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Candido Portinari e a identidade brasileira

A relação entre arte, política, identidade, desigualdade social e as subjetividades de um dos maiores artistas brasileiros
24/03/2025 | 16h37
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Quando falamos em arte brasileira com relevância internacional e profundo compromisso social, é impossível não lembrar de Candido Portinari. Mais do que um pintor talentoso, Portinari foi um intérprete do Brasil, alguém que traduziu em cores, formas e cenas o cotidiano, a dor, a luta e a beleza do povo brasileiro.

Entenda quem foi o artista, as repercussões de suas obras no Brasil e no mundo, sua relação com a política e a construção da identidade brasileira.

Quem foi Candido Portinari?

Candido Portinari nasceu em 1903, em Brodowski, interior de São Paulo, e se tornou um dos maiores nomes da arte brasileira. Filho de imigrantes italianos, desde cedo demonstrou talento para as artes e, foi aos 16 anos que decidiu seguir carreira quando mudou para o Rio de Janeiro para estudar na Escola Nacional de Belas Artes.

Além de artista consagrado, Portinari também esteve presente na atuação política da época. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), candidatou-se a deputado federal em 1945 e a senador em 1947. Um fato curioso é que apesar de liderar as pesquisas, foi derrotado por pequena margem de votos em uma eleição com suspeita de fraude.

Com o aumento da repressão aos comunistas no governo Dutra, exilou-se no Uruguai entre 1947 e 1948, mas não fugiu dos holofotes e continuou participando de exposições internacionais – mesmo contrariando ordens médicas para evitar o contato com as tintas que causavam intoxicação.

Um fato curioso sobre a vida de Candido Portinari é que, apesar de retratar com maestria o Brasil rural e os trabalhadores pobres em suas obras, não há registros de que ele próprio tenha trabalhado na fazenda, mesmo tendo nascido em um cafezal no interior paulista. Seu olhar sobre esse universo vinha apenas da observação atenta da realidade ao seu redor e da empatia que tinha sobre quem estava à sua volta, mais do que se poderia dizer da maioria oligárquica da época.

Portinari faleceu em 1962, aos 58 anos, vítima das substâncias tóxicas presentes nas tintas que utilizava. Sua obra, que expressa o cotidiano brasileiro, a vida no campo, o sofrimento dos trabalhadores e as contradições sociais, permanece como um marco na história da arte do país.

Na foto, Portinari e seus pincéis. O artista, inclusive, assinava seu nome riscando diretamente na pintura com a ponta do cabo do pincel ao invés de usar tinta. Imagem: Jean Manzon.

Na foto, Portinari e seus pincéis. O artista, inclusive, assinava seu nome riscando diretamente na pintura com a ponta do cabo do pincel ao invés de usar tinta. Imagem: Jean Manzon

Principais obras de Candido Portinari

Talvez você já tenha respondido à alguma questão no ensino médio ou em vestibulares que trazia a famosa obra “Retirantes”, de Candido Portinari. A pintura, que retrata uma família nordestina fugindo da seca, marcada pela dor, pela miséria e pela resistência, se tornou um dos maiores símbolos da crítica social na arte brasileira – estando presente nos livros de história e, consequentemente, nas questões de grandes vestibulares.

Candido Portinari. Retirantes. 1944. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Retirantes. 1944. Óleo sobre tela.

Além de “Retirantes”, o artista fez 5 mil obras antes de sua morte e deixou um legado extenso de pinturas que representam a identidade brasileira. Aqui estão algumas delas:

Criança Morta

Candido Portinari. Criança morta. 1944. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Criança morta. 1944. Óleo sobre tela.

Uma das obras mais emocionantes de Portinari, retrata uma mãe carregando o corpo de um filho morto, simbolizando a dor provocada pela miséria e pelo abandono social.

Café

Trabalhadores colhendo café, com traços fortes e cores intensas, abordando a realidade do trabalho rural e a força do povo brasileiro.

Candido Portinari. Café. 1935. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Café. 1935. Óleo sobre tela.

Mestiço

Candido Portinari. Mestiço. 1934. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Mestiço. 1934. Óleo sobre tela.

Retrato de um homem mestiço, símbolo da diversidade étnica do Brasil. A obra valoriza as raízes multiculturais da população brasileira.

Guerra e Paz 

Candido Portinari. Guerra e Paz. 1952-1957. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Guerra e Paz. 1952-1957. Óleo sobre tela.

Dois painéis monumentais encomendados pela ONU, que representam, respectivamente, os horrores da guerra e a esperança na paz entre os povos. São considerados o ápice do humanismo presente na obra de Portinari.

