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Por Iago Filgueiras*
Antonieta de Barros foi uma figura pioneira na política e história brasileira. Professora, escritora e jornalista, ela foi a primeira parlamentar negra eleita no país. Ao longo da vida, converteu a educação em sua principal bandeira e usou sua voz para combater o racismo, defender a igualdade de gênero e o papel transformador do conhecimento.
Entre suas contribuições está a primeira legislação sobre o Dia dos Professores, que regulamentou a data em Santa Catarina. Além da simples celebração, Antonieta era uma mulher consciente da importância do educador em um país fortemente marcado pela desigualdade social.
Embora seja uma importante figura histórica, o nome de Antonieta de Barros ainda é desconhecido do grande público. Por isso, resgatar sua história não é apenas um ato de reconhecimento, mas um convite à reflexão sobre o papel da educação na sociedade e os desafios enfrentados pelos professores na atualidade.
Quem foi Antonieta de Barros?
Antonieta de Barros nasceu em Florianópolis, no estado de Santa Catarina, em 11 de julho de 1901. Perdeu o pai, Rodolfo José de Barros, ainda na infância. Foi criada pela mãe, Catarina de Barros, uma ex-escravizada que trabalhava como lavadeira na casa da família Ramos, um importante clã político da época.
Inserida em uma realidade marcada pela pobreza e pelo preconceito racial, desde cedo aprendeu a enfrentar as inúmeras barreiras que a sociedade lhe impôs.
Durante a infância, sua mãe converteu a casa da família em uma pensão para estudantes. O contato com a educação lhe despertou interesse e, aos 5 anos, foi alfabetizada pelos alunos que frequentavam sua casa. Antonieta sonhava em cursar direito, mas outra barreira se impôs: a de gênero. Na época, o curso era exclusivo para homens.
Aos 17 anos entrou na escola de magistério, onde fez o Curso Normal para se tornar professora. Em 1922, para alfabetizar pessoas carentes, inaugurou o Curso Particular Antonieta de Barros, que dirigiu até sua morte em 1952. Além da carreira na educação, também atuou como escritora, parlamentar e jornalista, sendo a primeira mulher negra a trabalhar na imprensa de Santa Catarina.

Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra a ser eleita para um cargo legislativo no Brasil, apenas três anos após a regulamentação do direito ao voto feminino. Foto: reprodução
A luta política foi uma constante para a família Barros. Seus irmãos foram ativistas das primeiras organizações negras ainda na década de 1920, e um deles chegou a fundar um sindicato. Escrevendo em diversos jornais de Florianópolis sob o pseudônimo “Maria da Ilha”, Antonieta afrontou a realidade da época e ousou falar sobre o papel libertador da educação, o poder feminino, o racismo e os desmandos políticos.
Em 1929, ela participou da fundação da Liga do Magistério Catarinense, uma organização voltada para o fortalecimento da categoria e defesa dos professores no estado de Santa Catarina. Ao longo da vida, se tornou uma referência na educação, tendo dirigido importantes escolas e lecionado para membros da elite do estado.
Ocupar espaços historicamente negados a pessoas negras — sobretudo às mulheres — rendeu a Antonieta diversos ataques. Ao atender o telefone de sua escola, eram comuns os trotes com falas racistas, mas a defesa do papel revolucionário da educação como ferramenta de transformação e libertação sempre pautou sua carreira.
Em 1937, publicou o livro “Farrapos de Ideias”, no qual escreveu: “A grandeza da vida, a magnitude da vida, gira em torno da educação”. Com o valor arrecadado na venda da primeira edição da obra, Antonieta construiu uma escola para as crianças filhas de pais internados, vítimas da lepra.
Sua trajetória lhe rendeu destaque e prestígio, o que a levou a ser eleita deputada estadual pelo estado de Santa Catarina em 1934.
