ICL Notícias
Conhecimento

Joaquim Cruz: resiliência, superação e velocidade na trajetória do ícone do atletismo brasileiro

Da infância em Taguatinga (DF) ao pódio olímpico, conheça a trajetória de Joaquim Cruz, uma história de resiliência, superação e velocidade
26/03/2025 | 16h38
ouça este conteúdo

Por Iago Filgueiras*

Você se lembra das brincadeiras que fazia quando criança? O corredor e campeão olímpico Joaquim Cruz lembra, e para ele uma mata de cerrado e dois campinhos de futebol foram excelentes instalações esportivas.

Nascido em Taguatinga, no Distrito Federal, em 1963, Joaquim era o sexto filho de um casal de migrantes que saíram do Piauí em busca de melhores condições no entorno da recém-inaugurada capital brasileira, Brasília. O primeiro a migrar foi o pai e, logo em seguida, a mãe também foi. Doze dias em um pau de arara foi o tempo que ela levou para chegar à cidade.

Durante a infância, a realidade era difícil e, por muito tempo, Joaquim e sua família moraram em uma casa sem acesso à energia elétrica. Sem televisão, o entretenimento vinha do mundo externo: correr na mata, jogar bola, escalar árvores e nadar em poças d’água. Foi assim que ele teve o primeiro contato com o mundo esportivo.

A paixão pelo esporte parecia uma constante, mas do chão de terra de Taguatinga até a medalha olímpica e a carreira como técnico nos EUA, os obstáculos foram diversos. Conheça a história de Joaquim Cruz, o ícone do atletismo brasileiro, moldado no Cerrado.

O início relutante no atletismo

Por conta do trabalho do pai na indústria, durante a infância ele teve acesso ao Sesi-Taguatinga, onde estudou por algum tempo e começou os primeiros treinos. No começo, matava a aula de educação física para jogar bola no campinho perto de onde morava. Mas a situação mudou quando, aos 12 anos, um amigo disse ao treinador que Joaquim queria participar do time de basquete.

O que começou com uma brincadeira entre colegas ganhou novas proporções. Joaquim gostou do basquete, já que tinha mais afinidade com esportes coletivos. Mas o treinador, Luis Alberto de Oliveira, estava montando uma equipe de atletismo e, de novo, o mesmo amigo sugeriu o nome de Joaquim.

Para Joaquim Cruz, a paixão pelo atletismo não foi à primeira vista, mas o gosto pela vitória conquistou o jovem atleta. Foto: reprodução

Para Joaquim Cruz, a paixão pelo atletismo não foi à primeira vista, mas o gosto pela vitória conquistou o jovem atleta. Foto: reprodução

O curioso é que a corrida não era uma grande paixão para ele. No começo não queria participar, chegou até mesmo a sumir por algum tempo para fugir do treinador. “Correr era chato e cansativo”, afirmou Cruz em uma entrevista para o podcast do Comitê Olímpico. Mas no fim, Luis Alberto acabou convencendo o garoto, e Joaquim tomou gosto pelas vitórias que o atletismo proporcionava.

Algumas vitórias na adolescência

Campeonato Brasileiro de Atletismo de Menores de 1978

  • Medalha de ouro nos 400 metros.
  • Medalha de ouro nos 800 metros.

Campeonato Sul-Americano de Menores de 1978

  • Medalha de ouro nos 400 metros.
  • Medalha de ouro nos 800 metros.

Mundial de Menores de 1979

  • Medalha de ouro nos 1500 metros.

Jogos Pan-Americanos Juvenis de 1980

  • Medalha de ouro nos 400 metros.
  • Medalha de ouro nos 800 metros.

Jogos Estudantis Mundiais de 1980

  • Medalha de ouro nos 400 metros.
  • Medalha de ouro nos 800 metros.

Um divisor de águas

O talento no atletismo e o impressionante desempenho de Joaquim Cruz despertaram o interesse de universidades estadunidenses, conhecidas por investir no aperfeiçoamento de atletas por meio da oferta de bolsas de estudo.

