Felipe Mendes — Brasil de Fato
Os quatro militantes que foram presos há exatamente uma semana em manifestação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) voltaram a se reunir ontem já em liberdade. Em entrevista coletiva, Lucas Carvente e Hendryll Silva, que receberam habeas corpus na noite de terça-feira (12), se juntaram a Vivian Mendes e Ricardo Senese, que tinham sido liberados em audiência de custódia no dia seguinte às detenções.
À imprensa, os quatro detalharam momentos vividos dentro do prédio da Alesp, com repressão policial a protestos contra o projeto de privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), e também durante os dias em que estiveram detidos.
Hendryll Silva, que é estudante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), relatou ter sentido medo durante os momentos de ataques de policiais às pessoas que tentavam se manifestar enquanto deputados debatiam a possibilidade de privatização no plenário da Alesp no dia 6 de dezembro. A votação aconteceria naquela mesma noite.
“O que senti foi medo. Aquele caos se instaurou porque eles foram covardes. A gente de braço dado, eles descendo a marreta em todo mundo”, disse Silva, que afirmou ter visto outros militantes com “a cabeça rachada” devido a golpes de cassetetes.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que “policiais militares atuaram na ocasião para conter um ato de depredação ao patrimônio durante a votação da proposta de desestatização da Sabesp, quando os quatro indiciados agrediram os policiais, além de danificar o mobiliário da Alesp”.
‘HUMILHAÇÃO’
O advogado João Gilberto Abreu, que representa o grupo, também participou da entrevista coletiva online. Ele lembrou que o grupo sequer foi informado dos motivos que os levaram à prisão na noite de 6 de dezembro, e essa foi apenas uma de uma série de violações.
“Todo cidadão tem o direito de saber do que está sendo acusado, qual o crime. Desde o início houve essa ilegalidade. Na audiência de custódia também tivemos uma série de ilegalidades, quando enquadra os quatro por associação criminosa, como se tivessem ido até a Alesp com o intuito de praticar crimes, sendo que são militantes de movimentos e partidos políticos”, apontou.
Silva agradeceu o apoio das pessoas que se mobilizaram pela soltura dele e a de Lucas Carvente. Ele afirmou ter passado por dificuldades na prisão, inclusive com racionamento de água – e alertou que o problema pode se tornar mais comum caso os planos de privatização da Sabesp vá à frente.
“Essa mobilização não foi qualquer assunto. Esse não é qualquer assunto. O que aconteceu na Alesp não foi uma selvageria, e sim um ato heróico de militantes que balançavam seus cartazes e em questão de minutos corriam por suas vidas”, relatou.
Carvente, que também ficou preso por quase uma semana, disse que sequer passou por exame de corpo de delito, e que sentiu “medo e humilhação”. Ele é professor e mora no extremo sul da capital paulista, e comparou o projeto de privatização da Sabesp com outras concessões de serviços públicos à iniciativa privada.
“Onde eu moro, passa a linha [de trens de passageiros] Esmeralda, privatizada. Tem falhas todos os dias, a população fica revoltada. A gente sabe que privatização vai piorar a situação de falta de água. A Sabesp atua nessas regiões rurais da cidade de São Paulo, onde não há lucro. A empresa privatizada vai até lá?”, indagou.
APOIO POPULAR
Ao decidir pela liberação de Carvente e Silva, o desembargador Otávio de Almeida Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que assinou o alvará de soltura, destacou o histórico de ambos, que não tinham tido qualquer passagem pela polícia antes das prisões.
“Trata-se de dois homens jovens e que ostentam prontuários imaculados, sem registro de um inquérito policial sequer. Parecem nunca terem se envolvido em situações de violência e, decerto, não há dados concretos que sugiram risco à ordem pública caso sejam autorizados a responder ao processo em liberdade, especialmente com a medida cautelar requerida pelos próprios impetrantes”, escreveu.
Vivian Mendes, que é presidente do diretório paulista do partido Unidade Popular (UP), disse que a detenção dela e dos três outros militantes não vai tirar do grupo a determinação de lutar contra o processo de privatização da companhia de saneamento.
“Esse processo de tentativa de venda da Sabesp foi totalmente ilegal, e vamos fazer denúncia. Os trâmites na Alesp não respeitaram os ritos, o governo não ouviu as demandas do povo. Esse processo foi feito a um altíssimo custo para o bolso do povo de São Paulo”, pontuou.
Na última segunda (11), Mendes esteve em Brasília acompanhada de Ricardo Senese e do presidente da UP, Leonardo Péricles. Eles foram recebidos pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, que se comprometeu a acompanhar o caso de perto.
“Nós fizemos um processo coletivo, de diversos movimentos e sindicatos. Fizemos duas greves importantes, em 3 de outubro e 28 de novembro, e a população demonstrou seu apoio. Entendemos que esse processo tem que crescer, fazer uma nova greve da classe trabalhadora”, destacou Senese, que é metroviário.
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