Se o nome Zumbi dos Palmares ecoa até hoje na história do Brasil como sinônimo de resistência e libertação, é porque ele realmente foi um personagem importante e continua sendo um símbolo da luta contra a escravidão e de defesa da dignidade humana.
Sua vida foi marcada pela tragédia da escravidão e pela coragem de liderar uma luta armada por liberdade, o que inspira gerações de brasileiros e brasileiras a construir um futuro mais justo e igualitário, sem preconceitos a partir da cor da pele.
Para falar de Zumbi dos Palmares, é preciso lembrar que Palmares era um quilombo na região que hoje é o estado de Alagoas. Quilombos, por si, já eram uma forma de resistência dos negros escravizados, pois se formavam a partir da fuga dessas pessoas dos engenhos de açúcar onde eram obrigados a trabalhar – o que representava uma afronta ao sistema escravagista e prejuízo aos senhores de engenho, que “compravam” essas pessoas escravizadas.
O fato de Zumbi ter sido o líder desse quilombo e lutado para libertar mais pessoas escravizadas já faz dele um personagem importante na história e na cultura negra. E considerando que sua vida tem uma série de episódios marcantes, seu lugar entre os ilustres é mais do que mérito, é uma questão de justiça.
O Quilombo dos Palmares e os símbolos de resistência em sua história
O Quilombo dos Palmares foi um território autônomo e independente construído por escravizados fugidos já no fim do século XVII, representando um marco histórico na luta contra a escravidão no Brasil. O quilombo era uma sociedade complexa e organizada, dividido territorialmente em grupos menores chamados mocambos, e um sistema próprio de governo, justiça e defesa.
A própria região onde o Quilombo dos Palmares surgiu dava uma vantagem aos quilombolas, pois as montanhas da região Serrana de Pernambuco, a cerca de 60 quilômetros da costa, proporcionaram a melhor visão e a posição estratégica para a defesa do território, e não aos portugueses e holandeses, que atacaram o quilombo em diversas expedições na tentativa de recapturar os escravizados que viviam ali. O primeiro registro histórico de uma expedição punitiva dos portugueses data de 1612.
Historiadores estimam que o quilombo se estendia por uma área de 27000 km2, o que implica que haviam diversos mocambos dentro desse território, protegendo toda a população de ataques dos portugueses, já que os mocambos eram relativamente distantes uns dos outros. O mocambo do macaco foi o mais famoso deles, chegou a somar 6000 habitantes e era o centro político do quilombo. As estimativas históricas falam em 30 mil habitantes no Quilombo dos Palmares.
Como um símbolo de resistência à escravidão e um ambiente de proteção para os escravizados, os quilombos precisavam ser autossuficientes em termos econômicos, o que significa que a agricultura e a pecuária eram as principais atividades realizadas ali, garantindo não apenas a alimentação dos habitantes, mas também o comércio com vilas e cidades próximas.
Uma das estratégias dos portugueses, durante todo o período colonial, para evitar a mobilização dos escravizados nos engenhos era misturar pessoas de diferentes regiões da África, criando barreiras linguísticas, culturais e religiosas entre essas pessoas. Porém, a história conta que isso foi contornado pelos africanos e já no final do século XVI temos registros das primeiras fugas de escravizados. Essa miscigenação cultural também se refletiu na cultura do quilombo, como mais um sinal da força de todos os povos africanos.
A luta de Zumbi dos Palmares contra a escravidão
À medida que os colonizadores – primeiro os holandeses e depois os portugueses – continuavam a investir em expedições para desmantelar o Quilombo, as estratégias dos habitantes de Palmares também se tornavam mais elaboradas. Eles passaram a saquear fazendas da região para libertar os escravizados e roubar armas, o que aumentou também a iniciativa do governo de Pernambuco para tentar reprimir a estrutura do Quilombo.
Na década de 1670, mais de 50 anos depois do primeiro registro histórico de Palmares, é sabido que o quilombo tinha dois líderes, a liderança política de Ganga Zumba e Zumbi, seu sobrinho e comandante militar. A eles e ao quilombo foram oferecidos, pelos governantes da Capitania de Pernambuco, diversos acordos de paz na tentativa de desmantelar o símbolo de resistência que Palmares representava para todos os escravizados no Brasil.
O único acordo que chegou próximo de ser aceito foi proposto após o sequestro de filhos de Ganga Zumba por bandeirantes paulistas a mando do governador de Pernambuco, mas não contemplava todos os habitantes de Palmares. Começa assim um desgaste político de Ganga Zumba dentro do quilombo que culminou na sua morte – há a hipótese, não confirmada por registros históricos, de que o assassino foi seu próprio sobrinho, Zumbi.
O que se sabe é que Zumbi assumiu a liderança do quilombo após a morte do tio e desfez o acordo aceito por ele por não considerar os escravos que continuavam a fugir para o quilombo, apenas os nascidos em Palmares e quem já vivia lá.
A resistência às expedições portuguesas continuaram, e Zumbi liderou e protegeu o quilombo até a década de 1690, cem anos depois dos primeiros registros históricos sobre Palmares. Durante todo esse tempo, o governador de Pernambuco continuava investindo para destruir o quilombo e assassinar Zumbi, mas sem sucesso.
