Por Gabriel Gama, Rafael Oliveira — Agência Pública
No ano em que a emergência climática deixou marcas profundas no Brasil — das enchentes históricas no Rio Grande do Sul à maior seca que o país já enfrentou, com as queimadas devastando nossos biomas –, candidatos às prefeituras das capitais dizem que vão priorizar a pauta climática, mas planos de governo ainda não refletem essa visão.
É o que aponta um levantamento que cruza respostas enviadas pelos candidatos ao Climômetro — uma iniciativa da Agência Pública que busca analisar o posicionamento deles em relação às mudanças climáticas — com o que eles apresentam em suas propostas de governo.
Em parceria com a Universidade Anhembi Morumbi e as universidades federais de Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, procuramos os cinco concorrentes com maior intenção de voto nas 26 capitais com disputa eleitoral neste ano, totalizando 127 candidatos — nem todas as cidades possuem cinco postulantes.
Até a publicação da reportagem, 52 candidatos de 21 capitais haviam respondido a um formulário composto por cinco perguntas que medem o compromisso com a pauta climática. Nenhum candidato de Rio Branco (AC), Teresina (PI), Palmas (TO), Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR) respondeu até o momento. As respostas são de concorrentes de 17 diferentes partidos, de diferentes campos ideológicos. Confira aqui a página do Climômetro e veja as respostas de cada candidato.
A maioria (94%) diz estar totalmente comprometida em priorizar ações de combate às mudanças climáticas na gestão municipal e 92% concordam plenamente que o problema já impacta a população das suas cidades. 79% concordam totalmente com a existência das mudanças climáticas e sua causa humana, enquanto dez candidatos (19% do total) concordam apenas parcialmente.
Dos 52 planos, seis não abordam as mudanças climáticas e outros seis falam do tema superficialmente, sem apresentar propostas ou medidas relacionadas ao meio ambiente. Treze mencionam a emergência climática, mas sem trazer propostas ou medidas com detalhamento. Seis dos candidatos apresentam propostas que incidem no tema, ainda que sem relacioná-las com as mudanças climáticas diretamente. E apenas 21 de fato falam da crise climática e propõem medidas detalhadas para enfrentá-la.
Por que isso importa?
- O Climômetro é um levantamento inédito que perguntou aos candidatos a prefeito das capitais se concordam ou não com diversas afirmações sobre as mudanças climáticas e seus impactos nos municípios que querem governar.
Especialistas em política climática consultados pela Pública para comentar o levantamento afirmam ver uma evolução dessa agenda entre os candidatos, mas ainda com pouca concretude.
O fato de a maioria dos participantes do levantamento ter dito que pretende priorizar ações para combater as mudanças climáticas caso eleitos chamou atenção de Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia Social (ITS), organização que coordenou nos últimos três anos pesquisas nacionais sobre a preocupação do brasileiro com o meio ambiente e as mudanças climáticas.
“Isso mostra que os negacionistas são minoria. Se os candidatos [responderam isso] porque não querem ficar mal perante a opinião pública [não dá para saber]. Mas é um tema que está na cabeça das pessoas”, diz. O resultado que apareceu no levantamento da Pública é similar ao levantamento feito com a população. “Mas traduzir isso em práticas eficientes talvez seja o próximo desafio”, pondera.
“É importante que as medidas estejam especificadas, para avaliar se elas são abrangentes e se vão enfrentar realmente a crise climática. Porque deixar exposto de maneira abstrata e genérica não torna possível que os eleitores cobrem as promessas de campanha”, complementa Rodrigo Iacovini, doutor em Planejamento Urbano e diretor do Instituto Pólis. “Nomear propostas que estão no programa de governo como medidas de enfrentamento à crise climática é uma questão de sobrevivência”, avalia.
Para Iacovini, um dos motivos que podem levar muitos candidatos a não aprofundar propostas climáticas nos programas de governo é justamente a cobrança da população. “Muitas vezes, os candidatos fazem promessas que ficam apenas na palavra, sendo que um dos melhores métodos de verificação do que de fato os prefeitos podem ser cobrados [durante os mandatos] é observar o que consta nos seus programas de governo. Embora os candidatos tragam no seu discurso que vão tratar o enfrentamento da crise climática como prioridade, muitos deles deixam de colocar em seu programa ações efetivas e medidas concretas previstas, por receio de depois serem cobrados por isso”.
Beatriz Pagy, diretora-executiva do Clima de Eleição, organização de advocacy que vem monitorando como políticos abordam a emergência climática desde as eleições de 2020, ressalta que o nível de reconhecimento das mudanças climáticas pelos candidatos vem crescendo nos últimos anos, mas são poucos os que realmente levam a pauta como uma bandeira de campanha.