Crianças Brincando

Candido Portinari. Crianças brincando. Sem data. Óleo sobre tela.

Candido Portinari. Crianças brincando. Sem data. Óleo sobre tela.

Uma cena lúdica e singela que mostra crianças em atividades simples, celebrando a infância brasileira com leveza, mas também com um olhar social atento.

Para quem deseja ver de perto as obras originais de Portinari, é possível visitar o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, o MASP, em São Paulo, e, principalmente, a Casa de Portinari, localizada em Brodowski, sua cidade natal, também no estado de São Paulo.

Entre esses espaços, a Casa de Portinari abriga o maior acervo dedicado exclusivamente ao artista, com mais de 5 mil itens catalogados, incluindo pinturas, desenhos, objetos pessoais e esboços originais. O museu, que ocupa a antiga residência da família Portinari, oferece uma imersão na vida e na obra do pintor, revelando desde sua infância no interior até suas grandes produções internacionais.

Principais movimentos artísticos de Portinari

Desde o academicismo do período imperial até as vanguardas contemporâneas, a arte brasileira passou por momentos de ruptura e reinvenção, com destaque para o modernismo, que marcou profundamente o século XX.

A Semana de Arte Moderna, também conhecida como a Semana de 22, simbolizou o início de uma nova era na cultura nacional, trazendo nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral como os principais artistas brasileiros que valorizavam suas raízes e tinham uma estética que fugia das amarras da academia.

Foi nesse contexto que surgiu Candido Portinari, que, embora não tenha participado da Semana de 22 por ter 18 anos recém completados, suas obras foram influenciadas pelo movimento artístico da época – abordando questões sociais, desigualdades e a dignidade e sofrimento de ser brasileiro. Apesar de ter um estilo único e difícil de rotular, podemos concluir que a obra de Portinari dialoga com os seguintes movimentos:

Modernismo Brasileiro

Portinari é considerado um dos grandes representantes da segunda geração do modernismo. Ele incorporou os ideais do movimento, como a valorização da cultura nacional, a denúncia das desigualdades sociais e o uso de uma linguagem artística própria, voltada para a realidade brasileira.

Realismo Social

Grande parte de sua obra tem forte cunho social, retratando com intensidade a pobreza, a desigualdade e o sofrimento do povo brasileiro. Esse engajamento o aproxima do realismo social, movimento artístico que busca representar a realidade das classes trabalhadoras com consciência crítica.

Expressionismo

Algumas obras de Portinari apresentam traços expressionistas, especialmente no uso dramático das cores, nas figuras angustiadas e na intensidade emocional com que retrata o sofrimento humano. Ele utilizava a arte não apenas para registrar, mas para comover e provocar reflexão.

Muralismo 

Influenciado pelos muralistas mexicanos, como Diego Rivera, Portinari também se destacou na pintura mural, criando grandes painéis com forte conteúdo social e histórico, como os famosos  “Guerra e Paz”, encomendados pela ONU.

A primeira obra premiada de Portinari foi feita ainda na fase acadêmica em 1923 e se intitula Baile na Roça. Imagem: Reprodução.

A primeira obra premiada de Portinari foi feita ainda na fase acadêmica em 1923 e se intitula Baile na Roça. Imagem: Reprodução

A identidade brasileira na arte como ferramenta política

A obra de Portinari não apenas retrata o Brasil, mas também participa ativamente da construção de uma ideia de brasilidade. Sua arte se transformou em instrumento de afirmação da identidade nacional, especialmente em um país marcado por profundas desigualdades e por uma história de exclusão social e cultural.

Ao pintar o povo pobre, o trabalhador, o sertanejo e a criança humilde, o artista dava visibilidade àqueles que raramente eram representados na arte oficial.

Mas ele não era o único a usar suas obras como um grito político – Tarsila do Amaral, figura central do modernismo, também foi uma das pioneiras em valorizar a cultura popular e indígena na arte brasileira. Um exemplo disso é sua obra “Abaporu”, que inspirou o Manifesto Antropofágico, um movimento que propunha devorar a cultura europeia para criar algo intrinsecamente brasileiro.

É dessa forma que a obra de Candido Portinari, marcada por um olhar sensível e crítico, ajudou a construir uma ideia de brasilidade ao retratar o povo com dignidade, cor e verdade. Com traços modernos, realistas e, por vezes, expressionistas, suas pinturas denunciaram desigualdades, exaltaram a cultura popular e se tornaram símbolos de resistência e identidade nacional.

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