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Superlotação, celas em estado de insalubridade, violência obstétrica, falta de itens básicos como absorventes, sabonetes e papel higiênico. Esses são apenas alguns dos tópicos que retratam a precariedade do sistema carcerário brasileiro e a urgência de políticas públicas mais eficazes para as quase 29 mil mulheres encarceradas, de acordo com o Relatório de Informações Penais (Relipen).

Podemos entender que com esse alto volume habitacional dos presídios, a população carcerária feminina do Brasil entrou para o ranking como a terceira maior do mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. O número é ainda mais alarmante: 45% das mulheres presas hoje em dia estão em prisão preventiva – ou seja, ainda estão na fase de aguardar uma sentença da justiça.

De acordo com o artigo 316 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva não possui prazo para a sua duração, mas possui uma média de 90 dias corridos para ser revisada pelo órgão emissor. Caso não aconteça a revisão, a prisão se torna ilegal. Mas será que esse tempo é respeitado? Será que o período de prisão preventiva somado ao estado precário das prisões não se tornou uma punição antecipada para as mulheres que estão à margem do sistema prisional?

Vamos entender essas e outras questões aqui.

A precariedade do sistema carcerário brasileiro para mulheres

A situação atual das instituições prisionais revela que ainda são poucos os avanços na adaptação às necessidades específicas das mulheres encarceradas e as particularidades do gênero feminino. O contexto de insalubridade começa com a taxa de ocupação dos presídios femininos – o número ultrapassa os 150% de ocupação das vagas, ou seja, existem mais mulheres presas do que as instituições poderiam receber.

Dados mais recentes, mas ainda limitados, mostram que de janeiro a junho de 2024 a população feminina encarcerada no Brasil somava 28.770 presas, entre elas 212 eram gestantes e 117 lactantes. O Relatório de Informações Penais (Relipen) ainda mostra que além das mulheres presas, 119 filhos nascidos na prisão moram nas mesmas condições insalubres com suas mães.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que o sistema prisional brasileiro enfrentava um “estado de coisas inconstitucional”. Isso significa que havia problemas graves, como superlotação, condições desumanas e a violação de direitos básicos dos presos, causados por falhas nas estruturas das prisões e pela falta de políticas públicas eficientes. Porém, pouco mudou desde o reconhecimento pelo STF.

São Paulo é o estado com o maior número de pessoas presas, com a soma de 200.178 encarcerados, segundo dados da Relipen. Imagem: Getty Images

São Paulo é o estado com o maior número de pessoas presas, com a soma de 200.178 encarcerados, segundo dados da Relipen. Imagem: Getty Images

Condições das celas nos presídios femininos

Para entender sobre as condições carcerárias das presas no Brasil, precisamos traçar um perfil sobre quem elas são e quais são suas demandas — as básicas exigidas pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU ao qual todo ser humano tem direito e dever de receber.

De acordo com o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de 2018, as mulheres presas são negras (68%), brancas (31%) e jovens (50% das mulheres encarceradas têm entre 18 e 29 anos). Apesar desse retrato mudar de estado para estado, todas elas têm algo em comum: a necessidade de higiene básica, alimentação correta, atividades remuneradas e um programa de reintegração à sociedade.

Mas essa não é a realidade.

No começo desse ano, algumas penitenciárias do estado de São Paulo – o estado que mais encarcera no Brasil – foram inspecionados por uma visita surpresa do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Na visita, diversas práticas desumanas foram listadas pelas profissionais.

A perita se deparou com uniformes rasgados, colchões, toalhas e lençóis velhos, mas não para por aí. A média de investimento para 3 refeições diárias das detentas é R$ 8,00. No dia da investigação, as marmitas contavam com arroz, feijão e salsicha – em pouca quantidade e ainda menor teor nutricional.

Mulheres em presídio feminino. Imagem: Divulgação.  

Mulheres em presídio feminino. Imagem: Divulgação.

Saúde da mulher em presídios femininos

Ainda evidenciada pela MNPCT, a realidade dos presídios femininos só piora. Para conseguir um absorvente (de baixa qualidade), as mulheres precisam solicitar todos os meses à assistência social e, muitas vezes, os absorventes chegam após o término do ciclo menstrual.

Além disso, o acesso à água é limitado: a distribuição só é aberta após o meio-dia e obriga as mulheres a pagar, frequentemente com maços de cigarros, por tambores para armazenar água de um dia para o outro e terem como fazer suas necessidades ou ter água para uso próprio durante as manhãs.

Para as detentas grávidas, o descaso. Apesar do SUS ter um protocolo de pré-natal super articulado – seis consultas médicas obrigatórias e prioritárias, exame de curva glicêmica, ultrassons e parto humanizado -, essa não é a realidade das detentas. Ainda nas vistorias do MNPCT, as grávidas que não têm acesso à UMI (Unidade Materno Infantil), passaram por uma ou nenhuma consulta e relatam que já viram partos dentro das celas pela demora no atendimento médico.