Ela sugere que se observe não apenas o que os concorrentes estão prometendo, mas também o posicionamento do partido e o histórico de votações em pautas climáticas do candidato e de sua legenda.
“Não basta a gente só esperar que as pessoas eleitas vão ter essa proatividade [de executar políticas climáticas]. Acho que tem que ter realmente uma transformação da forma em que acontece a participação social. Que precisa se dar no dia a dia da política, não só no momento de ir às urnas”, aponta.
O Clima de Eleição é um dos responsáveis pela plataforma Vote pelo Clima, que reúne candidaturas alinhadas à pauta climática, tanto para as prefeituras quanto para as câmaras municipais.
Iacovini acrescenta que o registro de propostas climáticas nos planos de governo não garante o cumprimento das medidas. Segundo o diretor do Instituto Pólis, hoje, qualquer compromisso político minimamente sério deve abordar o contexto das mudanças climáticas e ações para enfrentá-las. “No entanto, o que a gente sempre vê em campanhas eleitorais é que a promessa é muito maior do que o cobertor, os candidatos geralmente prometem mais do que conseguem cumprir”, afirma.
“Existem algumas abordagens [dos candidatos] que são superficiais e que tratam o enfrentamento da mudança climática como algo que medidas isoladas darão conta. O problema é muito mais complexo do que vários dos candidatos colocam”, avalia Iacovini.
Candidatos do Novo são os que menos falam de mudanças climáticas
Entre os 52 planos de governo analisados pela Pública, os dos candidatos do Partido Novo são os que menos abordam a questão das mudanças climáticas. Dos quatro representantes do partido que responderam ao questionário, apenas um fala superficialmente sobre a questão climática em seu programa de governo; os outros três nem sequer mencionam o tema.
É o caso do senador Eduardo Girão, que concorre à prefeitura de Fortaleza (CE). Girão defende “expandir e incentivar o uso de energias renováveis” — setor que vem crescendo no Nordeste, em especial no Ceará — e “desenvolver um plano de reciclagem de resíduos sólidos e de educação ambiental”, mas não relaciona nenhuma das duas propostas com a crise climática.
Em resposta ao questionário enviado pela Pública, Girão afirmou concordar em parte que as mudanças climáticas são reais e provocadas pela ação humana. Para o senador, elas “sempre ocorreram ao longo da história da humanidade, independentemente da ação do ser humano”, mas “têm se agravado nas últimas décadas” pela ação humana. Girão respondeu que concorda totalmente com as outras perguntas enviadas pela reportagem.
Também responderam ao levantamento da Pública Sharon Braga, que concorre em Macapá (AP), Wellington do Curso, em São Luís (MA), e Beto Figueiró, candidato em Campo Grande (MS).
Braga não traz nenhuma menção às mudanças climáticas em seu plano e afirmou concordar apenas parcialmente com a afirmação sobre as mudanças climáticas serem reais e provocadas pela ação humana. Ele também concordou parcialmente com a pergunta sobre a população de sua cidade estar preocupada com o assunto.
Wellington do Curso é o único candidato do Novo que afirmou concordar totalmente com a primeira pergunta do questionário da Pública. A despeito disso, ele trata as mudanças climáticas apenas superficialmente e de maneira indireta em seu programa de governo, com algumas propostas correlatas ao tema.
Beto Figueiró também disse concordar apenas parcialmente que as mudanças climáticas são reais e provocadas pelo homem. Deu a mesma resposta quando questionado se a crise climática já afeta seu município e se pretende priorizar ações dessa temática em um eventual governo.
As respostas vão ao encontro de seu plano de governo, que não apenas não trata de mudanças climáticas como traz posicionamentos contrários ao meio ambiente. O candidato, por exemplo, diz que a concentração das áreas urbanas em uma parcela pequena do território nacional “inviabiliza a justiça social”, “resultando em prejuízo para a qualidade de vida em detrimento da preservação de pequenos nichos ‘verdes’ que pouco contribuem para a manutenção do equilíbrio ambiental”. Campo Grande foi uma das cidades que ficaram com a qualidade do ar péssima neste mês por causa das queimadas.
Além de Figueiró, outros dois pleiteantes ao cargo de prefeito por outros partidos disseram concordar apenas parcialmente que pretendem priorizar ações para combater as mudanças climáticas em suas gestões. O plano de governo de ambos vai ao encontro da declaração de que a crise climática não será prioridade absoluta.
Um deles é Pedrão (PP), que tenta ser prefeito de Florianópolis (SC). O candidato também disse concordar em parte com as afirmações sobre as mudanças climáticas serem reais e causadas pela ação humana e já impactarem seu município. Além disso, disse discordar em parte que a população de Florianópolis se preocupa com a crise climática.
