.521, 00

*dados confirmados pela assessoria de comunicação da Apex

Operação financeira em Miami está ligada diretamente a Jair Bolsonaro

O general Mauro Lourena Cid e o tenente coronel Mauro Cid, são os protagonistas na investigação da PF que apura, entre outras coisas, o desvio de bens de alto valor recebidos na gestão, como apontam até aqui as partes já conhecidas do caso. Mas as informações que circulam dão conta de que a ação de pai e filho nos malfeitos durante o governo anterior foi muito além desse desvio de objetos, o que torna entender o aumento de 137% da verba do escritório da Apex em Miami na gestão anterior ainda mais necessário.

De acordo com a petição de Alexandre de Moraes de 10 de agosto de 2023, que autorizou a PF a realizar busca e apreensão nos endereços do general Mauro Lourena Cid, Frederick Wassef e Osmar Crivelatti, “o eixo da investigação relativo ao desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras está diretamente ligado ao eixo de uso da estrutura do estado para obtenção de vantagens”.

E o general foi assim apontado: “há fortes indícios de que Mauro Cesar Lourena Cid praticou atos de lavagem de capitais, se unindo, em unidade de desígnios, com os demais investigados, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienação dos bens desviados do acervo público brasileiro”.

As mensagens do celular de Mauro Cid obtidas pela PF mostram inclusive pai e filho movimentando dólares em espécie a serem entregues para Jair Bolsonaro:

“O conteúdo do áudio revelou, inicialmente, que o General Mauro Lourena Cid estaria com 25 mil dólares, possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro. Na mensagem, Mauro Cid deixa evidenciado o receio de utilizar o sistema bancário formal para repassar o dinheiro ao ex-Presidente e então sugere entregar os recursos em espécie, por meio de seu pai, diz: ‘Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né? (…)’”, diz trecho da investigação.

A PF identificou ainda que “os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores”.

O tenente-coronel Mauro Cid está preso desde 3 de maio, após ter sido alvo de uma operação da PF que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid no sistema do Ministério da Saúde. Mas as investigações envolvendo o nome de Mauro Cid já vão muito além do caso inicial.

Uso do sistema financeiro americano para atividades ilícitas pode causar danos às famílias Bolsonaro e Cid como no caso Fifagate

O uso do sistema financeiro americano para atividades ilícitas e cometimento de crimes abre outra frente de preocupação para a família Bolsonaro e para os Cid.

Como mostrou o escândalo do Fifagate (2015), foi o uso do sistema financeiro americano em transações financeiras que possibilitou a prisão de alguns envolvidos fora de seus países. Entre eles, José Maria Marin, então presidente da CBF.

Nas palavras dos promotores americanos, os envolvidos cometeram o crime de “abusar da estabilidade e disponibilidade do sistema financeiro americano”.

O uso do dólar americano em transações financeiras internacionais e, acima de tudo, o fato de muitas dessas transações passarem pelos bancos e instituições financeiras dos Estados Unidos deu às autoridades americanas jurisdição para investigar e processar quem utilizou o sistema financeiro dos EUA para facilitar atividades corruptas.

Em 2020, filho do general e irmão de Mauro Cid abriu empresa no paraíso fiscal mais sigiloso do mundo

Em junho de 2019, o general Mauro Lourena Cid foi nomeado para o comando da Apex em Miami. Os registros da PF mostram que o filho, Mauro Cid, já realizava operações para pagar despesas da família Bolsonaro com o cartão corporativo. Paralelo a isso, Daniel Cid, o outro filho do general e irmão do ajudante de ordens, abriu uma empresa em Delaware, paraíso fiscal mais sigiloso do mundo, onde é praticamente impossível se saber o nome do dono de uma empresa e por isso local muito procurado para encobrir operações ilegais de lavagem de dinheiro e ocultação de capital obtido de forma ilícita.

Empresário do ramo de informática, Daniel Cid abriu a primeira empresa naquele país em 2005, no estado de Maryland, já inativa. Em abril de 2018, registrou outra, a Cleanbrowsing, com sede na Califórnia.

E em 2020, como mostrou reportagem da Agência Sporlight de Jornalismo, essa empresa foi incorporada sob o mesmo nome, passando a ser sediada em Delaware. O estado é o grande responsável por impulsionar os Estados Unidos como líder no ranking dos paraísos fiscais, na frente de tradicionais moradas de offshores como Suíça, Luxemburgo, Singapura, Ilhas Cayman e Panamá, de acordo com o relatório Financial Secrecy Index, publicado pela instituição inglesa Tax Justice Network.

Com um patamar de manutenção de sigilo inigualável ao redor do mundo, o estado transformou-se em o lugar mais procurado para abertura de negócios em que o proprietário, eventualmente, pode ocultar dinheiro obtido de forma ilícita ou integrar capital que já esteja oculto, abreviando assim o processo de lavagem e transformando em capital que aparenta ser lícito. Pela lei brasileira, não é ilegal ter empresa no exterior, desde que declarada na Receita Federal.