Primeira parlamentar negra eleita no Brasil
A vida de Antonieta de Barros sempre foi política. Mas seu ingresso na esfera institucional veio apenas dois anos após a lei que estabeleceu o direito ao voto feminino no Brasil. Pioneira, ela foi a primeira parlamentar negra da história brasileira, sendo uma das três mulheres eleitas até então.
Uma professora no legislativo
Sua atuação na Assembleia Legislativa de Santa Catarina foi marcada pela defesa da universalização da educação e fortalecimento do magistério. Como constituinte, chegou a escrever os capítulos “Educação e Cultura” e “Funcionalismo” da Constituição Catarinense de 1935.
Com o início da ditadura do Estado Novo, instaurada por Getúlio Vargas em 1937, as casas legislativas foram fechadas em todo o país e Antonieta teve seu mandato interrompido. Ela só retornou ao parlamento estadual em 1948, após o afastamento de José Boabaid, de quem era suplente.

Antonieta de Barros (a 3ª pessoa sentada, da esquerda para a direita) na posse para o cargo de deputada estadual por Santa Catarina, em 1935. Foto: reprodução
Durante o mandato, ela lutou por concursos públicos para o cargo de professor, atuou para reduzir a influência política na indicação de diretores escolares, promoveu bolsas de estudo para ampliar o acesso ao ensino superior para alunos carentes e defendeu a estruturação da carreira docente.
No parlamento, Antonieta de Barros foi fortemente criticada por sua atuação, principalmente pela defesa da universalização da educação e fortalecimento do magistério. Em 1951, o então deputado estadual Oswaldo Rodrigues Cabral disse que ela estaria fazendo “intriga barata de senzala”, expondo como o racismo era o argumento principal de quem se opunha às ações da parlamentar.
A resposta de Antonieta foi categórica, emocionante e veio em um texto publicado no jornal catarinense O Estado, em maio de 1951:
Na verdade não há intriga, porque não houve, mas as considerações em torno da situação ‘desoladora do ensino público’ foram ditadas pelo coração de uma negra brasileira, que se orgulha de sê-lo, e que ‘nunca se pintou de outra cor’, que nasceu, trabalhou e viveu nesta e que bendiz a Mãe, a santa Mãe, também negra, que a educou, ensinando-a a ter liberdade interior, para compreender e lastimar a tortura dos pobres escravos que vivem acorrentados, no mundo infinitamente pequeno das cousas infinitamente pequeninas e insignificantes – Não voltemos ao assunto.
Antonieta de Barros e o Dia do Professor
Antonieta de Barros fez da educação a sua maior bandeira política. Para ela, valorizar os professores era mais do que atender a uma demanda profissional, mas investir no conhecimento como ferramenta essencial para transformar o país. Por isso, valorizar a categoria foi uma bandeira fundamental para seu mandato.
Qual a origem do Dia do Professor?
Comemorado em 15 de outubro, o Dia dos Professores remonta ao século 16. Em 4 de outubro de 1564, morreu Santa Teresa de Ávila, personagem católica considerada padroeira dos docentes. Mas em 1582, com a reforma no calendário pelo Papa Gregório XII, a data de morte passou a ser considerada 15 de outubro.
Em 1827, no simbólico dia consagrado à santa, D. Pedro I baixou o decreto que criou o ensino elementar no Brasil. A legislação estipulou que todos os municípios brasileiros deveriam ter uma Escola de Primeiras Letras (equivalente ao Ensino Fundamental atualmente), além de estipular salários e formas de contratação para professores. O decreto também estabeleceu o que deveria ser ensinado aos meninos e meninas.
A data era comemorada informalmente, mas foi em 1948 que a professora e primeira parlamentar negra do Brasil, Antonieta de Barros, apresentou o projeto de lei que regulamentou a comemoração em Santa Catarina, o primeiro estado do país a legislar sobre a data.
Alguns anos depois, em 1963, pouco antes de ser deposto pelo golpe militar de 1964, o presidente João Goulart estabeleceu o Dia dos Professores como feriado escolar em todo o país.
