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Autor de mais de 200 sambas-enredo dá receita de sucesso: ‘Tem que entender o Brasil’

Compositor tem participação em sambas-enredo que vão além do carnaval carioca, com autorias no Uruguai e na Argentina
04/03/2025 | 16h00
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Por Amanda Prado

Ele tinha entre 13 e 14 anos de idade quando começou a se entender como compositor. No colégio, fazia paródias elogiadas. Ainda não era samba-enredo. Ele pegava uma música do Roberto Carlos de sucesso na época e criava sua versão, por exemplo. Isso deu ao menino “um pouquinho de prestígio”, nas palavras dele, porque era muito tímido. Como a paródia era uma forma de fazer graça, isso dava também um pouco mais de desenvoltura em vários aspectos da vida, não só no colégio. Ele foi pegando gosto pelas rimas. E diz que, com o passar do tempo, também foi vendo aflorar em si uma afinidade cada vez maior com as letras.

Quando estava com 17 anos, concorreu em um concurso de samba-enredo pela primeira vez. Hoje, contabilizando 35 anos de samba-enredo ininterruptos e 53 anos de vida, o menino das paródias do colégio se tornou um dos maiores vencedores de disputa de samba-enredo do carnaval carioca. Cláudio Russo é o nome dele. “Acho que consegui construir uma carreira bacana, sem ferir os meus valores e meu caráter. As derrotas a gente esquece. Fico com as conquistas e com a música”, celebra, em entrevista ao ICL Notícias a caminho da Marquês de Sapucaí.

Respeitado e reverenciado como um dos maiores compositores das escolas de samba, Russo tem autorias em escolas dos Grupos Especiais, da Série Ouro carioca e também de escolas de fora do Rio de Janeiro.

No Carnaval 2025, seis escolas do Rio e uma escola de São Paulo vão se apresentar com sambas-enredo dele. Na Série Ouro, o grupo de acesso, três escolas têm sambas assinados por Cláudio: Arranco, que apresenta o enredo “Mães que alimentam o sagrado”, sobre as mães do Brasil e a forma como elas trabalham para alimentar sua fé, seus filhos e filhas. A Inocentes de Belford Roxo, com “Ewe, a cura vem da floresta” e a Escola de Samba Estácio de Sá, pioneira do samba do Brasil, que imaginou na avenida uma viagem do Leão, seu símbolo, até a Amazônia, onde se torna um dos seres encantados da floresta.

escolas de samba

Escola de Samba Arranco do Engenho de Dentro – Rio de Janeiro

No Grupo Especial do Rio, tem assinatura de Cláudio na escola Paraíso do Tuiuti, com o enredo “Quem tem medo de Xica Manicongo”, que traz a história da primeira mulher trans documentada no Brasil. Na Mocidade Independente de Padre Miguel, com o enredo “Voltando para o futuro, não há limites pra sonhar”. E na Unidos de Padre Miguel, com “Egbé Iyá Nassô”, que homenageia a história do primeiro terreiro de Candomblé do Brasil — a Casa Branca do Engenho Velho, na Bahia.

Em São Paulo, Cláudio é um dos autores do samba-enredo da escola Camisa Verde e Branco, que traz o enredo O Tempo Não Para! Cazuza – O Poeta Vive!, em homenagem ao músico que morreu em 1990, vítima de AIDS, aos 32 anos. “A expectativa esse ano está muito grande. Todo ano a gente diz que não vai ficar nervoso, que não vai bater ansiedade, mas não tem jeito. Esse ano vai ter coisas muito significativas em relação aos meus sambas. Foi um ano de colheitas muito boas”, relata Cláudio.

“Daqui pra quarta-feira dorme-se pouco e vive-se muito. Nosso carnaval vai muito além da avenida”, diz Cláudio Russo, em referência ao fato de que os enredos carregam simbologias e significados profundos a respeito da cultura, da política, da história e da vida no país.

samba-enredo

Além da passagem por respeitadas e tradicionais alas de compositores do carnaval, Cláudio ganhou prêmios, como o Estandarte de Ouro, por suas obras

Formado em História e pós-graduado em História da África, Cláudio explica que seus temas preferidos para escrever são relacionados à brasilidade, ao Brasil e aos brasileiros. Temas de origem afro, religiões de matriz africana e grandes personalidades da nossa História — muitas ainda desconhecidas.

“Tem muita coisa que a universidade não te ensina. Gosto de falar sobre essas pessoas que lutaram, resistiram e escreveram uma história paralela à história oficial, maquiada. São elas que eu admiro e sobre as quais gosto de compor”, diz, destacando o samba-enredo da Paraíso do Tuiuti de 2024, que homenageou João Cândido, o Almirante Negro. O marinheiro liderou uma revolta em 1910 contra as condições degradantes que os negros sofriam. Cláudio é um dos compositores da homenagem. “Para mim, João Cândido é um dos maiores brasileiros que já existiram. Temas muito abstratos, descompromissados ou mais leves eu escrevo também, mas não é o que eu mais gosto”, explica.

O samba-enredo está no sangue

A ligação de Cláudio com o samba e as escolas de samba vem de berço. O pai dele era diretor de ala da extinta escola Império do Marangá, onde Cláudio começou a aparecer em 1989. Ele tinha 17 anos. Foi ali que também começou a compor. E passou às finais da escolha do samba por três anos seguidos. Em 1991, foi para o Arrastão de Cascadura, mas não chegou à final. De lá, foi levado para a Portela. No primeiro ano, 1992, chegou à semifinal. Nos dois anos seguintes foi campeão.

Inspiração tem de sobra para quem cresceu embalado pelos sambas de Candeia e a voz de Clara Nunes. Hoje, são mais de 200 sambas-enredo que levam o nome de Cláudio Russo na assinatura. As canções se espalham em passarelas entre Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Macapá, Porto Alegre, Uruguaiana e em países como Argentina e Uruguai.

Para ele, não existe segredo para ser um compositor de sucesso. Cláudio destaca que primeiro é preciso ter talento para a música, gostar e ter o dom. Depois, é preciso entender a escola de samba e entender o Brasil.

“Para escola de samba e samba-enredo, é necessário um conjunto de peculiaridades que não tem em outro ritmo musical. Primeiramente o samba-enredo é uma música para funcionar de três a quatro meses no máximo no ano. Porque é aquele tempo em que os sambas são gravados e começam os ensaios até o carnaval. É sazonal. Outra coisa importante é que é uma música feita através de um concurso. Então a escola lança um enredo, depois começa um concurso e dentro desse concurso é escolhido um samba campeão. Para ter sucesso anualmente nesses concursos, é preciso entender a escola de samba. Outros compositores, de outros ritmos, principalmente do samba e da MPB, já tentaram se aventurar. Alguns conseguiram e outros não. Não adianta: é preciso entender o Brasil”, diz.

Para ele, as escolas de samba são o maior símbolo cultural do país. “Já vimos na avenida Luís Carlos Prestes, Oxalá, Oxum, Iemanjá… A revolta dos malês, da chibata… Enredos contra a fome, contra a desigualdade social… Grandes artistas, humor, muita manifestação cultural. Então, tem que entender de Brasil e de escola de samba pra ter sucesso no samba-enredo”, finaliza.

 

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