REPORTAGEM CONSEGUE COMPROVAR PROPRIEDADE DA EMPRESA EM PARAÍSO FISCAL CRUZANDO DADOS DE REGISTROS DE DIFERENTES ESTADOS AMERICANOS

Apesar do grau de sigilo absoluto de Delaware, sem paralelo no mundo, a reportagem obteve a confirmação do registro do irmão do ordenança de Jair Bolsonaro porque, ao fundir a empresa da Califórnia, levando-a para Delaware, a junta comercial da Califórnia registra a presença do nome de Daniel Cid na empresa incorporadora de Delaware. E assim, através do registro californiano, foi possível confirmar a existência de propriedade no paraíso fiscal. Sem o que, jamais se chegaria ao nome do proprietário em Delaware.

IMPORTADORAS DE BEBIDAS, RESTAURANTES E CHURRASCARIAS BRASILEIRAS EM MIAMI ESTÃO ENTRE OS GASTOS DA APEX OBTIDOS PELA REPORTAGEM VIA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

A reportagem obteve, via Lei de Acesso à Informação, o registro de algumas das despesas realizadas pelo escritório da Apex em Miami durante o governo Bolsonaro, sob o comando do general Mauro Lourena Cid. Enviou para a Apex, via assessoria de imprensa, questionamento sobre a natureza da despesa. Questionou se eram despesas de consumo pessoal dos membros da Apex ou, no caso de terem sido para pagamento por participação em feiras ou programas da agência, solicitou que discriminasse tais razões. Não obteve resposta. Assim, decidimos publicar, pelo interesse público, alguns desses gastos, onde e para quem foram realizados.

Também tentamos contato com o general Mauro Lourena Cid por sua defesa, sem sucesso. Assim, tentamos resposta e contato com o general Mauro Lourena Cid via assessoria de imprensa do Comando do Exército, que respondeu que o general “é militar da reserva remunerada. Em consequência, as informações referentes ao oficial deverão ser buscadas com o mesmo”.

Tentamos por fim apurar sobre a natureza das despesas do escritório da Apex em Miami em contato direto com o general Roberto Escoto, diretor de gestão corporativa da Apex durante o governo Bolsonaro. O general respondeu o primeiro contato, mas posteriormente não respondeu as questões sobre as razões e natureza das despesas da Apex em Miami.

As churrascarias brasileiras em Miami estiveram entre os gastos da equipe do general Mauro Lourena Cid. A Apex pagou para a Fogo de Chão uma nota de US$ 2.804,16, equivalentes a R$ 14.020,80 em 7 de julho de 2022.

Frequentada por Jair Bolsonaro e pelo filho Eduardo quando em terras americanas, a Steak Brasil registra seis pagamentos da Apex (1/10/2020-US$ 253,94; 8/20/2021-US$ 538,04; 10/1/2021- US$ 323,79; 12/03/2021- US$363,07; 11/01/2022-US$ 363,14; 12/19/2022- US$ 282,10), num total de US$ 2.124,08, ou R$10.620,040.

Por duas vezes, (31/7/2019 e 1/8/2019), as despesas foram com o Johnnys Italy Steakhouse (US$ 389,63 e US$ 389,63 respectivamente).

Em 18 de julho de 2022, há o registro de despesa de US$ 7.518,72 (R$ 37.593,60), restaurante na Califórnia. O Cafe Vico, Fort Lauderdale, de comida italiana, registrou recebimento de US$ 2.746,17 (R$13.730,85) em 26 de setembro de 2022.

Pertencente a brasileiros, a AMG Marketing Agency recebeu um total de US$ 38.800,00 (R$194.000,00) em 12 de julho de 2022 e 14 de abril de 2020. A reportagem tentou contato com a agência, sem sucesso, para saber sobre os eventos em que atuou da Apex e ainda com o escritório da instituição para saber se houve licitação para tal contratação, sem resposta.

OUTRO LADO:

APEX:

A reportagem enviou pedido de resposta para a instituição, sem resposta. Entrou em contato com o general Roberto Escoto, que foi diretor de gestão corporativa da Apex durante o governo Bolsonaro. O general respondeu o primeiro contato, mas posteriormente não respondeu as questões sobre as razões e natureza das despesas da Apex em Miami.

General Mauro Lourena Cid:

A reportagem tentou contato via a defesa do militar, sem sucesso. Procurou ainda o comando do exército, que afirmou que o general “é militar da reserva remunerada. Em consequência, as informações referentes ao oficial deverão ser buscadas com o mesmo”.

Jair Bolsonaro:

A reportagem tentou contato com o ex-presidente, sem sucesso.

* Esta matéria é de autoria de site parceiro, que se responsabiliza pelo conteúdo publicado.

 

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