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Economia solidária e os desafios aos modelos econômicos tradicionais

Em tempos de tantas crises decorrentes do capitalismo, a economia solidária surge como uma alternativa sustentável. É possível transformar nosso futuro assim?
30/08/2024 | 15h22

Vivemos em uma economia capitalista, baseada na propriedade privada, na acumulação de capital e na competição individualista. Esse modelo econômico tradicional, surgido na Idade Média, já passou por diversas transformações ao longo dos séculos, mas as desigualdades e injustiças continuam se perpetuando – além das crises recorrentes e atualmente, dos impactos ambientais decorrentes do modelo exploratório. E na contramão desse padrão, temos a economia solidária.

Não é de hoje que surgem iniciativas tentando se contrapor ao capitalismo, buscando um sistema econômico mais justo e menos desigual. Do socialismo e comunismo no início do século XX à economia solidária, diversos grupos e ideias surgiram tentando se colocar como uma alternativa promissora, que não aumente as desigualdades ou cause tantos impactos ambientais.

Capitalismo selvagem e os limites do modelo econômico tradicional

Desde o surgimento do capitalismo, em meados da Idade Média, a humanidade se transformou muitas vezes, atualizando também esse modelo econômico. Claro que existem pontos positivos desse modelo econômico, como a organização das cidades, a unificação dos países e a melhora de diversas atividades profissionais.

Mas, infelizmente, esse modelo econômico tradicional, fundamentado no liberalismo econômico e na busca pelo lucro individual, tem se mostrado incapaz de resolver os graves problemas sociais e ambientais que afligem o mundo contemporâneo.

A concentração de riqueza nas mãos de uma minoria, a exploração do trabalho e a degradação ambiental são alguns dos resultados desastrosos desse modelo para o qual precisamos de solução se desejamos garantir um futuro melhor para as próximas gerações e para o planeta.

Há quem diga que o capitalismo, em seus moldes atuais, chegou ao seu limite. O planeta não tem reservas infinitas ou a capacidade de se renovar para sustentar a exploração dos recursos naturais indiscriminadamente, com desperdícios e geração de muitos resíduos. E é nesse contexto que surgem iniciativas para substituir esse modelo econômico.

A mineração é um dos exemplos de atividade extrativista extremamente prejudicial ao planeta. Crédito: Instituto Humanitas Unisinos/ Creative Commons

O que é a economia solidária?

A economia solidária, como o nome já sugere, é uma alternativa ao modelo econômico tradicional baseada nos princípios de cooperação, solidariedade e igualdade. Nesse modelo, todas as atividades econômicas – que incluem a produção, distribuição, consumo e crédito – são autogeridas coletivamente, os grupos são independentes uns dos outros e todo o comércio é realizado de forma justa e solidária, assim, todos os resultados são distribuídos de forma justa e igualitária.

As organizações mais conhecidas da economia solidária são as cooperativas, as associações e outros tipos de redes que produzem, prestam serviços e realizam o comércio sob a ótica do consumo e da distribuição da riqueza colocando o ser humano no centro, não o capital.

A economia solidária entende o trabalho como uma forma de emancipação humana e dentro de um processo de democratização da economia. Além disso, possui uma finalidade multidimensional, envolvendo os aspectos sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais. Traduzindo, significa que a visão econômica da geração do trabalho se projeta para o espaço público como uma ferramenta coletiva, considerando também a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável.

Como funciona a economia solidária?

Para entender a economia solidária é preciso entender que, ao invés de competição e individualismo, esse modelo defende a colaboração e o bem estar coletivo. O trabalho é uma ferramenta de subsistência, sim, mas também uma plataforma de empoderamento e de democratização econômica, incluindo grupos da sociedade e de forma que entendam o processo.

A divisão de lucros e outros resultados do trabalho da economia solidária é dividido de forma igualitária entre todos os trabalhadores. Crédito: Ailos

Os principais pilares da economia solidária são:

  • Autogestão: em todos os grupos participantes da economia solidária, os trabalhadores controlam o processo produtivo, tomando decisões coletivas sobre o trabalho e a gestão da organização.
  • Cooperação: o trabalho dos grupos participantes é realizado sempre de forma coletiva, com base na cooperação e na solidariedade entre os trabalhadores, já que o foco é nas pessoas, ao invés do acúmulo de capital.
  • Priorização do trabalho: o trabalho é visto como um valor fundamental. Ao invés de ser um meio para o acúmulo de capital, é uma ferramenta de empoderamento. Dessa forma, a economia solidária garante condições dignas de trabalho e dá grande importância ao trabalho humano.
  • Compromisso com a sustentabilidade: as organizações que se enquadram na economia solidária buscam práticas de produção e consumo sustentáveis, priorizando o meio ambiente e a utilização de recursos naturais de forma responsável – ao contrário do modelo do capitalismo tradicional, que busca apenas a exploração indiscriminada.
  • Equidade e justiça social: por buscar construir relações de trabalho e comerciais justas e equitativas, combatendo a exploração, a discriminação e a desigualdade social, a economia solidária é uma ferramenta e um mecanismo que promove a equidade e a justiça social.

Quais são os benefícios da economia solidária?

