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Nunca gostei da exposição frívola de sentimentos pessoais ou de estados de alma na vida política, aquilo a que alguns chamam humanização do discurso — quem nada tem a dizer sobre a política, fala de si próprio. Mas gostei de ver Guilherme Boulos falar da miséria da campanha e do sofrimento da sua família. Compreendo a indignação e acho que ela deve ser exposta. E, mais, acho que essa indignação deve ser usada como argumento político. No sorriso boçal do outro candidato podemos adivinhar a mais completa ausência de consciência de culpa ou de embaraço — a coisa está a resultar, diz ele. Depois explica: “No processo eleitoral, me perdoe, você tem que ser um idiota. Infelizmente a nossa mentalidade gosta disso. E, por ser um povo que gosta disso, eu preciso produzir isso”.

Portanto, é assim: ele, o candidato, não é um idiota, ele oferece-se como idiota, ele sacrifica-se como idiota para servir os gostos do povo — que gosta de idiotas. É assim que o magnífico candidato vê a vida política brasileira: uma competição idiota de insultos.

Vejo para aí desenvolvido o argumento de que a culpa de tudo isto não é do povo, mas da política. É a política que não dialoga, que não esclarece, que não elucida convenientemente. Então, assim desinformado, o povo é levado ao engano por estes protagonistas. Sim, só pode ser um equívoco, porque o povo, sendo por definição virtuoso e puro, não apoia indignidades. Bom, lamento discordar — apoia, sim senhor. E, se queremos ter uma conversa adulta sobre o fenômeno, talvez seja altura de pôr de lado a conversa politicamente correta.

Reconheçamo-lo: estes candidatos passeiam arrogantemente a sua ignorância nos assuntos da governação porque sentem que o insulto tem apoio popular. Não há qualquer engano, a aprovação popular resulta exatamente de serem como são — vulgares, maldizentes, incapazes. Não é falta de informação, é puro niilismo: há uma parte do eleitorado a quem parece não interessarem os fatos, nem a verdade e muito menos a razão política. E o refúgio do niilismo sempre foi o vitupério, a violência e a terra arrasada.

Mas se o fenômeno surpreende, a estratégia de resposta parece também não encontrar consenso. Para alguns, o caso reclama imediatamente juiz e cadeia (nunca percebi porque é que precisam de juiz se reclamam cadeia). Esta é uma das mais vulgares doenças brasileiras — a ilusão de que tudo se resolve na Justiça. Não, não resolve. O problema é essencialmente político (essencialmente, não exclusivamente).

Não posso estar mais de acordo com aqueles que defendem que este tipo de candidato precisa de ser derrotado nas urnas, não em audiências de julgamento. Lembro-me muito bem do debate sobre Bolsonaro e de como sempre me arrepiou a ideia de impedir judicialmente a sua recandidatura.

Pela minha parte, gostei de ver Guilherme Boulos falar de São Paulo. Gostei de o ouvir falar da necessidade de dar resposta política às duas questões centrais da cidade: a segurança e a desigualdade. Afinal, as duas faces do mesmo problema — o combate ao crime e o combate às causas do crime. Mas gostei sobretudo da sua atitude, de o ouvir dizer que é hoje um homem mais maduro, um homem que cresceu politicamente apreendendo as virtudes do diálogo e do compromisso como forma de progresso social. E gostei de o ver lembrar os seus entrevistadores que verdadeiramente radical são as obscenas desigualdades sociais na cidade mais rica da América Latina que ele nunca ignorou e que sempre combateu. Gostei de ver uma liderança empenhada em criar um novo horizonte de modernidade e de justiça para a cidade. Gostei de o ouvir dizer que se ganhar a eleição será Presidente de todos. Gostei de ver um homem político preparado.

A minha convicção é que a resposta ao niilismo social se encontra na própria política. A resposta à política de terra queimada é a sua derrota nas urnas. De forma simples: se a democracia é o governo do povo, é ao povo que a compete defender. E aí estamos outra vez. Outra vez a extrema-direita. Outra vez o centro político obrigado a escolher entre a política e o caos. Entre a decência e a ignomínia. Outra vez. Em última análise, esta eleição é uma réplica. Uma réplica do bolsonarismo. Pois que seja. Aqui, nesta disputa eleitoral, se forjarão as futuras lideranças da esquerda e da direita. São Paulo já era uma eleição nacional, agora ficou mais.

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