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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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Quem tem medo de militantes?

Um ativismo pelo apagamento de ativistas
13/03/2025 | 05h16
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O governador de Washington (EUA) mandou apagar a enorme inscrição do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) em uma das avenidas da cidade. Em tempos de extrema direita e nazismo naturalizados na mídia e de Donald Trump no firme propósito de borrar, estigmatizar e ridicularizar lutas históricas, é curioso observar agora os movimentos que surgiram há cinco anos, na esteira dos protestos mundiais pela morte de George Floyd, pois o que está em jogo neste momento não é um assassinato como estopim de revoltas antigas, mas o próprio direito ao protesto.

É de longa data uma tentativa generalizada em esvaziar o significado de ser “militante”. O adjetivo virou chacota e termo pejorativo na fala não apenas de políticos, mas de pessoas incapazes de olhar para as próprias vidas e enxergar os benefícios que possuem graças às lutas de pessoas que militaram, ou seja, combateram por uma causa. A lista é enorme e vai de direito à alimentação, a moradia, ao trabalho remunerado, ao descanso semanal, a férias, ao voto… até o direito de qualquer ser humano professar uma fé, nascer e viver em liberdade, independente da origem, religião ou cor da pele. É o trabalho de militantes ao longo dos séculos que ergueu quase tudo que não seja pura exploração e desumanização.

É tarefa de ditaduras sufocar violentamente manifestações pacíficas e opiniões contrárias. Apenas uma ditadura seria capaz de deter e ameaçar de deportação o sírio Mahmoud Khalil, aluno da Universidade de Columbia e, vejam, militante pela causa palestina. Apenas um regime despótico ameaça, agride e sufoca idosos octogenários pleiteando dignidade na aposentadoria, como a senhora argentina de 87 anos golpeada na cabeça nos protestos da última quarta-feira (13/03).

Contrariando a lógica das redes sociais sedentas por respostas rápidas e imediatismo vingativo, uma democracia real segue leis que precisam analisar processos. Por outro lado, o aprofundamento do fascismo no mundo demanda, além de coragem, muita estratégia de quem está nas trincheiras mais visadas. O movimento Black Lives Matter, por exemplo, diante das ameaças truculentas de perseguição e prisão de universitários feitas por Trump em post no X, respondeu na mesma rede: “Neste ponto ele está praticamente implorando para que as pessoas protestem para que ele possa dar os próximos passos em seu regime autoritário”. Isto significa um entendimento de que é também uma isca para perseguir, encarcerar, calar e apagar.

Uma lista com 200 palavras proibidas nos documentos e trabalhos governamentais dá conta do pânico que as mais novas e inusitadas ditaduras sentem de quem briga de verdade pelo que acha justo, um pavor impossível de esconder, uma covardia que se esconde atrás de canetadas, forças policiais armadas e derramamento de sangue.

No Brasil, aqueles que invadiram, depredaram e agrediram no desejo de implantar uma “ditadura constitucional” (sic), os que imploraram por uma intervenção militar agarrados aos muros dos quartéis, os que confiaram cegamente na impunidade por acreditarem que estavam salvando a nação dos terríveis comunistas lotam a prisão ainda vociferando palavras de ordem saídas dos anos de golpe militar. Nomeiam-se patriotas, mas são — adivinhem — militantes… por causas nada nobres, mas são. E golpistas. Muitos de seus mais ardentes membros passeiam pelo mundo tramando, buscando apoio pela causa que os apaixona e cega. Há um ativismo intenso por este grupo específico e pelo apagamento e eliminação de ativistas por questões que realmente tragam alguma equidade ao país e ao mundo.

Por fim, a lição está aí com o próprio Black Lives Matter: “Eles podem lavar nossos murais, mas não podem apagar nossa história”. Não poderão se soubermos que história é esta. Fica a dica.

 

 

 

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