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Rotina de atendimento em bet tem clientes desesperados e até ameaças de morte

Agente de suporte da Blaze diz que lida diariamente com histórias de quem perdeu tudo
10/10/2024 | 20h55

Por Lucas Lacerda

(Folhapress) — A rotina de trabalho no setor de suporte em uma plataforma de bets envolve desde tirar dúvidas sobre saque de dinheiro até pedidos desesperados de ajuda.

Segundo uma profissional da plataforma Blaze, ouvida pela Folha, as jornadas são de oito horas e chegam a dez nos fins de semana, com cerca de 160 atendimentos diários por meio de chat.

A empresa, registrada em Curaçao, afirma ter mais de dois milhões de jogadores registrados e exibe parcerias nas redes sociais com o jogador Neymar Jr. e a influenciadora Virgínia, entre outras celebridades.

Zélia (nome fictício) afirmou que a maioria das solicitações trata de dúvidas sobre os prazos para o dinheiro sacado da plataforma cair na conta dos usuários. Mas também há relatos de quem perdeu tudo e de quem implora para que a própria conta seja excluída e, ainda, ameaças de morte — embora ela atenda de forma anonimizada — e menção a suicídio.

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A Blaze possui parceria com grandes nomes, como Neymar Jr. (Foto: Reprodução/Redes sociais)

Mesmo para pedidos de ajuda ou situações extremas, os atendentes só podem responder com mensagens aprovadas dentro dos protocolos de atendimento, o que causa desconforto em diferentes situações, segundo Zélia. “É complicado, nós ficamos abalados e depois temos que continuar como um robozinho”.

Se uma pessoa, por exemplo, pede a exclusão da conta, recebe apenas um banimento temporário de 30 dias, segundo o relato da profissional. Depois desse prazo, a conta é reativada e o usuário pode voltar a apostar.

“Tem casos em que sei que parentes tentam encerrar pela outra pessoa, e a gente não pode, porque exigem o documento dela e precisam que a pessoa diga que é ela mesma, a dona da conta, a não ser que prove que é incapaz”.

A companhia, uma das autorizadas pelo Ministério da Fazenda para operar no Brasil, afirmou, em nota, que casos sensíveis — que envolvem vício ou mencionam suicídio — recebem o devido tratamento. “A opção de exclusão definitiva está disponível e é tratada com rigor para assegurar que os direitos do usuário sejam respeitados. Os colaboradores, por sua vez, são orientados a seguir protocolos para fornecer a assistência necessária aos usuários”.

A companhia disse também que a regulamentação envolve o aprimoramento de códigos de conduta, diretrizes de jogo responsável e a capacitação e o treinamento constantes dos colaboradores.

Mensagens mais extremas que chegam pelas solicitações, como as menções a suicídio, devem obedecer a um protocolo específico, segundo Zélia. Os atendentes enviam informações de contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida) junto com uma mensagem pedindo que a pessoa evite uma atitude precipitada e irreversível. Para ela, falta algum tipo de humanização no atendimento, apesar dos treinamentos para lidar com este tipo de situação.

A Blaze afirmou que qualquer caso identificado é comunicado aos superiores, “que então encaminham para as assistências apropriadas, garantindo que as medidas adequadas sejam tomadas para apoiar o usuário”.

Disse, ainda, que colabora ativamente para o desenvolvimento do setor, divulgando informações sobre jogo apenas para maiores de 18 anos e com a definição de limites de gastos e opções de auto exclusão, temporária ou permanente.

Há cerca de um ano na função, Zélia é contratada como pessoa jurídica e diz receber US$ 4 (cerca de R$ 21,92 na cotação atual) por hora trabalhada. É o salário que faz o trabalho ser atrativo, diz ela, que tenta desconectar a rotina de trabalho com o impacto que ela vê que o jogo causa na vida financeira e emocional dos usuários.

Proibição de sites de aposta e bets

Na opinião da profissional, cassinos online e bets em geral deveriam ser proibidos no Brasil. “Apesar de ser algo que me sustenta, desejo que encerrem todas as casas de aposta, porque vejo isso acabando com a vida de muita gente”.

O poder dos jogos de cassino online, modelo da Blaze, está tanto na roupagem quanto na facilidade de alcance, segundo o psiquiatra Rodrigo Machado, pesquisador do Ambulatório de Transtornos do Impulso, unidade do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da USP.

“Só era possível o contato com jogos de azar se fosse num cassino presencial. Se lembrarmos, no Brasil, da época anterior à proibição de 2008, eram cassinos clássicos, como o da avenida Sumaré. Com o smartphone, o jogo ganhou terreno”.

Para isso, os desenvolvedores também adaptaram características visuais de videogame, justamente para captar novos públicos, segundo o especialista, junto das parcerias com diferentes celebridades e influenciadores.

Casos de desespero ou com teor de suicídio, como os relatados por Zélia, da Blaze, já são um estágio evidente de adoecimento. Segundo Machado, quem busca ajuda vai precisar de muito apoio da família. Para isso, é preciso que a pessoa evite as mentiras e abra o jogo quando notar que está com algum tipo de apuro financeiro ligado ao jogo.

Leia a nota da Blaze na íntegra

A Blaze é uma plataforma global de entretenimento comprometida a operar em total conformidade com todas as regulamentações vigentes nos países em que está presente. A companhia foi autorizada a seguir atuando no Brasil durante o período de adequação à regulamentação do setor, conforme divulgado nesta terça-feira (1º de outubro) pelo Ministério da Fazenda. Esse processo envolve a obtenção de certificações, armazenamento com segurança de dados pessoais e informações sensíveis em plataformas certificadas (com ISO 27001), aprimoramento das políticas diversas, códigos de conduta, diretrizes de jogo responsável e capacitações e treinamentos constantes de colaboradores.

A companhia reforça que colabora ativamente para o desenvolvimento do setor, facilitando a compreensão e o uso recreativo das plataformas de apostas por meio de informações e ferramentas que incentivam o jogo responsável somente para maiores de 18 anos e que promovem a autonomia do usuário a partir da definição de limites de gastos e opções de auto exclusão, seja ela temporária ou permanente.

Casos sensíveis, como aqueles que envolvem vício ou menções a suicídio, recebem o devido tratamento. A opção de exclusão definitiva está disponível e é tratada com rigor para assegurar que os direitos do usuário sejam respeitados. Os colaboradores, por sua vez, são orientados a seguir protocolos para fornecer a assistência necessária aos usuários. Além disso, qualquer caso identificado é prontamente comunicado aos superiores, que então encaminham para as assistências apropriadas, garantindo que as medidas adequadas sejam tomadas para apoiar o usuário.

Onde buscar ajuda

  • CVV (Centro de Valorização da Vida)
    Voluntários atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188, por chat, via e-mail ou diretamente em um posto de atendimento físico.
  • NPV (Núcleo de Prevenção à Violência)
    Os NPVs são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
  • Pronto-Socorro Psiquiátrico
    Ideação suicida é emergência médica. Caso pense em tirar a própria vida, procure um hospital psiquiátrico e verifique se ele tem pronto-socorro. Na cidade de São Paulo, há opções como o Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo, o Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya.
  • Mapa da Saúde Mental
    O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos, além de ações voluntárias realizadas por ONGs e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.

 

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