Em 1981, vindo de uma sequência de vitórias, Joaquim fez história ao quebrar o recorde mundial juvenil e vencer a prova de 800 metros no Troféu Brasil de Atletismo em 1m44s3. Pouco depois da vitória, recebeu uma equipe de televisão na casa onde morava com a família no Distrito Federal e fez críticas ao cenário esportivo da época e à falta de incentivo para o desenvolvimento profissional.

O sucesso alcançado também despertou um sonho em Joaquim Cruz: representar o Brasil nas Olimpíadas. Ele deu um passo à frente para concretizar esse objetivo quando, no final de 1981, acompanhado do técnico Luis Alberto de Oliveira, foi morar, treinar e estudar nos Estados Unidos.

Do treino nos EUA ao pódio olímpico

Nos EUA, passou os três primeiros meses estudando e treinando na Brigham Young University, na pequena cidade de Provo, no estado de Utah. As baixas temperaturas da região se tornaram um fator adverso e, com o apoio do treinador, conseguiu se transferir para a Universidade de Oregon, onde passou a ser patrocinado pela Nike.

Com a mudança, veio também a descoberta de um detalhe surpreendente sobre seu corpo: o fêmur esquerdo era dois centímetros maior que o direito. O que, na teoria, poderia comprometer sua performance, na prática evidenciou a incrível capacidade de adaptação do corpo humano.

Já acostumado com os EUA e com uma melhor infraestrutura para os treinos, Joaquim seguiu colecionando conquistas. Em 1983, levou a medalha de bronze nos 800 metros no Campeonato Mundial de Atletismo, realizado em Helsinque, na Finlândia. No mesmo ano, venceu o campeonato da NCAA, uma das competições universitárias mais disputadas do planeta.

Joaquim Cruz treinou na Universidade de Oregon, nos EUA, e em 2025 entrou para o Hall da Fama dos esportes universitários estadunidenses. Foto: reprodução

Joaquim Cruz treinou na Universidade de Oregon, nos EUA, e em 2025 entrou para o Hall da Fama dos esportes universitários estadunidenses. Foto: reprodução

Nos Estados Unidos, Joaquim também conheceu Mary, sua esposa, que logo se tornou uma grande fonte de motivação. Pensar nela lhe dava impulso para correr, encontrando na paixão a força para continuar se superando.

Com experiência internacional, títulos e a mentalidade de um campeão, Joaquim estava pronto para representar o Brasil nas Olimpíadas. A oportunidade veio em 1984, com os Jogos Olímpicos de Los Angeles, nos EUA.

A jornada para o ouro olímpico

Em 1984, Joaquim sabia que enfrentaria grandes adversários, especialmente os medalhistas olímpicos Sebastian Coe e Steve Ovett e o corredor queniano Edwin Koech. Mas Cruz também confiava na sua própria capacidade e sabia que precisaria de uma boa estratégia para superar a concorrência.

Representando o atletismo brasileiro, Joaquim Cruz estava entre os favoritos para levar a medalha dos 800 metros. Nas primeiras etapas da competição, buscou sair na frente e manter a posição. Assim, ele conseguia controlar a prova. Mas na semifinal, Ovett e Koech conseguiram ultrapassar Cruz, mas ele conseguiu se recuperar e finalizou a prova quebrando seu próprio recorde pessoal: 1m43s82.

O susto na semifinal levou também à necessidade de reavaliar a estratégia. Ele sabia que, na final, alguns competidores tentariam quebrar o seu controle sobre a prova, enquanto outros ficariam na espreita para disparar nos últimos 100 metros e garantir a medalha de ouro.

Foi então que o técnico, Luis Alberto Oliveira, sugeriu mudar a técnica para confundir os oponentes: não liderar no começo, garantir a segunda posição e acelerar nos últimos 200 metros.

