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Para assessoria jurídica do Ministério da Economia, proposta de privatização da Petrobras se assemelha a uma “doação” aos sócios privados da empresa

Projeto de privatização da Petrobras, mais vivo do que nunca, está sendo debatido nas instâncias internas dos ministérios do governo Bolsonaro
16/08/2022 | 20h10

A assessoria jurídica do Ministério da Economia emitiu parecer com alerta ao governo após analisar a proposta de privatização da Petrobras, afirmando que o modelo discutido até agora se assemelha a uma “doação” aos sócios privados da empresa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem afirmado que, se o presidente Jair Bolsonaro for reeleito, ocorrerá a privatização da Petrobras. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente, já declarou ser contra a privatização da estatal.

Segundo reportagem publicada na Folha de S Paulo, no parecer, a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) elenca uma série de riscos e esclarece que o avanço da proposta pode deixar o governo exposto a questionamentos jurídicos, inclusive por “possível lesão ao erário”, dado o desprezo a qualquer possibilidade de ganho financeiro para a União.

Os planos para a privatização da Petrobras foram anunciados pelo ministro Adolfo Sachsida (Minas e Energia) no dia de sua posse, em 11 de maio, como uma resposta aos sucessivos aumentos nos combustíveis praticados naquele momento pela companhia. O ministro Paulo Guedes também é um entusiasta da operação.

O projeto de lei ainda não foi enviado ao Congresso Nacional, mas vem sendo debatido nas instâncias internas dos ministérios. Embora a medida tenha ficado de fora do plano de governo do presidente Jair Bolsonaro em caso de reeleição, interlocutores de Guedes afirmam que o projeto “está mais vivo do que nunca”.

Como mostrou a Folha, o modelo que vem sendo analisado pelos técnicos prevê a conversão de ações preferenciais da companhia (priorizadas na distribuição de dividendos, mas sem direito a voto) em ações ordinárias (com direito a voto na assembleia de acionistas).

Apenas essa transação já seria suficiente para diluir a participação da União na empresa. Com isso, a Petrobras deixaria de ser uma estatal.

Em suas manifestações, os órgãos técnicos do Ministério da Economia não se opuseram no mérito à privatização, mas questionaram o formato e alertaram para os riscos.

A Secretaria do Tesouro Nacional, por exemplo, ressaltou que a ausência de estudos sobre modelos alternativos pode gerar questionamentos jurídicos e também por parte de órgãos de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União).

Segundo os técnicos, caso o governo brasileiro optasse por vender as ações que detém hoje, isso poderia “gerar receitas significativas para a União, o que não ocorre num processo de conversão de ações”.

A PGFN engrossou os alertas e disse que o projeto de privatização da Petrobras elaborado pelos ministérios “carece de dados mais aprofundados a demonstrar a pertinência financeira da medida”.

“A União estará, inequivocamente, renunciando o seu atual controle acionário sobre a Petrobras (que deixaria de ser uma sociedade de economia mista federal), sem receber nenhum valor ou compensação financeira como contraprestação imediata a essa perda do controle”, afirmou o órgão jurídico, em parecer de 29 de junho.

“A bem da verdade, vislumbra-se que a proposta de desestatização da Petrobras, estabelecida no art. 1° [do projeto analisado], implica a alienação do controle estatal por meio de um ato jurídico que se aproxima, na realidade, a uma doação não onerosa, na medida em que a União transferirá, gratuitamente, o seu atual controle acionário permanente para os seus atuais sócios privados na empresa”, acrescentou.

Além do potencial prejuízo para a União, o órgão também indicou que a conversão das ações pode ter um “relevante impacto financeiro negativo” sobre a Petrobras, uma vez que os atuais acionistas da companhia que discordarem da operação poderão exercer seu direito de retirada. Nesse caso, a lei manda a companhia ressarci-los.

Na avaliação da PGFN, a privatização por meio da conversão das ações se dará “em exclusivo benefício dos atuais acionistas minoritários da companhia”, restando dúvidas quanto à sua razoabilidade.

Segundo reportagem publicada na Folha de S Paulo, o Ministério de Minas e Energia direcionou as perguntas ao Ministério da Economia, que preferiu não se manifestar. Fontes do governo dizem que o modelo de conversão de ações foi priorizado nas discussões diante da percepção de que seria a via mais rápida para assegurar a desestatização da companhia.

A equipe econômica queria avançar o máximo possível, ainda que seja o último ano do atual mandato de Bolsonaro. O presidente busca a reeleição, mas está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que é contra qualquer tentativa de privatizar a Petrobras.

A pressa do governo foi mal vista pela PGFN, para quem a ausência de estudos que deem suporte ao formato escolhido expõe uma “vulnerabilidade jurídica da proposta.”

Técnicos favoráveis à privatização buscam minimizar os questionamentos e afirmam que, com mais tempo, o governo poderá debater a conveniência de adotar outros modelos de privatização, como venda de ações ou capitalização, do como o caso da Eletrobras. Essas fontes, porém, avaliam que é viável seguir com o plano de conversão de ações.

O ministro Paulo Guedes tem a intenção de usar os recursos da desestatização para abastecer um fundo de combate à pobreza. No entanto, o posicionamento dos órgãos técnicos demonstra que esse dinheiro pode nem sequer ingressar nos cofres da União.

Guedes também tem argumentado que a proposta de conversão de ações pode colocar a Petrobras no Novo Mercado, segmento da B3 que reúne as empresas adeptas do padrão mais elevado de governança. Essa justificativa foi inclusive usada pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados para submeter o projeto à análise técnica.

Mas esse ponto também é criticado pela PGFN, que vê “precariedade na motivação de um ato tão relevante como a privatização da maior empresa estatal brasileira”. O órgão afirma ainda que não há qualquer garantia de que a empresa receberá o selo de boa governança após a operação, uma vez que isso depende de outros fatores.

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) elencou uma séria de problemas no projeto de privatização da Petrobras

Em seu parecer técnico, a Procuradoria também elencou outros problemas no projeto de privatização da Petrobras. Além da ausência de contrapartida financeira, a conversão de ações seria um modelo “absolutamente inovador”, nunca antes previsto no PND (Programa Nacional de Desestatização).

O órgão disse ainda desconhecer “qualquer precedente societário pelo qual a conversão de ações tenha resultado na perda do controle acionário em uma companhia, quanto mais numa desestatização”.

“A proposta […] revela-se societariamente inusitada, não observando os atuais padrões normativos nem da legislação societária privada, nem da legislação pública, o que a deixa mais exposta a críticas e questionamentos judiciais”, diz o documento.

A Procuradoria também apontou incoerência do governo em tentar avançar logo com o projeto, uma vez que o Conselho do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) recomendou, no início de junho, a qualificação da Petrobras ao programa justamente para a realização de estudos para sua privatização –inclusive sugerindo a criação de um comitê interministerial.

Outra crítica do órgão é o fato de a conversão de ações ser uma operação conduzida pela própria companhia, diferentemente do que acontece em outros processos de privatização, comandados pelo governo por meio do PPI e, em muitos casos, com auxílio e expertise do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

“Considerando, então, tudo o que foi até aqui explanado, torna-se factível o questionamento judicial dessa proposta, seja por possível lesão ao erário, a ser apurada, inclusive, com base na legitimidade e economicidade seja por possível violação aos princípios constitucionais implícitos da supremacia e indisponibilidade do interesse público e da razoabilidade/proporcionalidade”, disse a PGFN.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S Paulo

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