A morte de Zumbi e o fim do Quilombo dos Palmares
Como símbolo de resistência à escravidão no Brasil, Palmares representava um risco a todo o sistema escravagista estabelecido na colônia. Por isso, o governo de Pernambuco contratou o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, habituado a explorar áreas de mata fechada e geografia acidentada, para organizar uma emboscada contra o Quilombo.
Com um contingente de 6000 homens e até canhões, Domingos Jorge Velho liderou o ataque que destruiu o Quilombo dos Palmares em 1694. Zumbi, que conseguiu escapar do ataque, foi preso e morto em 1695. Sua cabeça foi exposta em praça pública como mensagem a todos os escravizados que pensassem em fugir, mas sua luta contra a escravidão dos povos africanos se tornou o principal legado após sua morte, e é algo que perdura até os dias de hoje.
O legado de Zumbi dos Palmares para o movimento negro
Zumbi dos Palmares foi uma figura emblemática da resistência à escravidão no Brasil, com um legado incontornável para a história e a cultura brasileira. Por uma história de vida repleta de lutas pela liberdade das pessoas escravizadas, sua figura continua a inspirar a busca por justiça social e igualdade racial até os dias de hoje.
O feriado da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro em homenagem à morte de Zumbi, é uma data para destacar a trajetória da população negra e lembrar que ainda não alcançamos a igualdade racial tão almejada por Zumbi e outras tantas pessoas escravizadas.
Por toda a resistência de Zumbi e do Quilombo de Palmares, o reconhecimento dos dois símbolos como marcos de resistência e da luta por liberdade é mais do que natural, é essencial para lembrar que a opressão, em qualquer forma, não pode ser aceita. A própria existência desses dois símbolos mostra a importância e a riqueza da diversidade cultural dos povos africanos forçados a se estabelecer no Brasil – e com o tempo, contribuíram de tantas formas para a formação da cultura brasileira.
As polêmicas criadas sobre quem foi Zumbi dos Palmares
O Quilombo dos Palmares foi, por cerca de cem anos, símbolo de resistência, liberdade e luta. Zumbi, como um de seus líderes, também recebe os mesmos adjetivos, inspirando pessoas até os dias de hoje. O que, para a extrema-direita e todos que se incomodam com a igualdade racial, é um problema pelo símbolo de resistência de Zumbi e do Quilombo e pela representatividade de um líder negro que perdura há séculos.
As fontes históricas podem ser escassas, mas não deixam de retratar Zumbi e Palmares como são vistas pelo movimento negro: heróis da liberdade e resistência. É importante lembrar que, mesmo os registros tendo sido feitos pelos colonizadores, ou seja, os vitoriosos nessa história, os relatos falam de uma região com quase a metade do estado da Paraíba que abrigou dezenas de milhares de escravizados fugidos e resistiu por décadas.
Não há nada que comprove as afirmações absurdas de que Zumbi escravizava outras pessoas ou atuava com a mesma tirania dos seus algozes. Na verdade, essas afirmações não passam de uma tentativa de desqualificar a força e o simbolismo desses nomes da história do movimento negro no Brasil.
É importante reforçar que Zumbi era um líder que lutou corajosamente contra a escravidão imposta pelos portugueses e defendeu a liberdade de todos os africanos escravizados. O Quilombo dos Palmares é um símbolo de resistência e de luta por liberdade, independentemente das complexidades de sua estrutura interna.
A herança brasileira da escravidão moderna
Casos recentes mostram que a escravidão, apesar da publicação da Lei Áurea em 1888, e a discriminação pela cor da pele continuam existindo. As diversas descobertas de casos de pessoas em condições de trabalho análogas à escravidão é mais um sinal de que a luta de Zumbi dos Palmares não terminou.
Das vinícolas e produtores de uva no Rio Grande do Sul às fábricas de carvão no interior de São Paulo e outras histórias que foram retratadas nas manchetes de jornais, é possível ver a clara discriminação pela cor da pele e como é difícil, para pessoas não-negras, entender que esses abusos são, na verdade, dignos da mesma barbárie que sequestrou milhões de africanos para trabalhar nas Américas.
O racismo estrutural se formou na sociedade brasileira exatamente quando foi permitido por mais de 300 anos que a cor da pele de um indivíduo determinasse seu valor e como ele seria tratado. Zumbi dos Palmares foi um personagem histórico que ousou se contrapor a esse sistema e morreu lutando por seus ideais e sua liberdade.
Considerando as estatísticas de violência, o caminho ainda é longo e temos muito trabalho pela frente para que a sociedade, como um todo, pare de discriminar pessoas negras. As várias formas de preconceito precisam ficar no nosso passado, assim como a escravidão.
Cabe a nós, como sociedade, honrar o legado dele e de outros tantos símbolos de resistência e liberdade, e trabalhar para que nossas leis e estruturas sociais combatam toda e qualquer desigualdade. Para que nossa história não precise de outros Quilombos dos Palmares para resistir à opressão.
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