Em 1984, Joaquim Cruz representou o Brasil nas Olímpiadas de Los Angeles. Foto: Agencia Corbes Seattle/COB

Em 1984, Joaquim Cruz representou o Brasil nas Olímpiadas de Los Angeles. Foto: Agencia Corbes Seattle/COB

Em 6 de agosto de 1984, a estratégia foi colocada em prática e nos primeiros 400 metros ele ficou atrás do queniano Edwin Koech, que liderava a prova. Na reta oposta, entre os 500 e 600 metros – o melhor momento para o atleta impor seu ritmo -, aumentou a velocidade e assumiu a liderança. Nos 200 metros finais, acelerou ainda mais, cruzando a linha de chegada em 1m43s00, um novo recorde olímpico, que perdurou por 12 anos depois.

Foi assim que o brasileiro Joaquim Cruz conquistou a primeira e única medalha de ouro do país em provas de pista no atletismo olímpico. E alcançou ainda um outro feito histórico, que ficou na memória de milhões de brasileiros: foi a primeira medalha olímpica do Brasil transmitida na televisão.

Confira a íntegra da prova e a vitória de Joaquim Cruz:

Outras grandes conquistas de Joaquim Cruz

Vindo de uma família humilde em Taguatinga, no Distrito Federal, Cruz realizou o sonho de vencer uma Olimpíada, mas depois disso, sua trajetória brilhante no atletismo mundial continuou e, além de conquistar novos troféus, também superou limites e estabeleceu novos recordes.

Meeting de Colônia, Alemanha, de 1984

  • Medalha de ouro nos 800 metros, onde marcou 1m41s77, atual recorde sul-americano.

Meeting de Nice, França, de 1984 

  • Medalha de ouro nos 1000 metros, onde marcou 2m14s09, estabelecendo o recorde sul-americano.

Jogos Olímpicos de Seul de 1988

  • Medalha de prata nos 800 metros.

Jogos Pan-Americanos de 1987

  • Medalha de ouro nos 1500 metros.

Jogos Pan-Americanos de 1995

  • Medalha de ouro nos 1500 metros.

Da pista ao papel de treinador

Durante a carreira, Joaquim Cruz disputou no alto nível do atletismo mundial, foi campeão olímpico, quebrou recordes e inspirou uma geração de corredores. Mas no final dos anos 1990, seu desempenho passou a ser afetado por lesões e a aposentadoria se tornou uma opção.

Com uma vida estabelecida nos Estados Unidos, onde treinou, estudou e se casou, tornou-se referência no esporte e a transição para a carreira de treinador aconteceu naturalmente. No início dos anos 2000, Cruz começou a trabalhar no Comitê Paralímpico dos EUA, ajudando a treinar novos atletas e medalhistas.

Nos anos 200, Joaquim Cruz passou a treinar atletas paralímpicos nos Estados Unidos. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Nos anos 200, Joaquim Cruz passou a treinar atletas paralímpicos nos Estados Unidos. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Mesmo morando fora, o atletismo brasileiro sempre foi uma preocupação para Joaquim, que se orgulha da sua origem, nos campos de futebol e nas matas de Taguatinga. No Brasil, ele participa de projetos para o fortalecimento do esporte no país e defende um maior incentivo à prática esportiva e à formação de novos atletas.

Agora é sua vez de aprender

A trajetória de Joaquim Cruz não é apenas reflexo de um talento natural, mas também de resiliência e capacidade de adaptação. Sua história é um exemplo de como o esporte pode mudar vidas, não apenas por meio de conquistas e medalhas, mas também pelo aprendizado e evolução constante.

Hoje, Joaquim segue sua missão de inspirar e ensinar e agora faz parte do PECS, um programa que entende que no esporte, corpo, mente e contexto social não se separam. Com o apoio de outros atletas lendários, você vai aprender a dominar sua mente para destravar a sua melhor performance. Participe!

 

*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu

Relacionados

Carregar Comentários

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail