“Nossos filhos nada fizeram para estar mortos”. O desabafo indignado é de Bruna da Silva, mãe de Marcus Vinícius da Silva, morto aos 14 anos, em 2018, a caminho da escola, durante operação da Força de Segurança Nacional com a Polícia Civil, na Maré, na época da intervenção federal no Rio.
Bruna foi uma das mães que participaram do ato da ONG Rio de Paz, neste sábado, dia 4, na Lagoa, em repúdio à ordem do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de retirar o mural da organização em memória das crianças mortas por bala perdida, há uma semana. A manifestação aconteceu no mesmo local onde havia o memorial. Lá, pais das crianças e voluntários da ONG empunharam as mesmas 49 fotos das vítimas (mortas entre 2020-2024, no governo Cláudio Castro), que foram arrancadas pela prefeitura. No local, também foi aberta uma faixa com a seguinte frase: “morte de crianças: a face mais hedionda da guerra”. Todo o material foi recolhido após o ato. Mas as placas com os nomes dos PMs, que a prefeitura não retirou da Lagoa, permanecem no local.
O momento mais emocionante da ação foi quando os nomes das crianças foram lidos em voz alta e, a cada vítima, todos gritavam “presente”.
Além de Bruna, participaram Thamires Assis, mãe de Ester, morta aos 9 anos; Celine Palhinhas, mãe de Lorenzo Palhinhas, morto aos 14; Priscila Menezes, mãe de Thiago Menezes, morto aos 14 anos; Rafaela Matos e Neilton Costa, pais de João Pedro Matos, morto aos 14 anos; Aline e Henrique Gonçalves, pais de Arthur Moreira, morto aos 13 anos; e outras mães e parentes de vítimas mortas pelo estado, como as Mães de Manguinhos, e integrantes de instituições de Direitos Humanos.
“Eu achei muito importante participar, pois nossas crianças merecem justiça, e o mais importante: respeito com suas memórias” disse Thamires Assis, mãe de Ester, morta em 2023, em Madureira, quando voltava da escola. No momento, havia confronto entre criminosos.
Celine Palhinhas, é mãe de Lorenzo Palhinhas, morto aos 14 anos. O adolescente levou um tiro pelas costas, no Chapadão, onde morava, ao ser abordado por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em outubro de 2022. Horas antes, um agente da PRF havia sido morto em tentativa de assalto, na região, e a polícia estava na comunidade. Na época, o menino ainda foi incriminado pela polícia que alegou que o adolescente tinha envolvimento com o tráfico, o que foi negado pela família desde o início do caso e comprovado nas investigações. O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação contra a União pedindo indenização à família.
“Para mim, ter ido foi muito importante. Gostei de estar com outras mães, que eu já conheço dessa luta por justiça, e de estar com o Rio de Paz, que fizeram o primeiro acolhimento quando perdi o Lorenzo, com toda atenção e carinho e que fizeram a placa com nome ele e a foto fazendo que a lembrança dele seja presente “, disse Celine.
“Achei bem impactante. Quando eu soube que as fotos não seriam colocadas novamente, chorei. Isso mexeu comigo”, lamentou Priscila Menezes, mãe de Thiago Flausino Menezes, de 14 anos, morto por PMs, na Cidade de Deus, agosto de 2023. Na época, a PM publicou nas redes sociais da corporação que o menino era bandido e depois tirou a publicação quando foi provado que Thiago não era criminoso.
O fundador da ONG Rio de Paz, Antonio Carlos Costa, afirmou que as manifestações não vão parar enquanto essas mortes não cessarem.
Desrespeito de Paes
“Era o momento de o prefeito nos chamar e dizer ‘olha, a situação é gravíssima. Obrigado pelo que vocês estão fazendo’. Isso não houve. Nós nos sentimos profundamente desrespeitados”, disse Antonio Carlos. “Ele vê as imagens nos telejornais dos parentes chorando sobre as fotos aqui (há uma semana) e tira tudo. Nós não vamos arredar o pé. E se houver resistência, nós vamos encontrar meios democráticos, pacíficos e criativos de perturbar a cidade. Nós não vamos parar enquanto essas mortes não chegarem ao fim. A gente só não quer conviver com a vergonha de saber que crianças estão morrendo por bala perdida”.
Antonio Carlos reabte o argumento de que a homenagem às vítimas é prejudicial ao turismo do Rio. “E se alguém está preocupado com o turismo no Rio de Janeiro, é importante que seja dito que, nós cariocas, temos que nos preocupar com a imagem do Rio como um todo. E faz parte dessa imagem o caráter da sua população. Uma população que cruza os braços diante desse morticínio torna a vida dessa cidade mais feia”, diz.
“O Rio de Janeiro não é só a Lagoa Rodrigo de Freitas, com toda sua exuberância, ou o Corcovado, Baía de Guanabara, a beleza das nossas praias, somos nós, cariocas. Nós estamos emitindo uma nota para o país inteiro: que aqui não é uma sociedade de frouxos, de indiferentes, de covardes, e que não vamos esperar que o problema chegue ao nosso quintal para gritar”, destaca. “Como é que você cruza os braços quando o prefeito, numa atitude de completa indiferença para com os sentimentos da população, toma uma decisão como essa? Nós estamos irados com o que houve, com essas mortes e com o arbítrio, que nos remete para os Anos de Chumbo, para um período da história do nosso país que não queremos que volte mais”.
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