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Os desafios e conquistas das mulheres no mercado de trabalho contemporâneo

A trajetória das mulheres no mercado de trabalho: desafios, conquistas e a luta constante por igualdade de oportunidades e reconhecimento profissional.
17/07/2024 | 11h31

Se o mercado de trabalho fosse uma competição de atletismo entre gêneros, as mulheres largariam muito depois e ainda teriam mais obstáculos a superar até a linha de chegada. Desde a Revolução Industrial até os dias de hoje, a luta por espaço, direitos e melhores condições de trabalho sempre permeou a realidade delas.

Neste artigo, vamos explorar os desafios enfrentados e as conquistas alcançadas pelas mulheres no mercado de trabalho contemporâneo. Abordaremos a evolução histórica, desde a participação feminina impulsionada pela industrialização e guerras, até as legislações e políticas públicas que moldaram o cenário atual.

Também discutiremos a disparidade salarial, a sub-representação em cargos de liderança e os impactos das responsabilidades domésticas na carreira das mulheres. Além disso, analisaremos as perspectivas futuras e a importância de políticas afirmativas e inclusivas para garantir a igualdade de oportunidades. Continue a leitura..

Infográfico mostra algumas das conquistas do movimento feminista. Disparidade de direitos ainda não foi totalmente eliminada. Crédito: Sesc RJ

O trabalho feminino ao longo da história

A luta pela igualdade de gênero e pelo reconhecimento das competências femininas transformou o panorama profissional. O próprio Dia Internacional das Mulheres tem sua origem nas reivindicações por melhores condições de trabalho e salários.

O processo de industrialização e as guerras, em especial a Segunda Guerra Mundial, impulsionaram a participação feminina no mercado de trabalho — considerando que os homens estavam lutando no front.

No Brasil, o cenário não poderia ser diferente: a partir da década de 1930, tem início a primeira onda de industrialização nacional, ao mesmo tempo em que surgem as primeiras leis trabalhistas e que também garantiriam o maior acesso das mulheres ao mercado.

O Ministério do Trabalho, criado em 1930, dá início ao Direito do Trabalho, que tem seu ápice com a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, em 1943. Infelizmente, para as mulheres, a trajetória de conquistas foi mais longa, lenta e árdua.

Até poucas décadas atrás, a participação das mulheres no mercado de trabalho era vista como um problema, não como um ativo. No Código Civil Brasileiro de 1916, mulheres só podiam trabalhar com autorização do marido, algo que poderia ser revogado a qualquer momento. Além de vincular o valor de uma mulher ao casamento, a falta dessa permissão excluía a mulher do mercado apenas pela vontade de seu marido.

O primeiro marco da independência: Estatuto da Mulher Casada

Foi apenas em 1962, com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, que os direitos trabalhistas femininos foram ampliados. O texto legislou sobre a independência da mulher para trabalhar, ter conta bancária própria, viajar e ter um comércio próprio.

Mesmo assim, ainda havia uma diferença entre a legislação e a realidade quanto aos direitos femininos. Apenas com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 é que ficou estabelecido, pelo menos no papel, a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres.

Hoje em dia, 64,6% da força de trabalho é feminina, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). É preciso destacar o feito, considerando que na década de 1950 essa representação era de menos de 15%.

A mudança do envolvimento feminino é decorrente de um conjunto de fatores: de um lado, políticas públicas e empresariais de inclusão e incentivo à contratação de mulheres; de outro, o acesso à educação, que também permitiu o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. As mulheres, em muitos países desenvolvidos, já superam os homens no que diz respeito à qualificação acadêmica.

Mulheres na liderança, resultados corporativos melhores

Foto: Divulgação

Hoje, os impactos na economia e na sociedade são incontestáveis: de acordo com um levantamento da ONG Conference Board, empresas com ao menos 30% de mulheres na liderança têm 12 vezes mais chances de ter um desempenho financeiro melhor.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentou um relatório apontando que a diversidade dentro das organizações aumenta os lucros entre 5 e 20%.