Como um modelo alternativo ao capitalismo, a economia solidária oferece diversas vantagens para quem adere aos seus princípios:

Trabalho digno para todos

A economia solidária tem como base e necessidade principal a garantia de condições dignas de trabalho para os trabalhadores, com autonomia, controle sobre o processo produtivo, e participação nas decisões e na divisão dos resultados do trabalho coletivo.

Redução da desigualdade social

Ao distribuir a riqueza de forma equitativa e oferecer condições de trabalho mais justas, a economia solidária contribui para reduzir a desigualdade social e para a construção de uma sociedade mais justa.

A igualdade também vem a partir das ações locais, coletivas e empoderadoras dos grupos, que oferecem conhecimento além do trabalho, aliviando em partes o desamparo do poder público perante comunidades carentes ou periféricas.

Fortalecimento da comunidade

Os diversos tipos de organizações que se enquadram na economia solidária contribuem para o fortalecimento das comunidades locais.

Seja pela criação de empregos, pelo estímulo ao desenvolvimento local ou pela promoção da integração social, nas localidades onde há economia solidária, as comunidades estão melhor organizadas e fortalecidas.

Preservação do meio ambiente

A economia solidária surge como uma alternativa sustentável ao capitalismo. Por isso, todas as suas organizações incentivam a utilização de práticas de produção e consumo sustentáveis, fazendo isso até mesmo de conhecimentos ancestrais.

Sem dúvida, esse conjunto de ferramentas e práticas contribui muito para a preservação do meio ambiente e uma relação mais harmoniosa do homem com a natureza.

Democratização da economia

A economia solidária, como alternativa ao capitalismo, defende a democratização da economia. Por meio da participação ativa dos trabalhadores nas decisões econômicas e do controle sobre os meios de produção e financiamento dessas organizações, os participantes aprendem, se empoderam e se tornam mais engajados com todas as etapas do processo.

Artesanatos e outros tipos de arte tradicionais podem ser classificados como economia solidária se seus trabalhadores se organizam em cooperativas, entre outros pontos. Crédito: Universidade de Brasília/ Creative Commons

Artesanatos e outros tipos de arte tradicionais podem ser classificados como economia solidária se seus trabalhadores se organizam em cooperativas, entre outros pontos. Crédito: Universidade de Brasília/ Creative Commons

Os desafios da economia solidária frente ao capitalismo

Apesar dos seus benefícios, a economia solidária enfrenta desafios para se consolidar como um modelo econômico alternativo.

Um dos problemas é a falta de reconhecimento e apoio dos governos, em todas as esferas da federação. De acordo com a Agência Câmara de Notícias, existem pouco mais de 20 mil empreendimentos de economia solidária no país, mas a Política Nacional de Economia Solidária foi criada em só em 2017 e ainda está em tramitação no Congresso. Sem políticas públicas, reconhecimento e apoio, o desenvolvimento da economia solidária fica prejudicado.

A Política Nacional de Economia Solidária estipula um cadastro desses empreendimentos para acesso às políticas públicas, inclusive crédito. Mas, enquanto o processo ainda está em discussão em Brasília, essas organizações passam por dificuldades para acessar crédito e financiamento, algo que limita o crescimento e a expansão das iniciativas.

Com a exclusão burocrática da ausência de políticas públicas, os membros dessas organizações também têm mais obstáculos no acesso a programas de capacitação e formação, o que interfere na capacidade desses grupos de gerenciar e desenvolver seus negócios.

Por terem negócios menores e produzirem em menor escala, esses empreendimentos também enfrentam o desafio de competir com o mercado formal, estruturado e com mais recursos, é desigual e injusta.

Quais são os exemplos de economia solidária no Brasil e no mundo?

Considerando o cenário desigual e de empregos informais no Brasil, as cooperativas de reciclagem são exemplos de sucesso da economia solidária por organizarem uma atividade que demorou tanto tempo quanto a própria economia solidária, a coleta de material reciclável por carroceiros e carrocerias. Hoje, esses profissionais são responsáveis por boa parte da Política Nacional de Recursos Sólidos.

A agricultura familiar, que cultiva a maior parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros, também é um exemplo de economia solidária. Os pequenos produtores se organizam em grupos e, por estarem diretamente ligados à contribuição trabalhista, podem se enquadrar nos critérios da economia solidária. O próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) também preenche requisitos de empreendimentos de economia solidária, o que faz com que ele seja considerado uma empresa social.

O MST realizou em São Paulo a Feira Nacional da Reforma Agrária, reunindo 1700 produtores de todo o país. Crédito: Isabella Finholdt / Mídia NINJA

O MST realizou em São Paulo a Feira Nacional da Reforma Agrária, reunindo 1700 produtores de todo o país. Crédito: Isabella Finholdt / Mídia NINJA

A economia solidária e o futuro possível

A economia solidária não é apenas uma alternativa ao modelo econômico tradicional, mas uma visão de mundo baseada em valores de justiça social, equidade e sustentabilidade. É uma proposta para construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde a cooperação e o bem-estar coletivo prevalecem sobre a competição e o lucro individual.

Apesar dos desafios, a economia solidária tem o potencial para transformar a forma como produzimos e consumimos, criando um modelo econômico mais humano e sustentável. A sua difusão e consolidação dependem de um esforço conjunto de governos, empresas, organizações sociais e cidadãos comprometidos com a construção de um futuro mais justo e solidário.

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