Por Cristiane Sampaio — Brasil de Fato
A Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado pode votar, nesta terça-feira (6), uma proposta que acaba com a saída temporária de detentos dos presídios. De autoria do deputado federal Pedro Paulo (MDB–RJ) e já aprovado pela Câmara, o projeto de lei 2253 é de interesse da bancada da bala e conta com relatório favorável do senador Flávio Bolsonaro (PL–RJ). A medida é criticada por entidades civis do campo progressista, para as quais a eventual aprovação do texto representaria um retrocesso na política de ressocialização de presos no Brasil.
Prevista na Lei de Execução Penal, a saída é vista como uma política humanizada porque permite aos detentos a possibilidade de conservar laços familiares, bem como estudar ou trabalhar, favorecendo a ressocialização gradual do apenado.
“São conquistas já de anos graças à melhoria no olhar do sistema penal”, assinala a presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Rivana Ricarte, entidade crítica ao PL.
A Rede de Justiça Criminal, organização que atua pela garantia dos direitos humanos no âmbito do sistema de Justiça, pontua que as saídas não são dirigidas ao conjunto da população carcerária, sendo restritas a detentos que apresentem bom comportamento. Além disso, não valem para condenados em alguns tipos penais, como no caso de homicidas. O chamado “Pacote Anticrime”, oficializado por meio da lei nº 13.964/ 2019, implementou outra proibição, a de que a política não deve valer para condenados por crimes hediondos.
“E o benefício da saída temporária é concedido para os presos que estão no regime semiaberto, ou seja, é quando o preso já ingressou no sistema prisional, teve sentença, progrediu de regime após uma avaliação de critérios objetivos e subjetivos, e ele está no regime semiaberto, então, sai da unidade prisional para trabalhar e, em geral, retorna”, afirma o advogado Leonardo Santana, da Rede.
Em seu relatório de defesa do PL, Flavio Bolsonaro disse que a proposta seria “conveniente e oportuna”. “A revogação do benefício da saída temporária, da mesma forma, é medida necessária e que certamente contribuirá para reduzir a criminalidade. São recorrentes os casos de presos detidos por cometerem infrações penais durante as saídas temporárias”, argumenta o parlamentar. A Rede de Justiça Criminal questiona a afirmativa.
“Os dados que temos sobre saída temporária comprovam que há uma taxa de retorno alta e que os crimes que ocorrem na saída temporária são numericamente muito inferiores ao êxito da medida. Esses casos chocam a população e alguns senadores os utilizam como argumento para tentar sustar uma política a partir das exceções, mas, quando você veda a saída temporária e reduz a quase zero as chances de ressocialização, você, na verdade, aumenta os índices de violência”, afirma Leonardo Santana.
A entidade cita ainda dados do Infopen — Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2019, segundo os quais a taxa de fugas no sistema prisional do Brasil foi de 0,99% no período. O índice abarca não só aquelas ocorridas durante saídas temporárias, mas também as que foram registradas durante transferências ou em outras ocasiões. Naquele ano, a medida da saída temporária foi concedida a 20,17% da população carcerária, o correspondente a 161.271 pessoas.
“Sempre vai acontecer de pegarem um caso isolado e usarem como se fosse a regra, mas não estamos fazendo aqui uma discussão pautada só no que se gosta de dizer midiaticamente. Isso de falar que as saídas temporárias favorecem as fugas é algo que estigmatiza as outras situações, ou seja, as que são bem-sucedidas”, argumenta Rivana Ricarte.
O PL também fixa a obrigatoriedade de realização de exame criminológico para a progressão de regime. A prática consiste em uma análise feita por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais para avaliar se um preso está apto a progredir. “No caso específico do ingresso no regime aberto, além das atuais condições, [o PL] estabelece que o condenado deve apresentar fundados indícios de que irá ajustar-se ao novo regime com baixa periculosidade, o que será demonstrado pelos resultados do exame criminológico”, argumenta o senador em seu parecer de defesa do projeto.
Para a Rede de Justiça Criminal, a aprovação dessa regra agravaria o contexto de superlotação dos presídios. A entidade ressalta ainda que não há meios que assegurem a constatação sobre se um condenado voltará a entrar em conflito com a lei. “A gente se ampara na experiência das pessoas que lidam com o sistema carcerário e principalmente no que aponta o Conselho Federal de Psicologia, que afirma ser impossível garantir se uma pessoa vai ou não voltar a delinquir por meio de um exame. Esse instrumento não faz sentido. Apesar disso, essa medida é sempre ressuscitada nesse tipo de debate”, diz Santana.
O advogado acrescenta que o sistema prisional não conseguiria garantir a operação necessária à realização de um exame dessa natureza. “As unidades muitas vezes não têm sequer o profissional para fazer. O único objetivo de se retornar a esse debate é impedir a própria progressão de regime. Isso causaria uma explosão no sistema carcerário, e explosão no sistema carcerário gera maior controle das organizações criminosas sobre o sistema. É isso que acontece.”
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