Entre os benefícios de líderes mulheres estão, também, o crescimento de 10 a 15% nas receitas, maior eficiência do time de gestão, melhores índices de atração e retenção de talentos e uma melhora na reputação e na imagem pública da empresa.,

Jornadas, disparidades e a saúde da mulher

Até hoje, apesar da igualdade na lei entre homens e mulheres, a prática do mercado de trabalho é diferente. Mesmo sendo maioria da população, a participação no mercado de trabalho é mais restrita para as mulheres.

Dados do IBGE de 2022 mostram que enquanto 73% dos homens participam da força de trabalho, a taxa feminina é de 53%. Cargos de liderança, apesar de comprovadamente mais lucrativos para as empresas, ainda são majoritariamente masculinos. Apenas 39% das posições de chefia está com as mulheres.

Na política, onde são determinadas questões cruciais para o futuro da sociedade brasileira, também há sub representação feminina. Em um ranking de 190 países, o Brasil figura na 135ª posição. Em 2022, apenas 18% das pessoas eleitas eram mulheres.

Com os salários o cenário não é muito diferente: as mulheres recebem, em média, 20% a menos que os homens — mesmo tendo a mesma formação acadêmica e exercendo funções iguais nas mais diversas áreas. Para mulheres negras, a disparidade aumenta para 44% da remuneração.

A Câmara dos Deputados aprovou em 2023 uma lei para garantir, na prática, a igualdade salarial nos cenários em que homens e mulheres exercem a mesma função. O texto prevê, entre as medidas, mecanismos de transparência dos salários, sanções administrativas para eventuais empresas infratoras e agravantes em caso de discriminação por motivos de sexo, etnia, raça idade ou origem.

Os desafios da maternidade e da vida profissional

A Lei 14.020, de 2020, institui que mulheres grávidas devem ter uma estabilidade no emprego de até 5 meses após o parto. No entanto, um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que 50% das mulheres foram demitidas após retornarem da licença maternidade. E, segundo a mesma pesquisa, elas demoram até 4 anos para retornar ao mercado de trabalho, dependendo da escolaridade.

Tantas incertezas e inseguranças impactam diretamente a saúde da mulher, principalmente no âmbito psicológico. A ONG Think Olga analisou o panorama mental de 1.078 mulheres brasileiras com mais de 18 anos e constatou que 45% delas receberam um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro transtorno mental. Entre as principais causas estão problemas financeiros, sobrecargas de trabalho e doméstica, discriminação de gênero e pressão estética.

Podemos dizer, até mesmo, que os ambientes de trabalho estão se tornando mais amigáveis à crescente presença de mulheres. Políticas de enfrentamento ao assédio e programas de conscientização têm crescido nas empresas. Episódios do que antes era visto como algo “normal” hoje são tratados com a devida seriedade.

Movimento “Mexeu com uma, mexeu com todas” mobilizou mulheres para denunciar casos de assédio no ambiente de trabalho. Crédito: Marianna Cartaxo / Mídia NINJA

Lugar de mulher é… todos os lugares!

As conquistas femininas no ambiente de trabalho já ampliaram a presença delas em muitos espaços e eliminaram diversas barreiras. Mas, infelizmente, as mulheres continuam encontrando barreiras – sendo em relação aos salários, aos cargos ou às áreas de atuação.

Uma das formas de consolidar mais vitórias, é transformar a divisão de tarefas domésticas, um aspecto que sofreu poucas alterações desde que as mulheres passaram a trabalhar. Mesmo tendo as responsabilidades de uma atividade remunerada, a carga dos cuidados com a casa e a família continua recaindo majoritariamente sobre as mulheres.

Enquanto os homens acabam tendo mais tempo disponível, as mulheres precisam equilibrar múltiplas funções. E isso gera o rótulo negativo de que elas têm rendimentos piores, quando na verdade, só estão sobrecarregadas.

E se as mulheres continuam sendo as principais responsáveis por cuidar de filhos, da casa e da família, o estigma de que precisam se ausentar mais que seus pares homens para emergências familiares continua a perdurar. O machismo de que mulheres são menos competentes ou devem obediência aos homens contribui para essa desigualdade na conquista de novos empregos e cargos de liderança.

Perspectivas para as próximas gerações

Se o cenário atual tem estatísticas desafiadoras, também podemos constatar facilmente que as mulheres já tiveram mais dificuldades a superar.