Em seu sucinto plano de governo, o político do PP nada fala sobre as mudanças climáticas. Como um trecho do próprio documento diz tratar-se de um plano preliminar, que seria atualizado até 15 de agosto, a reportagem entrou em contato com a assessoria do candidato, que enviou um documento de quatro páginas, que também não aborda a crise climática.
O outro candidato é Dr. Yglésio, que concorre pelo PRTB em São Luís (MA). Ele tampouco menciona as mudanças climáticas no plano, mesmo no ano em que o estado passou por fortes chuvas que resultaram em alagamentos. Algumas propostas voltadas para a recuperação de áreas degradadas e a gestão de áreas verdes podem ter efeitos positivos no combate à crise climática, embora o candidato não faça essa relação.
Sanfoneiro discorda parcialmente de que mudanças do clima são reais
Entre todos os candidatos que responderam à Pública, apenas um afirmou discordar parcialmente de que as mudanças climáticas são reais e causadas pela ação humana. Trata-se de Gilson Machado (PL), candidato a prefeito de Recife (PE), ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro (PL) e conhecido nacionalmente por suas aparições tocando sanfona em transmissões ao vivo do então presidente.
O plano de governo do candidato bolsonarista não cita o termo “mudanças climáticas” nem outros equivalentes em nenhum momento. A despeito disso, traz algumas propostas que se relacionam com o tema, como obras de contenção e prevenção de deslizamentos, instalação de fontes de captação de energia solar, conversão de lixo em energia elétrica e descontos no IPTU para contribuintes que adotarem medidas de sustentabilidade.
A cidade pernambucana é uma das capitais que sofreram com extremos climáticos no último ciclo eleitoral. Na Grande Recife, que inclui a região metropolitana do município, houve mais de uma centena de mortes por conta das fortes chuvas em 2022.
Além de Gilson Machado, outros dois candidatos à prefeitura de Recife responderam à Pública: o atual prefeito, João Campos (PSB), favorito a vencer o pleito no primeiro turno, e Dani Portela (PSOL). Ambos afirmaram concordar totalmente com as cinco perguntas do Climômetro.
O plano de governo da candidata do PSOL aborda a crise climática diretamente, além de trazer uma série de propostas detalhadas sobre o tema, incluindo a criação de um programa de monitoramento das mudanças climáticas, de corredores verdes e de uma política de comunicação de riscos, entre outras medidas.
Já o atual prefeito, a despeito de falar sobre o tema, não especifica as medidas climáticas que pretende adotar em uma eventual nova gestão, focando mais em ações já realizadas em seu atual mandato, como o Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar).
Em Porto Alegre (RS), que também sofreu com desastres relacionados às chuvas, três candidatas do campo da esquerda responderam ao Climômetro: Maria do Rosário (PT), que aparece na segunda colocação nas pesquisas, Juliana Brizola (PDT) e Fabiana Sanguiné (PSTU). Apenas Sanguiné afirmou discordar parcialmente de uma das perguntas, a que versa sobre a preocupação da população com as mudanças climáticas.
A atenção dada ao tema nos programas de governo de todos os candidatos da capital gaúcha foi tema de reportagem da Pública, que mostrou um maior grau de atenção à pauta climática, mas com propostas limitadas.
Já em Belém (PA), quatro dos cinco candidatos à prefeitura da cidade que sediará a COP30 concordaram totalmente com a existência de mudanças climáticas provocadas pela ação humana. Igor Normando (MDB), atual primeiro colocado na disputa, foi o único que concordou apenas em parte com a afirmação. Todos os candidatos disseram que as mudanças climáticas já impactam os belenenses e se comprometeram a priorizar a pauta climática caso vençam o pleito.
Porém, a maioria dos concorrentes não especifica propostas voltadas ao tema no plano de governo. Edmilson Rodrigues (PSOL), que tenta a reeleição, cita diretamente as mudanças climáticas no plano, mas não traz propostas aprofundadas. O documento é mais voltado para as medidas realizadas em sua gestão, como o Plano Climático Popular, que já está em operação.
Éder Mauro (PL), segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, tem propostas climáticas nas áreas de transição energética, recursos hídricos, ilhas de calor e transporte, mas não aprofunda as medidas. Já Igor Normando aborda superficialmente o problema e tem propostas de urbanização e transporte com potencial de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, mas não relaciona as medidas com a crise climática.
Rodrigo Iacovini enxerga que a falta de uma rotulação clara de propostas de governo como alinhadas ao combate à crise climática pode ser um sintoma de cautela dos candidatos. “Alguns podem não ter nomeado por medo de enfrentar um eleitorado que seja descrente da necessidade de enfrentamento à crise climática, ou às vezes por conta da ideologia que domina o seu próprio partido. Mas não deveria ser assim, porque colocar explicitamente no programa de governo é uma medida educacional e uma importante sinalização de que, caso eleito, o governo estará prestando atenção à crise climática.”
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