Internas de prisão do Ceará fazendo aula de artesanato. Foto: SEDET-CE

Internas de prisão do Ceará fazendo aula de artesanato. Foto: SEDET-CE

O caso dos absorventes na prisão

Recentemente, tivemos uma derrota para o sistema penitenciário feminino: a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados rejeitou uma proposta de lei que obrigava os presídios femininos a fornecerem produtos básicos de higiene para as mulheres presas.

Entre os itens de higiene estão absorventes íntimos, papel higiênico, fraldas para mães com filhos e a obrigatoriedade de manter uma quantidade adequada para atender as necessidades de cada mulher. A proposta rejeitada é uma versão atualizada da Lei 59/23 (que também altera a Lei de Execução Penal) e foi relatada pela deputada Laura Carneiro (PSD).

Os motivos para a rejeição? O Sargento Fahur (PSD-PR), relator do projeto que rejeita a proposta de lei, disse em sua argumentação que é inaceitável o direcionamento de recursos para “prestar quaisquer privilégios a criminosos”.

Porém, um estudo da organização da sociedade civil Justa mostra que o custo para fornecer absorventes para pessoas presas que menstruam seria muito baixo em relação às despesas públicas. Tão baixo que se os estados brasileiros comprassem absorventes regularmente para atender as demandas das pessoas que necessitam, gastariam, em média, apenas 0,01% do orçamento destinado aos presídios.

Neste caso, a deputada Duda Salabert argumenta que retirar os direitos básicos das pessoas que menstruam é, além de incentivar a pobreza menstrual, “um misto de crueldade com sadismo”.

Pobreza menstrual afeta 40% das mulheres de baixa renda entre 14 e 24 anos do Brasil, de acordo com uma pesquisa feita pela Johnson & Johnson. Imagem: Getty Images. 

Pobreza menstrual afeta 40% das mulheres de baixa renda entre 14 e 24 anos do Brasil, de acordo com uma pesquisa feita pela Johnson & Johnson. Imagem: Getty Images.

Soluções para diminuir os maus-tratos em presídios femininos

Diante do cenário catastrófico do sistema carcerário feminino atual, precisamos pensar em soluções para reduzir ou anular os maus-tratos contra mulheres presas.

Porém, ao encarar a falta de sensibilidade de um Senado e Câmara dos Deputados (majoritariamente formado por homens brancos) que já se posicionaram contra mudanças em prol da saúde e bem-estar de presidiárias, que, diga-se de passagem, não deixam de ser seres-humanos quando são encarceradas, é difícil sugerir pautas realistas neste momento. Mas vamos tentar.

Ainda há uma luz no fim do túnel: o STF decidiu homologar o Plano Pena Justa nesta quinta (19). O projeto protocolado obriga a União e os estados a elaborarem um plano para enfrentar os problemas do sistema penitenciário. Ele também é formado por quatro vertentes: controlar quem entra e quantas pessoas podem estar no sistema prisional, melhorar os serviços e as condições das prisões, ajudar as pessoas presas a se reintegrarem na sociedade e evitar que os problemas graves apontados pelo STF voltem a acontecer.

O plano também tem indicadores, metas para os próximos três anos e a esperança de que dias melhores podem chegar para as milhares de mulheres presas no Brasil hoje.

Mulheres grávidas e criança de colo em presídio brasileiro. Foto: Mario Tama

Mulheres grávidas e criança de colo em presídio brasileiro. Foto: Mario Tama

A importância da reabilitação social de mulheres presas

A reabilitação social de mulheres presas é fundamental para proteger sua volta para a sociedade e reduzir a famosa reincidência criminal. Programas de educação, capacitação e apoio psicológico são exemplos de ferramentas essenciais para prepará-las para uma vida fora do sistema.

Além disso, iniciativas como as cooperativas de trabalho, que oferecem oportunidades de emprego e renda, têm mostrado resultados positivos na ressocialização dessas mulheres. Um exemplo disso é a Coostafe, cooperativa em Belém que é considerada o maior projeto de reinserção da Seap (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária) e incentiva mulheres presas a se reabilitarem através do empreendedorismo.

Por fim, mas não menos importante, vale ressaltar a importância do trabalho da Libertas – uma iniciativa formada por mulheres que superaram o encarceramento e encontraram uma oportunidade de recomeçar. Com o apoio de outras colaboradoras, o coletivo estabeleceu em sua sede a produção de itens sustentáveis dentro de um modelo cooperativo com mulheres recém libertas, além de promover aulas abertas e organizar eventos.

Saiba mais sobre esse projeto inspirador no perfil da Libertas no Instagram.

 

A realidade enfrentada pelas mulheres no sistema carcerário brasileiro é reflexo direto da negligência histórica e estrutural com os direitos humanos. Enquanto enfrentam superlotação, insalubridade e falta de políticas públicas eficazes, essas mulheres continuam sendo invisibilizadas por um sistema que deveria, além de puni-las através de uma sentença justa, também reintegrá-las à sociedade. Aqui entendemos a importância da luta pelos direitos básicos de higiene, políticas públicas e um caminho esperançoso pela reabilitação e dignidade dessa população.

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