* Por Leila Cangussu
A saúde da mulher envolve direitos reprodutivos, acesso à informação e políticas públicas eficazes. No Brasil, a criminalização do aborto impacta diretamente o sistema de saúde, colocando vidas em risco e sobrecarregando o SUS.
Segundo pesquisas, o número de abortos no país pode ultrapassar 1 milhão por ano, enquanto os serviços públicos de saúde seguem sem estrutura adequada para lidar com as complicações médicas que surgem dessa realidade.
Para enfrentar esse problema, o país precisa adotar soluções corporativas e estratégias de gestão empresarial na saúde pública, garantindo um sistema mais eficiente e menos oneroso para todos.
A gestão da saúde da mulher e o papel do SUS
O SUS deveria garantir um atendimento integral à saúde reprodutiva, oferecendo acesso a contraceptivos, exames preventivos e suporte médico especializado. No entanto, a falta de investimento e a burocracia dificultam o acesso a esses serviços.
Muitas mulheres não conseguem atendimento adequado, seja por desinformação, barreiras institucionais ou recusa de profissionais de saúde. Em São Paulo, um hospital de referência se negou a realizar o aborto legal em casos de retirada de preservativo sem consentimento (stealthing), evidenciando como a falta de protocolos claros prejudica as vítimas de violência sexual.
Além disso, o PL do Estupro tentou restringir ainda mais os direitos reprodutivos, propondo pena de até 20 anos de prisão para mulheres vítimas de estupro que interrompam a gravidez após 22 semanas, uma pena mais severa do que a prevista para o próprio estuprador. Esse tipo de medida não reduz o número de abortos, apenas empurra mais mulheres para procedimentos clandestinos e inseguros.

Quando o aborto deixa de ser crime, as políticas de saúde sexual e reprodutiva se fortalecem. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
O aborto no Brasil e os riscos da criminalização
A criminalização do aborto não impede sua prática — apenas força mulheres a buscar alternativas inseguras. Isso gera impactos diretos na saúde da mulher, sobrecarrega o SUS e eleva as taxas de mortalidade materna.
O Brasil segue ignorando os efeitos negativos dessa política, enquanto diversos países já adotaram modelos mais eficientes de gestão da saúde pública para lidar com a questão.
Por que o aborto inseguro ainda é uma realidade?
O Código Penal brasileiro restringe o aborto a três situações:
- Estupro
- Risco de vida para a gestante
- Anencefalia fetal
Fora desses casos, a interrupção da gravidez é criminalizada, empurrando milhares de mulheres para procedimentos clandestinos, muitas vezes realizados sem qualquer suporte médico. As consequências são graves: infecções, hemorragias e perfurações uterinas podem levar à infertilidade ou até mesmo à morte.
Além dos riscos físicos, a criminalização gera efeitos psicológicos devastadores. Mulheres que enfrentam abortos clandestinos vivem um processo de medo e estigma, sendo tratadas como criminosas ao invés de pacientes em situação de vulnerabilidade.
Outro problema é a falta de distinção entre diferentes tipos de aborto. Mulheres que sofrem um aborto espontâneo ou um aborto retido também são impactadas pela legislação restritiva. Muitas têm receio de procurar hospitais e serem julgadas ou denunciadas, o que pode atrasar o atendimento médico e levar a complicações graves, incluindo infecções generalizadas.
Enquanto isso, países que legalizaram o aborto demonstram que a descriminalização reduz drasticamente o número de procedimentos inseguros.

Mapa do aborto na América Latina e Caribe. Veja como os países da região tratam a interrupção voluntária da gestação. Reprodução: Nós Mulheres da Periferia
No Uruguai, a legalização do aborto reduziu drasticamente a mortalidade materna associada a procedimentos inseguros. Entre 2001 e 2005, das 67 mortes maternas registradas no país, 25 foram causadas por abortos em condições precárias. Já no período de 2006 a 2010, o número de óbitos maternos caiu para 51, com apenas quatro decorrentes de abortos inseguros.
Isso comprova que políticas baseadas em saúde pública e planejamento familiar são mais eficazes do que medidas punitivas.
Sem mudanças estruturais, o Brasil continuará a enfrentar altas taxas de mortalidade materna evitável, além de um SUS sobrecarregado, que precisa tratar as consequências de uma política ineficiente.
O impacto no SUS e na economia da saúde
O aborto inseguro continua sendo uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil. Complicações decorrentes desses procedimentos — como infecções, hemorragias e perfurações uterinas — levam milhares de mulheres aos hospitais públicos todos os anos, aumentando a demanda por leitos, medicamentos e intervenções cirúrgicas.
Esse cenário gera um impacto financeiro expressivo para o Sistema Único de Saúde (SUS), com custos estimados em R$ 40 milhões anuais apenas para o tratamento de complicações de abortos inseguros.
Esse valor poderia ser melhor direcionado para programas de planejamento familiar, ampliação do acesso a métodos contraceptivos e prevenção da saúde feminina no SUS. No entanto, a criminalização do aborto impede que o país adote uma abordagem mais eficiente e econômica para lidar com a questão.
Como a criminalização do aborto prejudica o sistema de saúde?
A ilegalidade do aborto faz com que muitas mulheres recorram a métodos arriscados, como o uso de remédios sem orientação médica, procedimentos improvisados ou intervenções clandestinas feitas por pessoas sem qualificação.
Como resultado, há um aumento expressivo nas internações hospitalares devido a complicações graves, que poderiam ser evitadas com políticas de saúde pública mais eficazes.
Além do impacto financeiro, a criminalização do aborto compromete a eficiência operacional do SUS. Enquanto recursos são gastos para tratar as consequências de procedimentos inseguros, há menos investimento em políticas preventivas, como educação sexual e distribuição gratuita de contraceptivos.

No Brasil, uma em cada cinco mulheres terá abortado até os 40 anos, apesar da criminalização. Enquanto as mais ricas acessam clínicas e médicos particulares, mulheres com menos recursos recorrem a medicamentos ou métodos arriscados. Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
Gestão da saúde pública e soluções corporativas
A adoção de estratégias de negócios e eficiência operacional na gestão da saúde pública poderia otimizar o uso dos recursos e melhorar o atendimento à saúde da mulher.
Inovações tecnológicas e transformação digital também poderiam ser implementadas para ampliar o suporte remoto e garantir que as mulheres tenham informações seguras sobre seus direitos reprodutivos.
Com um sistema estruturado e bem gerido, o Brasil poderia não apenas reduzir os custos hospitalares com abortos inseguros, mas também garantir um atendimento mais acessível e humanizado para as mulheres que precisam desse suporte. A descriminalização do aborto não significa o incentivo à sua prática, mas sim a adoção de um modelo de saúde pública mais eficiente e baseado em evidências.
O futuro da saúde da mulher no Brasil
O PL do Estupro reacendeu o debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil, trazendo à tona os riscos da criminalização do aborto e os impactos na saúde pública. A proposta, que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, gerou forte reação da sociedade e ampliou as buscas por informações sobre o tema.
Segundo dados recentes, o Brasil se tornou o país que mais pesquisou sobre aborto no Google, refletindo a preocupação com os retrocessos na legislação e os efeitos da restrição ao acesso ao aborto legal.
A criminalização não evita abortos, apenas aumenta a desigualdade no acesso à saúde. Mulheres de baixa renda enfrentam mais dificuldades para buscar atendimento adequado e correm maiores riscos ao recorrer a métodos clandestinos. Enquanto isso, países que investiram na descriminalização do aborto e no acesso a planejamento familiar conseguiram reduzir tanto a taxa de abortos quanto a mortalidade materna.
Além disso, os impactos da criminalização vão além da saúde pública. Mulheres que enfrentam gestações forçadas têm maiores chances de abandono escolar e dificuldade de inserção ou permanência no mercado de trabalho. Sem uma rede de suporte adequada, muitas ficam economicamente vulneráveis, o que aprofunda as desigualdades sociais e impacta diretamente a economia do país.
A importância de um sistema de saúde pública mais eficiente
A saúde da mulher precisa ser tratada como prioridade na gestão pública e nas políticas de planejamento familiar. O Brasil ainda enfrenta desafios estruturais que dificultam o acesso à informação, aos métodos contraceptivos e ao atendimento médico adequado.
A falta de investimentos no SUS e o desmonte de políticas de assistência reprodutiva tornam o sistema de saúde ineficiente e sobrecarregado.
A adoção de soluções corporativas e inovações tecnológicas pode otimizar a gestão hospitalar, melhorar a distribuição de recursos e ampliar o acesso a informações sobre direitos reprodutivos. Ferramentas digitais poderiam facilitar o atendimento remoto, garantindo que mulheres tenham suporte adequado sem precisar recorrer a redes clandestinas ou a fontes de informação duvidosas.
A descriminalização do aborto não se trata apenas de garantir um direito fundamental às mulheres, mas também de tornar o sistema de saúde mais eficiente e menos oneroso. Em vez de investir milhões no tratamento de complicações decorrentes de abortos inseguros, o Brasil poderia direcionar esses recursos para políticas preventivas, promovendo um modelo de saúde pública mais sustentável e acessível.

Segundo a OMS, a cada dois dias, uma mulher morre por aborto ilegal no país – uma realidade que atinge, sobretudo, as mais pobres. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
O país precisa avançar para um modelo que respeite a autonomia feminina e garanta atendimento de qualidade para todas as mulheres, independentemente da sua condição socioeconômica. Descriminalizar o aborto significa priorizar a saúde pública, reduzir desigualdades e garantir que nenhuma mulher seja punida por decidir sobre o próprio corpo.
Relacionados
Remédio de R$ 11 milhões, o mais caro do Brasil, é aplicado pela primeira vez no SUS
Duas crianças de Porto Alegre receberam infusões de Elevidys para tratamento da distrofia muscular de Duchenne
Hospital de SP recusa aborto legal em casos de retirada de camisinha sem consentimento
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo diz que protocolo 'está em discussão no Legislativo'
SUS incorpora vacina contra vírus que causa bronquiolite em bebês
O vírus sincicial respiratório é uma das principais causas de infecções em bebês