Os debates sobre feminismo e igualdade de gênero nunca foram tão amplos e presentes na sociedade. A ONU, por meio da Agenda 2030, estabeleceu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 para promover a igualdade de gênero e empoderar meninas e mulheres. Entre as metas, estão o fim da discriminação e da violência de gênero, o reconhecimento e a valorização do trabalho de cuidado e o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva.

Com o avanço de pautas feministas na política, as mulheres conquistam mais direitos que também consolidam sua participação no mercado de trabalho. Das licenças maternidade e paternidade estendidas às vagas afirmativas para mulheres e mães, as mulheres estão consolidando seus espaços. É preciso, sim, comemorar as pequenas vitórias, mas, ao mesmo tempo, lembrar que ainda temos muito trabalho pela frente, como sociedade.

No ranking global para os 17 ODS, estamos em 78º, atrás de países da região como Uruguai (31º), Argentina (44º), Chile (49º) e Paraguai (74º). Em alguns dos indicadores, como a composição da força de trabalho, já ultrapassamos a média mundial, mas em outros casos, ainda precisamos nos mobilizar muito para melhorar.

Nobel de economia para uma mulher, estudando mulheres

2023 foi o ano em que uma mulher foi a vencedora do Prêmio Nobel de Economia. Claudia Goldin, 77, professora de Harvard, analisou mais de 200 anos de dados sobre a mulher no mercado de trabalho dos Estados Unidos. Entre suas conclusões, está a relação entre o acesso à pílula anticoncepcional e o aumento da contribuição das mulheres à força de trabalho na atual “era de serviços”. 

A pesquisa de Goldin também destacou que a disparidade salarial se acentua depois que as mulheres se tornam mães, já que as dinâmicas de trabalho dificultam a ascensão de carreira dessas profissionais. A chamada “penalidade da maternidade” veio de um artigo, publicado em 2010, analisando as trajetórias de carreira de pessoas com MBA. A análise concluiu que as mulheres acumulavam um déficit de até 30% de salário em relação aos homens.

Mais um ponto do estudo a ser destacado foi a presença das mulheres casadas no mercado: do início do século XIX até as primeiras décadas do século XX, a força de trabalho feminina foi diminuindo para, em seguida, aumentar novamente.

Nos dias atuais, Goldin destacou que a pandemia de COVID-19 aumentou as desigualdades salariais, já que as mulheres foram mais impactadas pelas demissões e também tiveram mais desafios para conciliar o cuidado com os filhos e todas as mudanças no mundo.

Por outro lado, as mães trabalhadoras foram fundamentais para recuperar a força de trabalho no pós-pandemia. Segundo Goldin, é preciso garantir medidas como trabalho remoto, flexibilidade e a oferta de cuidados infantis, para que as mulheres tenham a mesma oportunidade de crescimento na carreira que os homens.

Claudia Goldin, da Universidade Harvard. Créditos: Revista Piauí

Claudia Goldin, da Universidade Harvard. Créditos: Revista Piauí

Os pilares ESG como aliados das mulheres

Com o aumento do debate sobre sustentabilidade nos negócios com os pilares ESG, que têm ganhado cada vez mais aderência nas empresas, também cresce o número de políticas afirmativas. Entre metas de mulheres em cargos de liderança, retenção de talentos e mais equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, a pauta ESG tem incentivado a presença e a permanência de mulheres em posições estratégicas.

É preciso observar atentamente para a maquiagem das estatísticas de diversidade, o chamado diversity washing. Muito mais do que se promover como uma empresa “amiga da diversidade”, mas perpetuar comportamentos excludentes e preconceituosos, é preciso incentivar o debate, a conscientização e assumir o compromisso real para aplicar as mudanças e concretizá-las.

Conclusão

Como sociedade, já podemos celebrar inúmeros avanços e conquistas no que diz respeito à participação das mulheres no mercado de trabalho. Isso não quer dizer que não existem obstáculos para serem superados no objetivo da igualdade de gênero.

E essa responsabilidade é compartilhada coletivamente: poder público, iniciativa privada e a sociedade devem trabalhar em conjunto e garantir que as mulheres consigam exercer seus direitos e alcançar seu potencial máximo no mercado de trabalho.

 

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