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José Sócrates

Primeiro-ministro de Portugal, de 2005 até 2011

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Aquela fotografia

A direita não tem candidato, a esquerda tem
23/12/2024 | 05h00

Aquela fotografia da Folha de S. Paulo é muito significativa — o presidente caminhando e sorrindo. Não é apenas a boa saúde que impressiona, mas o ar descontraído e seguro de si. Pronto para o que aí vem. De certa forma a fotografia é uma resposta política à questão da idade — estou bem e vou lutar mais uma vez. A campanha começou.

Depois do que se passou nos Estados Unidos, Lula da Silva sabe muito bem que a batalha vai ser difícil e sabe, principalmente, que vai ser suja. Um dos temas em que os seus adversários mais vão insistir será, seguramente, as limitações que a idade coloca. Não me parece que vão longe. Primeiro porque o Presidente está bem fisicamente. A agitação do fantasma de Biden não terá sucesso pela simples razão de que Lula não está envelhecido, como estava o ainda presidente americano. Segundo, porque o presidente está muito bem intelectualmente. A sua longa experiência política e a sua preparação política fazem dele um candidato quase imbatível. E, no meu ponto de vista, esse é o aspecto determinante: no atual momento do mundo os brasileiros valorizarão a experiência, não o aventureirismo. Lula da Silva é o candidato mais preparado para o cargo — julgo que nisso todos (mesmo os seus adversários) podemos concordar.

Dirão que não deveria candidatar-se. Afinal, que mais tem a provar? Bom, em primeiro lugar, quem conhece a natureza do homem político sabe bem que para este haverá sempre mais uma batalha a travar. Mas a razão que me leva a dizer que Lula da Silva será candidato é que não tem alternativa — seja ou não seja candidato, será dele a responsabilidade pelos resultados eleitorais. A próxima batalha presidencial será sempre a sua batalha — queira ele ou não queira. Será assim que os seus adversários julgarão e será assim que os seus correligionários analisarão os próximos resultados. Assim sendo, não tem alternativa – Lula será candidato.

A verdade é que a candidatura de Lula deixa a direita inquieta. Por uma razão elementar — a direita não tem candidato, a esquerda tem. Mais ainda. A direita vai passar os próximos tempos a explicar como pôde andar todos estes anos a conviver com golpistas. A conviver com eles e a votar neles. O caminho para a democratização da direita, a rota para ganhar de novo o respeito democrático dos adversários e a confiança democrática dos eleitores vai ser lenta. Muito lenta.

Neste quadro político a tentação da direita não será a de se reformar enquanto projeto político, como seria absolutamente necessário que o fizesse, em benefício da democracia brasileira. Não será a de construir um novo projeto que aspire a ter uma maioria social de apoio. A tentação da direita vai ser a de atacar. Atacar o adversário. Atacar tudo o que mexe. Atacar a esquerda, atacar o seu líder, usar todas as formas para diminuir o atual presidente.  E, por favor, não me entendam mal: não será só a extrema direita, será toda a direita. Serão todos aqueles que, sinceramente, nunca suportaram o regresso de Lula da Silva à Presidência do Brasil.  A esses nada mais restará que não seja o ataque da idade. Um deles, escreveu esta semana que o presidente “está convencido que é imorrível. Em último caso, a falta de melhor, irá às eleições em 2026 amarrado ao cavalo, como El Cid”. Um homem de espírito, este colunista. Que belo contributo da elevação do debate político. Nas semanas em que se discute a revelação do mais sórdido golpismo de Estado, o brilhante intelectual não encontra outro tema que não seja o de gracejar com a idade do presidente. Perceberam agora? A direita ficou furiosa com a fotografia. Ficou furiosa por ver o ar jovial do presidente caminhando e conversando com o seu médico nos corredores do hospital. Aquela fotografia. Aquela maldita fotografia.

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