A segurança pública, em teoria, é um direito fundamental de todo cidadão, já que representa a garantia de uma vida sem medo e sem violência, onde todos podem exercer seus direitos e viver com dignidade. Mas você sabe o que ela significa? Resumidamente, é um conjunto de medidas para que seja possível manter a ordem pública. Uma situação onde todos os valores, princípios e padrões são seguidos.
Quando o assunto é segurança pública, pensamos apenas no policiamento ostensivo realizado pelas forças de polícia (principalmente os órgãos militares em cada estado), mas a proteção da sociedade e a garantia da ordem também envolve bombeiros, guardas municipais, polícia civil e os sistemas penitenciários. O principal objetivo da gestão de segurança pública deve ser a proteção dos direitos (individuais e coletivos) e a promoção do bem-estar social e da paz.
No Brasil, no entanto, esse direito se torna uma utopia para milhões de brasileiros, vítimas de um sistema de segurança pública falho, marcado por desigualdades, violência policial e ineficiência na proteção da vida e de seus direitos.
Como é feita a gestão da segurança pública?
Como o Brasil possui uma estrutura federativa de governo, dividida nos níveis municipal, estadual e federal, o sistema de segurança pública também tem essa estrutura compartilhada pelas diferentes esferas do poder público.
Na Constituição Federal de 1988, as responsabilidades de cada ente federativo estão bem definidas. A investigação de crimes contra a ordem política e social cabe à Polícia Federal, enquanto a segurança dos territórios estaduais e municipais são responsabilidade das polícias estaduais e municipais.
O papel de cada ente federativo na gestão da segurança pública
Assim como em outras áreas da administração pública, a descentralização da gestão de segurança pública permite mais flexibilidade e autonomia. Por outro lado, esse cenário também pode dificultar a articulação e a coordenação em situações que envolvam vários territórios.
Na divisão federativa, a União, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é o órgão responsável pelas políticas nacionais de segurança pública, a definição de diretrizes e coordenação das ações de Estados e Municípios. A Polícia Federal também é de responsabilidade da União, por atuar, entre outras coisas, em questões de segurança nacional.
A gestão das polícias civis e militares está a cargo dos governos estaduais, assim como os sistemas penitenciários estaduais. Cada entidade da federação também pode criar órgãos próprios de segurança pública, incluindo guardas civis e de policiamento rodoviário.
Na esfera municipal estão as guardas municipais, geridas pelos municípios, e que são responsáveis pela proteção dos bens públicos, pelo patrulhamento municipal – e também podem criar sistemas de vigilância urbana.
Desafios da gestão descentralizada
A descentralização da gestão federativa na segurança pública pode atrapalhar a coordenação entre municípios, estados e a União, o que compromete ações de combate à criminalidade e de integração.
Além disso, a autonomia de cada ente da Federação também se coloca como uma dificuldade, já que os recursos acabam sendo distribuídos de forma desigual entre estados e municípios, impactando a qualidade dos serviços oferecidos à população. Quanto menor o volume de recursos destinados à segurança pública, maior a dificuldade de investir em infraestrutura, tecnologia, formação de equipes, equipamentos e outras políticas que podem prevenir a violência.
O cenário atual de (in)segurança no Brasil
As estatísticas brasileiras de violência são uma triste realidade nacional. Somos o líder do ranking global de homicídios em números absolutos, segundo estudo da ONU. No ano de 2021, usado como referência pelas Nações Unidas, 10,4% dos assassinatos do mundo aconteceram no Brasil. Foram mais mortes por homicídios do que a soma dos conflitos armados e atos terroristas juntos.
Em 2023, foram registrados 46.328 casos de mortes violentas intencionais no país, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É o menor número em 12 anos, mas ainda nos coloca na 18ª posição do ranking.
Os principais fatores desse contexto são a violência policial, a atuação das facções criminosas e os altos índices de criminalidade. Homens, negros e jovens continuam como as principais vítimas desse sistema – no total, em 2023, 90% das mortes eram de homens, 78% negros e 49,4% tinham até 29 anos.
A crise da Segurança Pública brasileira
O cenário de violência e crimes no Brasil é apenas um sintoma da doença: são muitos os fatores que contribuem para essa equação de crise. Quem assistiu aos filmes de José Padilha, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, entende a perspectiva das polícias civil e militar – mal pagas, mal equipadas e com poucos treinamentos – para combater a criminalidade. Além disso, a corrupção também afeta a qualidade dos serviços prestados pelas mesmas corporações que deveriam proteger a população.
Por não termos uma política nacional e coordenada de segurança pública, com um plano abrangente e detalhado, o sistema fica muito fragmentado, dificultando a obtenção de resultados concretos para além do policiamento ostensivo. Entenda-se, viaturas nas ruas e, a depender da cor da pele e do CEP de quem passa, abordagens truculentas.
A cultura punitivista do sistema de segurança pública e a militarização das forças de polícia, duas heranças da ditadura militar, privilegiam a repressão e o uso da força. Isso prejudica qualquer iniciativa de prevenção da violência e da ressocialização de pessoas vindas do sistema prisional, o que alimenta ainda mais o ciclo de violência e crimes.
E, claro, sem falar na desigualdade social. Esse é, sem dúvida, um dos principais fatores para a violência, já que a pobreza dificulta o acesso a serviços básicos e oportunidades de vida, impactando a vida de milhões de brasileiros e tornando-os mais vulneráveis à criminalidade.
A guerra às drogas e a segurança pública
As principais políticas de segurança pública no Brasil foram no combate à criminalidade e na proteção dos cidadãos por meio do policiamento ostensivo, que muitas vezes resulta em abordagens racistas e violentas e abuso da força policial. Infelizmente, as próprias polícias também se tornam vítimas desse cenário de violência. O suicídio já se tornou a principal causa de morte de policiais no Brasil.
Essa militarização da política, colocando as drogas como principal inimigo do estado, foi herdada dos Estados Unidos. O problema é que, no Brasil, esse combate ao narcotráfico se dá por operações violentas e racistas nas comunidades, onde as vítimas são sempre pessoas pobres e negras.
O debate recente no STF pela descriminalização da maconha também abordou essa questão: a mesma quantidade de drogas é tratada de formas diferentes pela polícia se encontrada com uma pessoa branca ou negra. E enquanto isso, as drogas continuam a entrar e sair do país, cooptando crianças e jovens para a criminalidade sem que muita coisa mude.
As mudanças para um Brasil mais seguro
A gestão da segurança pública precisa passar por uma verdadeira revolução para que o Brasil se torne um país mais seguro. As mudanças precisam abordar a raiz do problema ao invés de apenas seu resultado final.
Levando em conta que a desigualdade econômica é um dos principais fatores para a violência, é crucial investir em políticas públicas para promover a igualdade de oportunidades, o acesso à educação, trabalho e moradia digna. Essa medida é menos imediatista do que a compra de novas viaturas, mas é a mais eficaz na quebra do círculo vicioso de pobreza e violência.
As forças policiais também precisam de uma reforma, com mais investimentos em formação e qualificação dos policiais, a implementação de mecanismos externos de controle e transparência e o ponto mais polêmico, a desmilitarização das polícias militares. Essa mudança acarretaria em menos hierarquia dentro da corporação, mais foco nos cidadãos ao invés do Estado e o fim da Justiça militar para policiais – mantendo-a apenas para as Forças Armadas.
E, além de tudo, também precisamos inverter a postura das políticas de segurança pública, atuando para prevenir a violência ao invés de punir. Programas sociais, de incentivo à cultura e de promoção da cidadania são mais eficientes do que o encarceramento em massa – principalmente considerando que os presídios brasileiros são grandes escolas das facções criminosas.
O sistema prisional, atualmente em estado crítico de superlotação, violência e condições degradantes, não pode ficar imune às reformas estruturais. A adoção de penas alternativas ajuda a diminuir a população carcerária, enquanto que mudanças nas práticas de ressocialização dos detentos contribui para reduzir a violência e garantir os direitos de todos dentro dos presídios.
A busca por justiça social na segurança pública
Como tantas outras questões, a segurança pública no Brasil é complexa e exige um debate profundo e abrangente, com a participação de todos, de forma igual. Ao mesmo tempo em que as políticas públicas precisam ser abrangentes e diversificadas, a população precisa cobrar medidas para as questões sociais, econômicas e culturais que contribuem para a violência.
A busca por soluções eficazes exige um compromisso com a defesa dos direitos humanos, a redução das desigualdades sociais e a construção de um sistema de segurança pública que priorize na prevenção, na inteligência e na ressocialização, ao invés de priorizar a violência e a repressão. Não existe solução simples para um problema tão complexo quanto o da segurança pública.
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