Importância da data para a valorização dos educadores
O Brasil possui um enorme contingente de professores. Em 2023 o país contava com mais de dois milhões de docentes, a maioria atuando no ensino básico, que abrange a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Desse total, quase 400 mil lecionavam em cursos superiores oferecidos por faculdades e universidades brasileiras.
Além de um dia de descanso para os educadores brasileiros, já tão sobrecarregados, o Dia dos Professores é uma oportunidade para que a sociedade possa refletir sobre o papel fundamental dos mesmos na promoção de um mundo mais justo. A educação é capaz de transformar vidas e mudar realidades e, sem os professores, isso não seria possível.
Mas, além da reflexão sobre a importância da categoria, a celebração do Dia dos Professores deve vir acompanhada de melhorias e mudanças práticas, tanto para os profissionais quanto para o cenário geral da educação brasileira.
As lutas de Antonieta permanecem atuais
Se durante a primeira metade do século 20 Antonieta de Barros lutava pela valorização dos professores e pela necessidade da universalização do ensino, na atualidade muitas dessas batalhas permanecem em disputa.
Segundo dados divulgados em 2023 pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 63% dos municípios brasileiros não haviam realizado concursos públicos para a contratação de novos professores nos cinco anos anteriores. Uma pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Semesp apontou que o Brasil corre o risco de um apagão educacional e o país pode ter um déficit de 235 mil professores até 2040.
A redução no número de profissionais, segundo o estudo, é ocasionada principalmente pelo desinteresse dos jovens em seguir essa carreira, envelhecimento do corpo docente e o abandono da profissão devido às condições de trabalho. No Brasil, a superlotação de salas de aula, por exemplo, é uma realidade em diversos municípios e impacta diretamente na qualidade de trabalho e de ensino.

Com um papel fundamental na construção de um país mais justo, os professores brasileiros recebem 47% a menos se comparados ao mesmo cargo em países mais ricos. Foto: reprodução
O relatório Education at a Glance 2024, publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), revelou que o salário de um professor do ensino fundamental II no Brasil é 47% menor do que a remuneração para o mesmo cargo em países mais ricos. Além de ganharem menos, os professores brasileiros trabalham 800 horas anuais, ante 706 horas nos países da OCDE.
O reflexo dessa desigualdade também se manifesta em outro dado relevante. No Brasil, acumular mais de um emprego é uma realidade para quase 500 mil professores. As condições de trabalho, a falta de reconhecimento e a baixa remuneração também se refletem na saúde mental desses profissionais. Segundo um estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a síndrome de burnout atinge cerca de ⅓ dos professores da educação básica.
A memória de Antonieta de Barros segue ecoando
Além de uma pioneira na política, Antonieta de Barros foi uma voz essencial em diversas lutas. No combate ao racismo, na defesa da igualdade de gênero, na universalização da educação e na busca por melhores condições de trabalho para os professores, sua memória ainda ecoa. Em uma época em que o direito à voz era negado para mulheres e pessoas negras, sua atuação política desafiou as estruturas e as relações de poder.

Em 2019, Antonieta de Barros recebeu uma homenagem em um mural instalado na lateral de um prédio no centro de Florianópolis. Foto: Acervo/Gugie Cavalcanti
Antonieta prova que o conhecimento é uma importante ferramenta de transformação social e investir em educação é investir também em um país mais justo. Como uma mulher à frente de seu tempo, ela foi a responsável pelo primeiro projeto de lei que estabeleceu o Dia dos Professores no Brasil. Mas além da comemoração, a consciência de que uma educação de qualidade não se faz sem a valorização dos educadores sempre esteve presente em seus ideais.
Lembrar de Antonieta de Barros hoje é reconhecer a importância de continuar sua luta. O exemplo dela inspira não apenas professores, mas todos os que acreditam em uma educação libertadora e em um mundo mais justo, livre do racismo e da desigualdade de gênero.
*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu
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