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Juliana Dal Piva

Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.

Bolsonaro discutiu com advogada eleição que escolheria procurador do caso de Flávio

Luciana Pires e ex-presidente trataram da eleição para o comando do órgão
25/07/2024 | 05h00

Igor Mello e Karla Gamba 

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) discutiu com uma das advogadas do senador Flávio Bolsonaro, seu filho mais velho, detalhes da escolha do procurador-geral de Justiça do Rio, em 2020. Luciana Pires chegou a dizer que “pediu a ficha” dos procuradores.

O diálogo consta em trecho não decupado pela Polícia Federal no áudio gravado pelo deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), em 25 de agosto de 2020. A gravação foi apreendida no âmbito da investigação sobre a Abin paralela.

Em parte da reunião, Bolsonaro conversou em paralelo com a advogada Luciana Pires, que comandou a defesa de Flávio no Caso Queiroz. Ao mesmo tempo, Ramagem, o general Augusto Heleno, então ministro chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a advogada Juliana Bierrenbach falam sobre supostas irregularidades cometidas por servidores da Receita Federal.

Luciana discutiu com Bolsonaro a eleição interna do MP do Rio, através da qual seria formada a lista tríplice para a escolha do novo procurador-geral de Justiça. O cargo era estratégico para Flávio, já que o novo procurador seria o responsável por conduzir seu caso por conta do foro privilegiado de deputados estaduais — decisão do TJ-RJ determinava àquela altura que o foro de Flávio seria junto ao Órgão Especial do TJ-RJ e não mais na primeira instância já que os fatos investigados eram do período em que ele foi deputado. Posteriormente, o STF manteve a tese, ampliando os casos de foro.

Por conta das duas conversas em paralelo, não é possível compreender tudo que Luciana e Bolsonaro falam. Citando uma conversa com um interlocutor não identificado, a advogada afirma que pediu “a ficha de cada procurador”. O diálogo sugere que se tratam dos candidatos à chefia do MP. Bolsonaro demonstra preocupação com a possibilidade de que se diga que sua família interferiu na disputa interna do MP.

Em seguida, Luciana Pires menciona o nome do procurador de Justiça Marcelo Monteiro. “Ele é bolsonarista”, afirma ela.

Os dois passam a tratar da indicação do novo procurador geral de Justiça. Luciana critica a tradição de que o primeiro colocado seja sempre o escolhido. Bolsonaro lembra que escolheu um nome de fora da lista tríplice para a PGR — em referência a Augusto Aras — e pondera: caso outro integrante da lista fosse escolhido pelo governador não haveria nenhum problema.

O procurador Marcelo Monteiro de fato se candidataria ao cargo na eleição realizada em dezembro de 2020, mas terminou o pleito em quarto lugar, ficando fora da lista tríplice. O vencedor foi Luciano Mattos, atual chefe do MP-RJ.

Procurada, Luciana Pires não quis se manifestar sobre o teor do áudio.

Bolsonaro comenta falsa acusação contra filho de ex-procurador-geral

Bolsonaro e Luciana Pires também tratam de uma acusação contra o filho do então procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem.

Em 2019, segundo a revista Época, amigos do filho do ex-procurador foram flagrados com drogas e, a partir disso, a informação passou a ser usada para atacar a família do ex-chefe do MP fluminense.

O ex-presidente e a advogada tratam então do caso. Bolsonaro afirma que o jovem havia sido acusado de tráfico de drogas e ido morar na Noruega. A informação não procede, mas os dois seguem comentando.

Luciana Pires então acrescenta: “Ficou lá um tempo até arquivar”. A advogada ainda critica o desfecho do caso, que inocentou o filho de Gussem: “Prendeu todo mundo, desqualificou o tráfico para um e ficou tudo por isso mesmo”.

Bolsonaro fez menção ao caso meses depois, em live realizada em 1 de janeiro de 2021. Após acusar o MP do Rio de parcialidade na condução da investigação contra Flávio, ele falou.

“Caso hipotético, vamos deixar claro. Caso um filho de uma autoridade entrasse num inquérito da Polícia Civil do Rio e aí um delator tivesse falado que ele participava de tráfico internacional de drogas. O que aconteceria?”, questionou, antes de completar. “O que aconteceria, MP do Rio de Janeiro? Vocês aprofundariam a investigação ou mandariam o filho dessa autoridade para fora do Brasil e procurariam maneira de arquivar esse inquérito?”

O comentário foi visto no MP como uma tentativa de chantagem contra Gussem, que encerraria seu mandato duas semanas depois da live. Além disso, no dia seguinte à transmissão do cargo para o sucessor, ele se aposentou aos 56 anos, o que foi considerado bastante incomum na instituição. Procurado pela coluna, ele não quis comentar. “Desde que me aposentei eu optei por não me manifestar em questões ligadas ao Ministério Público e a qualquer evento nesse sentido”, afirmou.

Ataques a Wilson Witzel

Os dois também ironizam Wilson Witzel,  então governador do Rio e, naquele momento alvo de acusações de corrupção na Saúde que resultariam em seu afastamento do cargo e posterior impeachment.

Luciana menciona que Witzel vinha tentando se aproximar dela e que três de seus advogados já tinham a procurado para conversar.  Bolsonaro então ataca o ex-aliado, com quem havia rompido:

“Ele tinha que me destruir porque ele é um candidato em 2022 à presidência da República”.

A advogada então relata que Witzel aparecera com a faixa que mandou confeccionar para sua posse em uma reunião.

“Eu fui numa reunião lá no início, assim que ele assumiu. Fiquei chocada. Eu conhecia uma assessora, mas eu não conhecia os deputados. Fui lá e ele veio com a faixa, mandou fazer uma faixa igual a do presidente da República”, conta ela.

Augusto Heleno então comenta: “Ele desfila com essa faixa no gabinete”.

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